Opinião

Opinião – Quais são os próximos desafios do planejamento da infraestrutura de logística e transportes no Brasil?

Leandro Rodrigues e Silva* e Lucas Bispo de Oliveira Alves**

O planejamento de longo prazo das infraestruturas de logística e transportes — abrangendo os modos rodoviário, ferroviário, aquaviário, dutoviário e aeroviário — é uma atividade contínua e deve ser realizado de maneira integrada, considerando a indivisibilidade da rede de transportes diante dos fluxos no território. A eficiência desses fluxos, em termos de redução de custos e tempo, tende a ser alcançada apenas por meio da intermodalidade e da complementariedade das diferentes infraestruturas e serviços que compõem a capacidade da rede. Portanto, os investimentos nas infraestruturas também precisam ser planejados e realizados de forma integrada, tanto pelo setor público quanto pela iniciativa privada.

Contudo, planejar e ordenar a prioridade desses investimentos envolve diversos desafios, assemelhando-se a um jogo de tabuleiro com inúmeras variáveis, que podem ser agrupadas em três principais frentes: (1) desafios técnicos, como a necessidade de métodos robustos para projeção, modelagem e simulação de redes complexas de transporte e a utilização de dados representativos e abrangentes sobre a movimentação de pessoas e bens; (2) necessidade de alinhamento das visões e ações dos diversos atores públicos e privados atuantes na rede de transportes (governos, investidores, mercado, setores produtivos etc.); (3) externalidades que impactam diretamente o sistema de transportes, como a balança comercial, preços do consumo externo ou doméstico, impactos da produção em diferentes setores da economia, adversidades, como a pandemia de Covid-19 (2020 e 2021) ou movimentações setoriais (greve dos caminhoneiros em 2018) e, de forma cada vez mais evidente, as mudanças climáticas.

Nos últimos oito anos, já houve avanços significativos em métodos, dados e na visão do planejamento de infraestrutura no Brasil. Planos como o Plano Aeroviário Nacional 2018-2038 (MTPA, 2018) e o Plano Nacional de Logística 2035 (EPL/MINFRA, 2021) romperam paradigmas de visões setoriais desintegradas, demonstrando as vantagens do planejamento integrado e introduzindo o uso inteligente de dados e métodos avançados de modelagem de redes de transporte. O modelo de simulação e o parque informacional utilizados no desenvolvimento do Plano Nacional de Logística 2035, por exemplo, representam o estado da arte do planejamento de transportes, com grau de detalhamento e rigor metodológico comparável ao de outros países de dimensões continentais. Isso indica que os desafios técnicos estão sendo progressivamente superados pela comunidade atuante no tema.

O segundo desafio, referente ao alinhamento das visões dos diferentes atores — o que impacta diretamente na aceitabilidade e no uso efetivo do plano como ferramenta de tomada de decisão — também está avançando. Iniciativas recentes, como o desenvolvimento do PELT/MG (Plano Estadual de Logística e Transportes de Minas Gerais), adotam como metodologia o “Modelo de Cinco Dimensões”, baseado no “Five Case Model” desenvolvido pelo Tesouro Britânico, recomendado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) como uma boa prática para o desenvolvimento de projetos de infraestrutura. Esse modelo, conforme o guia “Business Case Guidance for Programmes”, busca amadurecer um programa (ou plano de investimentos) de modo que o resultado final incorpore as diferentes expectativas das dimensões estratégica, socioeconômica, financeira, comercial e gerencial. A inclusão dessas perspectivas no processo de elaboração dos planos, indo além das tradicionais audiências públicas, permite avançar na integração de um planejamento técnico com os interesses dos investidores, do mercado e das limitações de gestão envolvidas.

O desafio que persiste na evolução do planejamento de infraestrutura de logística e transportes no Brasil está relacionado às externalidades a serem consideradas no processo de planejamento, principalmente as relacionadas às mudanças climáticas e seus impactos no sistema de transporte. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) é uma referência em projeções setoriais e macroeconômicas para subsidiar o planejamento e as decisões de longo prazo. O instituto já desenvolve, há alguns anos, modelos que projetam cenários futuros sobre possíveis alterações climáticas e seus impactos na produção agrícola em diferentes regiões produtivas brasileiras. Algumas regiões, por exemplo, podem enfrentar maiores impactos negativos, o que altera as demandas logísticas regionais e gera uma possível “disputa” futura pela capacidade logística entre regiões como o Mato Grosso, o Matopiba e a região Sul.

