29/09/2025 | 13h31

Manter hídrica como ‘renovável-chefe’ depende de reformulação do setor

Foto: Percio Campos/Agência iNFRA

da Agência iNFRA

As hidrelétricas passaram a ter um novo papel na matriz elétrica brasileira nos últimos anos em função da transição energética. Segundo especialistas do setor, as usinas hídricas ficaram com uma responsabilidade ainda mais estratégica para o atendimento e segurança do sistema por causa das suas características. No entanto, ainda há desafios a serem superados para fortalecer essa fonte, torná-la mais competitiva e ampliar investimentos no segmento. Isso implica na reformulação do setor e nos preços de energia, com sinais econômicos mais claros aos geradores e que valorizem os atributos de cada fonte.

O novo papel das usinas hídricas foi debatido por autoridades e especialistas no painel “A visão do setor público”, promovido no evento “O Papel das Hidrelétricas na Transição Energética”, realizado pela Agência iNFRA na última quinta-feira (25) na Casa ParlaMento, em Brasília. Assista à íntegra no YouTube.

Segundo o secretário de Transição Energética e Planejamento do MME (Ministério de Minas e Energia), Gustavo Ataíde, embora a participação da fonte no sistema tenha reduzido de 85% da matriz no início do século para cerca de 55% atualmente, a importância das usinas hídricas foi potencializada em função dos seus atributos e dos requisitos que o sistema tem demandado cada vez mais atualmente, como serviços ancilares e atendimento de ponta.

“As hidrelétricas são fundamentais pelos reservatórios, por regularizarem a capacidade hídrica e fazer o amortecimento de cheias, fundamental em cenário de extremos climáticos”, afirmou o secretário, que citou ainda que o MME tem desenvolvido políticas para promover o segmento, como o recente leilão de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) e a criação de um produto hídrico no LRCAP (Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência), a ser realizado em 2026.

O CEO da PSR, Luiz Barroso, argumentou que o Brasil vive a era 3.0 das hidrelétricas. A primeira, segundo ele, foi quando as usinas hídricas forneciam todos os serviços que o sistema precisava, que era basicamente o atendimento de base. E a segunda, em que elas passaram a ser vistas como baterias de água, após a chegada de novas renováveis como eólica, solar centralizada e biomassa. Agora, Barroso diz que esse papel vai além.

“A dinastia 3.0 das hidrelétricas soma ao serviço de base e ao serviço de bateria uma miríade de outros serviços, como regulação de frequência, inércia, flexibilidade e outros, que são necessários para viabilizar toda essa inserção de renováveis capitaneada pela geração distribuída, que hoje tem com seus 42 GW a maior potência instalada no Brasil após as hidrelétricas”, afirmou. “É a renovável-chefe do Brasil”, concluiu o CEO da PSR.

Flexibilidade
Um dos diferenciais das usinas hídricas destacados pelo secretário Gustavo Ataíde é o atributo da flexibilidade, o que, segundo ele, precisa ser olhado para novas contratações no setor nos próximos anos visando o atendimento às rampas de carga na operação do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). O tema chegou a ser inserido na MP (Medida Provisória) 1.300, mas foi retirado do texto final.

“Hoje temos essa capacidade para o atendimento de ponta, mas a flexibilidade para atender essas longas rampas é fundamental. Rampas que o ONS tem avistado até 2029 de 50 GW. A contratação olhando flexibilidade permite expandir um pouco o horizonte para mais horas. E as usinas reversíveis podem ser fundamentais para ajudar nisso, por poderem atender por mais horas que as baterias químicas”, destacou.

O superintendente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Gustavo Ponte, afirmou que a estatal está finalizando a revisão do PDE (Plano Decenal de Energia) de 2035, que trará análises sobre flexibilidade e quanto ao cardápio de opções para o atendimento desse requisito, o que passa por hidrelétricas. Ele citou a perspectiva de expansão do segmento nos próximos dez anos puxada por PCHs e CGHs, mas também por modernização de grandes usinas.

“Ao falarmos de flexibilidade, estamos falando de armazenamento, seja por meio de usinas hidrelétricas convencionais, seja por meio de baterias ou de hidrelétricas reversíveis. E ainda uma outra opção, não tanto de expansão, mas é a otimização do uso das hidrelétricas existentes para a gente extrair delas o que o ONS já está fazendo, que é abrir e fechar a válvula para ela dar conta desse serviço”, afirmou Ponte.

Na visão do superintendente da EPE, se o Brasil ainda não precisou investir massivamente em tecnologias de armazenamento até hoje é porque as hidrelétricas até agora deram conta do recado. “Mas, como as rampas vão ficar mais acentuadas, agora será preciso investir bastante em novas tecnologias nos próximos anos.”

