Juliano Noman*
O decreto que aumentou o IOF (Imposto Sobre Operações Financeiras) estimula uma reflexão sobre as políticas públicas que têm o objetivo de ampliar a conectividade do país e o acesso da população ao transporte aéreo. Ao elevar a alíquota sobre remessas ao exterior de 0,38% para 3,5%, a medida anunciada pelo governo atinge “o coração” da indústria da aviação, que tem 60% dos custos atrelados ao dólar.
Um exemplo de política pública lançada pelo governo para fortalecer a aviação regional é o programa AmpliAR, que deve alcançar R$ 5 bilhões em investimentos privados na construção ou requalificação de 100 aeroportos de todo o país nos próximos cinco anos. Na primeira etapa, o programa, anunciado em dezembro do ano passado, vai priorizar cidades da Amazônia Legal e da região Nordeste. Junto com o Voa Brasil, o AmpliAR integra o conjunto de políticas públicas que têm o objetivo de expandir e democratizar o transporte aéreo. Contudo, menos de seis meses depois, o governo estabeleceu, por decreto presidencial, a alta do IOF, acendendo um alerta vermelho no setor aéreo por seus efeitos potencialmente devastadores.
O aumento do IOF atinge diretamente as operações de leasing de aeronaves e motores, serviços de manutenção e outros pagamentos para fornecedores no exterior. Essas operações fazem parte do dia a dia da aviação e são fundamentais para a manutenção e renovação da frota nacional, já que as empresas aéreas não podem contratar leasing no Brasil. Com isso, a medida tem grande impacto sobre investimentos em novas rotas, comprometendo a conectividade aérea do país e o acesso das populações das regiões mais remotas à aviação.
Para se ter uma ideia, o aumento do IOF equivale ao leasing anual de 25 aeronaves de porte médio ou de 40 aeronaves Embraer. Na aviação regional, por exemplo, seria possível ter 80 aeronaves a mais operando nos aeroportos do programa AmpliAR. Ou seja, políticas públicas desenhadas para incluir mais brasileiros no transporte aéreo e conectar novos destinos perdem força quando acompanhadas por medidas fiscais que penalizam quem deveria investir na expansão da malha aérea. Ao contrário, a alta do IOF tem potencial para reduzir a oferta de voos, concentrando as frequências nas rotas domésticas já consolidadas.
Outro efeito é a perda de competitividade das empresas nacionais no cenário global. As companhias aéreas brasileiras atuam em um mercado globalizado, e as alterações no IOF aprofundam o desequilíbrio já que o imposto não é cobrado das empresas estrangeiras, que efetuam integralmente no exterior os pagamentos com arrendamento e manutenção. Essa desvantagem afeta, especialmente, as rotas internacionais operadas pelas empresas brasileiras.
Em resumo, elevar o IOF seria um duro golpe na saúde financeira das empresas aéreas, na capacidade de investimento que dispõem e, consequentemente, no desenvolvimento de novas rotas e destinos. Sem alternativas para realizar arrendamentos e serviços de manutenção no Brasil, as companhias terminariam repassando os custos aos passageiros e reduzindo a oferta de voos.
Suspenso pelo Congresso Nacional por meio da aprovação de um Projeto de Decreto Legislativo, o debate sobre o IOF está agora nas mãos do STF (Supremo Tribunal Federal), que terá que analisar, no fim do dia, o viés arrecadatório de um instrumento regulatório.
A manutenção das políticas públicas que almejam a democratização do setor aéreo deve ser acompanhada de medidas que não aumentem o custo do transporte aéreo e que viabilizem a expansão da malha em direção à aviação regional. Essa é a receita que fará a aviação brasileira decolar.
*Juliano Noman é presidente da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas).
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