Justiça rejeita recurso de hidrelétricas do Sul e de São Paulo sobre garantias físicas

Roberto Rockmann*

A disputa judicial bilionária sobre as revisões das GF (garantias físicas) das hidrelétricas ganhou um novo capítulo na sexta-feira (20). O juiz Caio Castagne Marinho, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, rejeitou recurso de seis grupos geradores, entre eles a Engie, a CTG e Auren, que pleiteavam a mudança do período crítico hidrológico usado para o cálculo das GF e a derrubada da Portaria 709/2022, que oficializou os novos números.

A ação dos geradores era recurso contra a decisão do juiz Diego Câmara, da 17ª Vara Federal (SJDF), que havia negado, em março, o pedido das empresas de sustarem a Portaria.

Norte versus Sul
Reduzir a GF de usinas seria impor perdas às geradoras que entraram com o recurso, já que elas teriam menos energia disponível para a venda. Grosso modo, a mudança do período crítico usando o ano de 2021, mais seco em 91 anos, beneficiaria usinas com predominância no Sul e parte do Sudeste (São Paulo), como Engie, CTG, Auren e CPFL, e prejudicaria companhias com mais hidrelétricas a partir de Minas Gerais e na região Nordeste, como a Eletrobras, Cemig, Neonergia, Enel e Light.

A disputa teria impacto sobre o MRE (Mecanismo de Realocação de Energia), uma espécie de condomínio para as hidrelétricas, em que os ônus e os bônus (maior ou menor geração em virtude de chuvas ou ocorrências) são compartilhados entre as usinas participantes. O MRE realoca contabilmente a energia entre os participantes, transferindo o excedente daqueles que geraram acima de suas garantias físicas para aqueles que geraram abaixo. 

Em sua decisão na última sexta-feira, o juiz Caio Castagne Marinho, sentenciou que “o argumento da incorreção da utilização do período crítico de 1949 a 1956 é matéria que não pode ser verificada de plano pelo órgão julgador, pois versa sobre questões fáticas e técnicas (…) sendo forçoso reconhecer, neste momento processual, a ausência de probabilidade do direito invocado”. A decisão poderá ser contestada.

Judicialização traz incerteza
A judicialização do tema, que reúne outras ações em outras esferas do Judiciário, ganha nova dimensão em um momento em que o setor viveu em setembro uma onda de calor que alterou significativamente os preços da energia no mercado livre e em um cenário em que a geração descentralizada ganha espaço.

“O tema sempre foi polêmico e a judicialização retrata uma incerteza sobre a representação real do sistema”, diz um empresário. No sumário executivo do Plano da Operação Energética (PEN) 2023-2027, divulgado em 11 de outubro, o ONS (Operador Nacional do Sistema) reforça que “assegurar a adequada representação do Sistema Interligado Nacional é fundamental para que as condições de atendimento avaliadas sejam as mais assertivas possíveis”.

O processo de revisão das garantias físicas contribui para ter um quadro preciso de como as hidrelétricas podem atender à demanda de energia. Uma das razões de o país ter vivenciado a ameaça de nova crise de racionamento em 2021 foi a dificuldade em mensurar a energia disponível de fato nos reservatórios das hidrelétricas.

O tema ganha importância em um momento em que a inflexibilidade no setor é alta: segundo dados do ONS, ela está em 73% hoje e ficará em 74% em 2027. Isso significa que o Operador terá menos fontes despacháveis para atender à demanda. A energia solar deve representar 24% da matriz, considerando GD (Geração Distribuída) solar em 2027, ainda também segundo o ONS. Em momentos em que a GD deixa de gerar, como no fim da tarde, a necessidade de geração instantânea no sistema cresce, o que exige modelos que exponham a geração que possa ser usada.

Polêmica sobre o período crítico
A maior polêmica sobre o processo de revisão, divulgado em 2022, está no uso do período crítico – considerado o de menor chuva na história e usado como parâmetro básico para ratear o total das garantias físicas. O setor elétrico trabalha com um período crítico que varia entre junho de 1949 e novembro de 1956.

Entretanto, as mudanças climáticas dos últimos anos têm criado discussões sobre a existência de um período mais recente: 2012 e 2021, sendo que 2020 marcou a estiagem mais severa da história. A alteração do período teria impacto sobre o caixa dos agentes.

Em 2020 e 2021, por exemplo, usinas da região Sul receberam mais chuvas que o Sudeste, tendo mais energia disponível. Já as do Nordeste seriam bastante prejudicadas, ponto que tem deixado a Eletrobras, por exemplo, em alerta.

A Eletrobras não passou pelo processo, porque já tinha passado anteriormente por conta de sua capitalização, na qual sofreu uma redução de 7,3% das garantias físicas de suas hidrelétricas. A empresa teme ser prejudicada nas próximas revisões ordinárias, com a mudança do período crítico.

Processo controverso
O processo de revisão ordinária de garantia física deveria ocorrer a cada cinco anos, conforme o Decreto nº 2665 de julho de 1998. Eram para ter sido realizadas cinco revisões nesses 25 anos. No entanto, apenas duas foram realizadas – uma em 2017 e outra em 2022.

A primeira revisão foi feita em 2017, na qual a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) definiu uma redução de 3,2% das garantias físicas objeto da revisão. Houve também judicialização do tema.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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