Dario Rais Lopes*
O governo federal lançou, no início deste mês de agosto, o edital do AmpliAR, programa que tem como objetivo um processo competitivo para repassar à iniciativa privada a gestão de 19 aeroportos regionais, localizados em onze estados da Amazônia Legal e do Nordeste. As concessionárias que já administram terminais aéreos no Brasil poderão fazer propostas para incorporar esses novos ativos em seus contratos. Em troca, terão um reequilíbrio econômico de seus contratos avaliado na ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil).
O governo considera de antemão que parte dos 19 aeroportos que serão ofertados não terá interesse neste primeiro momento e, a partir disso, os ativos poderão ser alocados em contratos de concessão diretamente pelo próprio governo em momento posterior.
Qualquer iniciativa que vise incentivar os serviços de aviação regional tem de ser vista com bons olhos. Mas penso que a efetividade de ações para alavancar os voos regionais no Brasil não pode ficar centralizada na infraestrutura.
Uma política de transportes, independente do modo em questão, tem de partir da constatação de que para a provisão de um deslocamento qualquer é necessário definir um conjunto de componentes, como o veículo para o deslocamento, a via na qual este deslocamento se dará e os locais de acesso ao veículo pelo objeto do deslocamento – os terminais. Este indispensável funcionamento caracteriza um sistema.
Um sistema é um conjunto de componentes inter-relacionados que desempenham várias funções para alcançar um objetivo comum.
E transporte é um sistema no qual os componentes são as vias, os veículos e os terminais, que interagem de modo a promover o deslocamento de pessoas e cargas. A via é o local pelo qual transitam os veículos, que são os elementos que executam o transporte, e os terminais, por sua vez, são os locais destinados para o embarque e desembarque de passageiros ou a carga, descarga e armazenamento de mercadorias.
Uma política de transporte, portanto, deve considerar os três componentes, ou será uma política de infraestrutura ou de algum veículo específico.
Nenhum demérito, mas não se pode considerar a política de um único componente como sendo a política do todo.
Aproveito o espaço para tomar a liberdade de propor algumas ideias para uma política de estímulo à aviação regional. E começo pelo veículo de transporte – o avião.
Hoje os serviços regionais são prestados por aeronaves tipo Cessna Caravan, com capacidade para nove passageiros. Depois de um salto de capacidade astronômico, chega-se aos ATR, com capacidade de até 78 passageiros. A partir daí, os mesmos Boeings e Airbus que operam linhas-tronco.
Maior obstáculo para a estruturação de uma oferta de aeronaves que cubra todo o espectro de demanda é a falta de aeronaves nacionais na faixa dos 20 a 70 assentos. Aeronaves estrangeiras trazem consigo o custo de um financiamento em dólar ou euro. E é inimaginável o BNDES financiando, por exemplo, o norte-americano Cessna Skycourier (19 assentos, alcance de 910 NM). Completa a relação de obstáculos a falta quase que total de leasing para este segmento de capacidade pelo alto risco de recolocação das aeronaves.
Uma possibilidade para superar estes óbices seria o BNDES financiar o Embraer ERJ-170, aeronave regional amplamente utilizada em todo o mundo devido à sua eficiência, conforto e flexibilidade operacional. Com capacidade de assentos semelhante à dos ATR-72, o ERJ-170 “substituiria” os ATR com ganhos – oferece maior velocidade e melhor desempenho em rotas de médio alcance (como as típicas rotas regionais), além de operar em aeroportos com infraestrutura menos avançada, graças às suas características de pouso e decolagem em pistas curtas.
Há ainda dois aspectos que merecem consideração e que são vantagens para o ERJ-170: (1) O ATR-72 é um avião tão seguro como qualquer outra aeronave certificada, mas as recentes ocorrências comprometeram a imagem do veículo; e (2) A maior expectativa de cidades que pedem um serviço aéreo é que ele seja feito com um avião à jato.
Nesta mesma linha, outra possibilidade é ampliar a linha de crédito em reais para aviões parcialmente construídos no Brasil, como é o caso do D328eco, aeronave turboélice com capacidade para até 40 passageiros, desenvolvida pela Deutsche Aircraft em colaboração com a brasileira Akaer (responsável pela fuselagem dianteira do avião), com previsão de operação até o final de 2027, com potencial para cobrir parte do vazio de oferta entre nove e 70 assentos.
A melhoria nas condições de aquisição das aeronaves pode ser acompanhada de uma redução dos custos da infraestrutura. Nos idos de 2017/18, a ANAC publicou uma portaria que isentava os aeroportos do provimento dos serviços de combate a incêndio para operação do ATR com uma frequência diária. Posteriormente, esta portaria foi revogada e o assunto é tratado hoje no RBAC 153.
Para que todos fiquem na mesma página – o serviço de bombeiro é o item mais pesado do opex em um aeroporto de pequeno ou médio porte. E muito provavelmente pelo avançado da idade não me lembro da última vez em que foi necessária a intervenção dos bombeiros em acidente envolvendo aeronaves em um aeroporto regional.
Assim, resgatar essa isenção para o ERJ-170, ou mesmo delegar ao entendimento entre os operadores aéreos e aeroportuários, independente da categoria do aeroporto, é uma medida para facilitação dos serviços regionais como parte de uma política voltada ao setor.
Penso que estas propostas (e as que virão nos próximos textos) podem fomentar um debate mais robusto para o efetivo estímulo à ampliação dos serviços aéreos regionais no Brasil.
*Dario Rais Lopes é professor doutor na Universidade Mackenzie e ex-secretário nacional de Aviação Civil.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.








