Heber Galarce*
A declaração do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, repercutida na Agência iNFRA, de que os cortes de geração – o chamado curtailment – são “risco do investidor” exige uma reflexão mais profunda. Em mercados competitivos, é natural que empresários assumam riscos de preço e demanda. Mas no setor elétrico brasileiro, marcado por planejamento centralizado, operação integrada e forte regulação, não se pode dissociar risco privado de responsabilidade pública.
Os cortes que afetam usinas eólicas e solares no Nordeste decorrem não apenas da falta de consumo, no caso curtailment energético, mas de falhas estruturais, no caso curtailment confiabilidade. Atrasos em obras de transmissão criaram gargalos que impedem o escoamento da energia limpa. Usinas térmicas inflexíveis seguem operando por força contratual, ocupando espaço que poderia ser das renováveis. O país ainda não avançou em tarifas horárias, resposta da demanda que viabilizariam soluções de armazenamento, já consolidados em outros mercados. Soma-se a isso a ausência de transparência sobre a real extensão e os custos do curtailment, o que impede diagnósticos corretos e soluções consistentes.
Tratar tais problemas como só risco de mercado é injusto. Investidores confiaram em leilões públicos e contratos homologados pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), inclusive com liberação do acesso às redes elétricas. Neste ambiente os agentes cumpriram prazos e entregaram as usinas. Ao ver sua energia cortada porque a rede não comporta mais ou porque contratos protegem térmicas inflexíveis, enfrentam prejuízos que extrapolam o risco empresarial. O consumidor também é penalizado: paga tarifas mais altas devido ao desajuste entre planejamento e operação privilegiando fontes caras e poluentes, enquanto energia limpa e barata é desperdiçada.
O Brasil, que tem a matriz elétrica mais limpa entre as grandes economias, desperdiça competitividade ao manter gargalos, contratos desajustados e insegurança regulatória. Enquanto outros países aceleram a transição energética com planejamento integrado e estímulos à inovação, seguimos insistindo em soluções improvisadas e em medidas provisórias que só aumentam a incerteza.
Cada megawatt renovável cortado é perda econômica, atraso na descarbonização e erosão de credibilidade. O debate precisa ser honesto: risco de mercado é diferente de falha de gestão pública. Misturar as duas coisas é esconder problemas estruturais e punir quem investiu acreditando no país.
O caminho é claro: incluir no planejamento as novas soluções tecnológicas em detrimento de só avaliar a expansão da transmissão, flexibilizar contratos que engessam o despacho e dar transparência aos dados. Só assim será possível garantir previsibilidade, modicidade tarifária e aproveitamento pleno da energia limpa. O futuro do setor elétrico não pode ser guiado por improvisos, mas por planejamento e responsabilidade. O Brasil não pode mais desperdiçar energia renovável – nem a confiança de investidores e consumidores.
*Heber Galarce é presidente do Inel (Instituto Nacional de Energia Limpa).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.








