Luiz Afonso dos Santos Senna*
A jovem democracia brasileira é um case de sucesso. A cada dois anos a população participa de uma mobilização magnífica. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, em dezembro de 2024 havia 158,6 milhões de eleitores, um número impressionante.
Mas, ao mesmo tempo em que o país se destaca positivamente neste quesito, também se sobressai negativamente em outro: a criação de projetos eleitoreiros e populistas, desprovidos de base lógica e econômica, com a finalidade de seduzir o eleitor menos avisado.
Com a proximidade da eleição majoritária, não surpreende o crescimento de propostas como a tarifa zero no transporte público, já embalada por slogans como “passe livre nacional”. O objetivo é claro: transformar um tema complexo em mais um “pacote de bondades” para 2026.
Segundo o IBGE, o Brasil possui 5.570 municípios, dos quais 51% nem sequer têm ônibus urbanos. Além disso, apenas 20% das viagens a trabalho são feitas de ônibus; 80% ocorrem por outros meios, como moto e a pé. Ou seja, a generalização da tarifa zero desconsidera a própria realidade da mobilidade brasileira.
Ao insistir em associar transporte público exclusivamente à população de menor renda (o chamado usuário cativo) o país corre o risco de estigmatizar o sistema. A tarifa zero, em vez de integrar, pode segregar, pois reforça a ideia de que o ônibus é apenas para os pobres. Qualquer política séria deveria buscar o oposto: atrair também a classe média por escolha, e não por falta de opção. O fator decisivo, entretanto, não é a gratuidade da tarifa, mas a qualidade do serviço. Nos países referência em transporte, o segredo é a convivência entre todos os segmentos sociais dentro do mesmo sistema.
Outro ponto crítico é o financiamento. Pelas poucas informações divulgadas, a tarifa zero dependeria do aumento de impostos. E quando indagados sobre estudos econômicos que embasem a proposta, defensores respondem: “Não é caso de estudo econômico, é definição de política pública”. Ora, qualquer política pública sustentável exige estudo econômico, sob pena de se transformar em um salto no escuro.
A exemplo de todas as demais utilities, o que o país precisa é eficiência e competência na prestação de serviços, o que somente ocorre com arranjos econômicos e financeiros robustos, planejamento e governança.
Se o objetivo é inclusão social, há caminhos mais eficazes e realistas do que a tarifa zero universal. Pode-se adotar subsídios focalizados, garantindo passe livre apenas para quem realmente precisa (estudantes, desempregados, trabalhadores de baixa renda). Outra frente necessária é o investimento na qualidade e integração dos sistemas, tornando-os competitivos com o transporte individual. Além disso, programas de bilhete único metropolitano ou de tarifa integrada por tempo de uso são soluções já testadas, que promovem equidade sem comprometer as contas públicas.
Eleições regulares devem ser motivo de celebração, não de apreensão diante de factoides populistas. A tarifa zero, como vem sendo defendida, não passa de uma proposta eleitoreira, sem base técnica, sem lógica econômica, com impacto fiscal e com alto potencial de desorganizar ainda mais a já desorganizada mobilidade urbana no país.
Se há algo que precisa ser zerado no transporte público brasileiro, não é a tarifa, mas o improviso e o populismo.
*Luiz Afonso dos Santos Senna é PhD em transportes, consultor, professor titular da UFRGS, foi diretor da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), secretário de Transportes de Porto Alegre e presidente da Agergs (Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.