Preços
A contratação de geração alinhada aos critérios de flexibilidade está diretamente ligada a outro desafio apontado pelos painelistas como fundamental: a modernização da formulação de preços de energia, com sinais econômicos mais claros aos geradores e que valorizem os atributos de cada fonte. O tema também chegou a entrar na MP 1.300, mas retirado do texto final.

Um estudo sobre o assunto já vem sendo conduzido no âmbito da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia). Segundo o conselheiro de Administração da entidade, Ricardo Simabuku, um passo grande seria alterar o modelo de formação de preço para um modelo por oferta, mas existem passos “intermediários”, como o que ele chamou de modelo híbrido.

“Isso passa por um dispositivo que estava na MP 1.300, que esperamos que volte na MP 1.304, que é a questão de possibilitar o que a gente chama de PLD [Preço de Liquidação das Diferenças] ex-post. Hoje o PLD é calculado sempre antes da operação pelo ONS. E a MP 1300 trouxe também a possibilidade de fazer o cálculo do PLD depois da operação, e isso traz como benefício uma redução de custo ao consumidor e uma maior participação dos agentes”, explicou.

Simabuku ainda defendeu resgatar ideias já estudadas no passado que podem melhorar a remuneração dos geradores, como a bonificação pela performance acima das taxas de referência das usinas do MRE (Mecanismo de Realocação de Energia), a valoração da tarifa de energia de otimização, e a criação de um novo mecanismo competitivo ligado ao GSF (sigla para risco hidrológico).

“Seria um mecanismo que pode trazer alívio no impacto do GSF daqui para frente, fazendo um leilão todo ano para que as hidrelétricas possam adquirir excedente de geração de energia de reserva. Seria um certame por quantidade de oferta de energia de reserva. Para o consumidor, teria a vantagem de ter estabilidade no pagamento do encargo por energia de reserva, além de uma previsibilidade na formação de preços”, disse o conselheiro da CCEE.

O diretor Gentil Nogueira, da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), defendeu ainda a criação de tarifas horárias de energia aos consumidores, outro ponto que estava previsto inicialmente na MP 1.300 e também tem relação com o sinal econômico.

“Quando colocamos a tarifa horária na MP, que é ter um preço por hora que mostra a situação do sistema em cada hora, foi porque isso é extremamente importante. O preço dá informação, dando o sinal para o consumidor da hora que é melhor consumir porque está sobrando, e para o gerador hidrelétrico que aquela é melhor ele gerar porque está mais cara a energia, e tem hora que ele tem que recolher porque a energia está mais barata”, afirmou Gentil.

Na avaliação do diretor, a ANEEL tem competência para tocar a implementação do modelo “a despeito da lei”, considerando que a política tarifária é sua atribuição legal. No entanto, ele considera importante que esse debate ocorra no Congresso. “A tramitação da MP 1.300 era uma grande oportunidade para a gente trabalhar com uma sinalização de preço aderente com o que acontece na operação. Seria importante discutir isso, a forma de fazer.”

Vertimento turbinável
Um dos desafios que precisam ser superados para o robustecimento do segmento hídrico, segundo os especialistas, é o do vertimento turbinável, nome técnico dado ao curtailment das hidrelétricas. Ao contrário das fontes eólica e solar, que ainda possuem um pequeno grau de compensação pelos cortes, não há um tratamento sobre isso para a fonte hídrica.

Para Gentil Nogueira, há espaço para uma solução sobre o tema tanto no âmbito do Congresso como da própria ANEEL, com a revisão da resolução que disciplinou os critérios de compensação.

“Existe uma discussão muito profícua no Congresso em relação a esse assunto, com uma camada e uma amplitude de oportunidades muito maior para trabalhar o curtailment. Mas acho que dentro da própria ANEEL é algo a ser explorado de forma infralegal, no âmbito regulatório, tanto para curtailment de geração hidrelétrica quanto para curtailment de eólica e solar, revisitando a resolução, mas respeitando o limite legal que hoje nos é imposto”, defendeu o diretor.

O diretor de Operação do ONS, Christiano Vieira, ponderou sobre os cortes. Disse que o operador está fazendo aquilo que é necessário no momento para garantir uma operação segura do sistema elétrico, que ficou mais complexa com a mudança da matriz.

Christiano defendeu, como modelo de referência, a criação de um mecanismo similar ao MRE das hidrelétricas para as fontes eólica e solar, para que possa tornar esses agentes “indiferentes à decisão operativa do ONS”, tendo alguma compensação pela não-geração.

“Nós tínhamos um sistema muito mais simples no final dos anos 90 e início dos anos 2000, que era um sistema hidrotérmico. Ninguém ficava questionando porque despachou mais uma usina e não outra. Essas questões não eram levadas ao operador por uma razão muito simples, um mecanismo que foi pensado, o MRE, que compartilhava esse risco hidrológico entre todas as usinas e tornava o agente indiferente à decisão de despacho do operador. Agora, por que não termos um MRE de vento e de sol?”, sugeriu.

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