Opinião

Opinião – Crises, infraestrutura e resiliência logística

Rafael Veras* e Leonardo Coelho**

Infraestrutura boa é a que não se percebe. Ela provê energia e conexão, trata efluentes, fornece água, transporta pessoas e cargas, e viabiliza mobilidade. Tudo com o mínimo de interrupções possível. A boa infraestrutura é invisível.

Pode reparar: as pessoas só lembram da infraestrutura quando o carro passa no buraco, um apagão acontece, a água falta ou o telefone perde o sinal.

Na logística de cargas, não é diferente. Tudo vai bem quando ninguém se pergunta como as cargas são movidas de um ponto ao outro. Quando, milagrosamente, o market place entrega o produto comprado em um prazo que desafia o cronômetro.

Para que não seja notada, a infraestrutura logística precisa ser resiliente. A resiliência logística é a capacidade do sistema logístico de se adaptar e recompor de perturbações ocasionadas, principalmente, por eventos atípicos, falta de suprimentos, guerras ou desastres naturais. Por essas razões, o bom funcionamento das cadeias logísticas é especialmente desafiado por eventos de crise.

Quando acontece uma catástrofe climática, uma guerra ou a interrupção na cadeia de fornecimento, toda a infraestrutura logística é posta à prova. O desastre que assola o Rio Grande do Sul, a guerra no Mar Vermelho e a pandemia da COVID-19 evidenciam isso.

Em todos esses eventos de crise, a rede logística precisou ser rearranjada para cumprir sua função instrumental. Rotas marítimas, operações portuárias, aeroportuárias, ferroviárias e rodoviárias precisaram rapidamente ser adaptadas para não deixarem faltar o que há de mais elementar às pessoas e ao funcionamento da economia.

Para que seja possível enfrentar essas crises, é preciso ter capacidade instalada, ociosidade estratégica e integração.

A capacidade representa o limite máximo que uma cadeia logística pode manejar. É seu potencial produtivo.

Considerando as várias etapas subsequentes, diz respeito ao peso que um veículo pode transportar, à frequência e ao tempo em que dada rota pode ser percorrida, com base no número de navios, trens e caminhões alocados ao itinerário, no número de movimentos que um terminal portuário pode fazer, ou no estoque que se pode armazenar e gerenciar, por exemplo. 

A ociosidade estratégica, por sua vez, confere margem de segurança à operação, tornando-a melhor gerenciável. Diferentemente da ociosidade pura, ocasionadora de ineficiência, a ociosidade estratégica conforma a margem habilitadora de mecanismos de amortecimento de impactos pelo sistema logístico. Ela viabiliza pontos de manobra na cadeia de suprimentos, conferindo-lhe maleabilidade e confiabilidade.

Juntas, capacidade e ociosidade estratégica funcionam como um buffer que atribui flexibilidade à rede logística, permitindo mudanças de rotas e armazenagem, assegurando a manutenção da produtividade ou, ao menos, mitigando perdas frente às intercorrências.

A integração, por sua vez, faz com que os elos da cadeia logística sejam mais confiáveis e não se quebrem no processo. É a integração que assegura a compatibilidade e, por consequência, o bom funcionamento de todo o sistema. De maneira integrada, é possível planejar com assertividade, incrementando a consistência de todo o processo.

Para esse propósito, o modelo vertical ostenta um papel de grande destaque. Nele, etapas da cadeia logística se encontram sob a gestão de uma mesma companhia ou de um mesmo grupo de empresas.

Isso faz com que seja possível implementar uma cadeia logística mais resiliente, como resultado de um processo decisório mais simplificado, eficiente e confiável. Situados dentro de uma mesma firma, a fricção que possa ocorrer entre os distintos elos da cadeia logística é resolvida por força da organização hierárquica.

Exatamente como se dá em qualquer empresa, nos embates cotidianos travados entre áreas, resolvidos pela decisão executiva final.

A integração, por si, reduz as dificuldades inerentes à coordenação complexa das fases do sistema, facilitando o fluxo de informações em tempo real e gerando incentivos organizacionais a não se perder de vista o objetivo de prover o transporte e o manuseio eficiente e confiável de cargas, da origem ao destino.

Apenas com capacidade instalada, ociosidade estratégica e integração se é capaz de construir uma cadeia logística resiliente, apta a ser prontamente remodelada para suplantar as crises.

Eventos de crise nos mostram que não podemos nos dar ao luxo de selecionar investimentos em infraestrutura. A competição pela infraestrutura precisa ser ampliada. Não restringida, como tem sido feito, ao pretexto de ‘proteger a concorrência’. A capacidade instalada precisa aumentar.

Às vezes, a infraestrutura brasileira é assolada por uma certa vertigem de sobreloja: o segundo andar já parece tão alto que dá até tontura. Com tanto por desenvolver, há quem ache espaço para encampar narrativas de que permitir a ampla competição, mediante processos licitatório isonômicos, concentraria o mercado e comprometeria a concorrência.

É um discurso que alardeia o medo, protege incumbentes que se beneficiam da escassez fabricada e bloqueia os investimentos na infraestrutura do país. Essa miragem falseia o óbvio: o Brasil tem um déficit enorme no campo. Há décadas investindo abaixo do mínimo para a própria manutenção de sua infraestrutura, o país precisa de mais rodovias, mais portos, mais ferrovias, mais aeroportos, mais tudo.

Que o óbvio não seja camuflado e que a competição por ativos de infraestrutura não seja frustrada, ao argumento sorrateiro de que, para se permitir a concorrência, é necessário comprometer a própria concorrência.

*Rafael Veras é professor coordenador dos módulos de concessões e PPPs do LL.M em Direito da Infraestrutura e da Regulação na FGV Direito Rio (Curso de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro); doutor e mestre em regulação pela FGV Direito Rio; e sócio do escritório Braz, Coelho, Véras, Lessa e Bueno Advogados.
**Leonardo Coelho é professor do LL.M em Direito da Infraestrutura e da Regulação na FGV Direito Rio; professor titular de “Regulação das Ferrovias” no ISC-TCU (Instituto Serzedello Corrêa – Tribunal de Contas da União); mestre em Direito Público pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro); e sócio do escritório Braz, Coelho, Véras, Lessa e Bueno Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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