O capital privado retido e a MP 1.202/2024: mais uma barreira ao crescimento

Marcelo Araújo*

O Brasil enfrenta uma barreira invisível que há anos ameaça seu progresso econômico: a retenção de capital das empresas pelo Estado. Este cenário, onde recursos vitais são imobilizados em depósitos judiciais, precatórios e créditos fiscais, não só sufoca a capacidade de investimento e inovação das corporações como também estagna o crescimento econômico nacional.  A MP (Medida Provisória) 1.202/2023, editada recentemente entre o Natal e o Ano Novo, amplia ainda mais o potencial de retenção desses recursos.

Estima-se que, hoje, cerca de R$ 300 bilhões de recursos privados estejam aprisionados, dos quais R$ 150 bilhões apenas em precatórios emitidos ou a emitir e ainda não pagos. Outro aspecto controverso da retenção de capital pelo governo é a limitação imposta à compensação de créditos tributários já transitados em julgado.

Após anos de disputa judicial, com enorme consumo de tempo e recursos, quando finalmente há uma decisão favorável às empresas, a expectativa é de que esses créditos sejam utilizados de imediato, permitindo novos investimentos em suas operações ou em novos ativos e infraestrutura.

A citada MP 1.202/2023, que tem estado muito em evidência por limitar a desoneração da folha de pagamento de 17 setores altamente empregadores, traz em seu texto ainda outro relevante dispositivo, este menos discutido, porém tão ou mais impactante e que ilustra vividamente a prática citada da retenção de capital: limita em até 60 meses a possibilidade de compensações tributárias de créditos fiscais acima de R$ 10 milhões.

Isso não apenas desrespeita o direito de propriedade das empresas sobre seus créditos, mas também contradiz os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, essenciais para a segurança jurídica e a confiança no sistema legal e tributário do país.

É desejável que leis e atos administrativos sejam razoáveis e proporcionais aos fins que se destinam, assegurando que o Estado não utilize seu poder de forma arbitrária ou excessiva. Sendo devedor e credor da mesma pessoa, não se imagina exigir dela o pagamento de seu crédito, sem estar também obrigado a pagar o seu direito, em especial se este já é líquido e certo. Esse é o princípio básico da compensação.

Dados obtidos recentemente pelo Valor Econômico, via lei de acesso à informação e junto à própria Receita Federal, identificam ao menos 495 companhias importantes para o país que serão afetadas pela medida. Ou seja, todas essas empresas informaram em 2023 créditos transitados em julgado superiores a R$ 10 milhões sendo que até agosto de 2023, o valor total desses créditos seria de R$ 35,4 bilhões.

Essas companhias têm tais créditos como parte de seus orçamentos e projetos para 2024 e terão seus negócios impactados. Muitas já estudam medidas judiciais caso prospere a aprovação de tal dispositivo, renovando o ciclo de discussões judiciais intermináveis e capitais privados retidos.

Fonte: Receita Federal

É perfeitamente compreensível e desejado o esforço de equilíbrio fiscal buscado pelo governo, mas nunca é demais lembrar que a diferença entre remédio e veneno é, muitas vezes, apenas a dose.  Se a grande, senão única, parcela desse esforço se der via aumento impostos ou retenção de recursos privados, isso asfixiará o setor que em última instância é o grande responsável pelo dinamismo econômico no país e não é de hoje.

Nas últimas duas décadas, os investimentos públicos oscilaram entre apenas 2% e 3% do PIB, contra os 15% a 18% de investimentos do setor privado.

Aspirar crescimento sem investimento não passa de uma ilusão, em geral efêmera.  A retenção de capital pelo Estado é uma prática que prejudica o crescimento econômico, quando não viola direitos fundamentais.

Políticas como este dispositivo da MP 1.202/2023 devem ser criteriosamente avaliadas, amplamente debatidas e potencialmente revistas, principalmente sob o prisma da liberação do capital empresarial.

O Congresso Nacional terá ao longo dos próximos meses essa oportunidade. A oportunidade de, dialogando com a sociedade civil e o Poder Executivo, chegar a uma solução que garanta um ambiente de negócios propício ao investimento, à inovação e ao progresso econômico sustentável do Brasil.

*Marcelo Araújo é diretor-executivo corporativo e participações do Grupo Ultra e presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Downstream do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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