Projeções sobre emissões, que orientam o planejamento de investimentos, também se alinham com uma crescente estratégia de descarbonização dos modais, visando cumprir compromissos de redução de poluentes e incentivando modos de transporte mais eficientes energeticamente, como ferrovias e cabotagem. No entanto, ainda são poucas as projeções que abordam diretamente os riscos de alagamentos, deslizamentos, queimadas e outros impactos de eventos climáticos, além da atual falta de conhecimento sobre a resiliência das infraestruturas em relação a essas ameaças.

Internacionalmente, há métodos que podem ajudar a enfrentar esses desafios, como as análises de risco e métodos mais avançados, como o “Robust Decision Making” ou Tomada de Decisão Robusta. O RDM consiste em um conjunto de conceitos e ferramentas que usa a computação, não para fazer previsões mais precisas, mas para produzir decisões melhores sob condições de profunda incerteza, resultando em “faixas” de decisões mais flexíveis de ação para o tomador de decisão. Esse método é especialmente útil no contexto das mudanças climáticas, associadas à complexidade de previsões desse aspecto.

Apesar da imprevisibilidade quanto à intensidade e à recorrência dos impactos das mudanças climáticas, é possível incorporar nos planos de longo prazo ações e orientações que auxiliem tanto nas decisões estratégicas quanto nas emergenciais. Uma maneira de abordar isso é diagnosticar a resiliência das infraestruturas, avaliando riscos e custos associados para dotá-las da resiliência necessária conforme a probabilidade de impactos. Regiões e estados do Brasil com maior risco de inundações e deslizamentos, por exemplo, deveriam priorizar investimentos em resiliência, especialmente se essas infraestruturas forem essenciais para a movimentação de bens e pessoas. Mas o que constitui uma infraestrutura “essencial”?

Esse conceito deve ser definido tecnicamente. Em sentido amplo, qualquer infraestrutura de logística e transporte possui algum grau de essencialidade, pois atende a um fluxo dependente dela. No entanto, existe um conjunto de corredores logísticos e de mobilidade interurbana — formado por rodovias, ferrovias, aeroportos, dutos e vias navegáveis — cuja interrupção parcial ou total pode gerar altos custos econômicos e sociais. Essa rede essencial tem sido discutida em momentos de crise, como na greve dos caminhoneiros, na pandemia de Covid-19 e nas enchentes no Rio Grande do Sul, onde a principal questão levantada gira em torno da identificação de rotas alternativas para garantir a movimentação de bens e serviços.

A lógica para o planejamento de longo prazo deve se basear na identificação das infraestruturas que suportam esses fluxos essenciais e na implementação de superestruturas, tecnologia e suporte para aumentar sua resiliência. Em caso de comprometimento, deve-se ter um “Plano B”, ou como é chamado em alguns países, um “Business Continuity Plan” logístico.

Um “Business Continuity Plan” com uma visão de Estado serviria como uma ferramenta para crises futuras, orientando decisões do poder público e indicando de forma ágil alternativas viáveis de deslocamento em caso de interrupção de corredores essenciais. Com o ferramental de modelagem de cenários e simulação computacional disponível no Brasil, é tecnicamente possível desenvolver cenários logísticos alternativos e incluir ações em planos que orientem a utilização de um BCP.

Nos próximos anos, espera-se a publicação de diversos instrumentos de planejamento de infraestrutura de longo prazo. Vários estados estão desenvolvendo seus PELTs (Planos Estaduais de Logística e Transportes), como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Sergipe, além de Rondônia, que publicou recentemente seu PELT. No âmbito federal, ainda se aguarda a publicação dos instrumentos de Planejamento Setorial do PNL (Plano Nacional de Logística) 2035 e a previsão de um novo PNL 2055.

Com a crescente relevância do tema das mudanças climáticas, é natural que os próximos desafios do planejamento de transportes no Brasil se concentrem: na incorporação de técnicas como o RDM; na análise de múltiplos cenários de impactos das mudanças climáticas nos sistemas de logística e transportes; na identificação de riscos climáticos; no mapeamento de infraestruturas essenciais e; no desenvolvimento de Business Continuity Plans logísticos para o país. Dessa forma, o planejamento pode guiar o desenvolvimento sustentável da infraestrutura de logística e transportes no Brasil em consonância com as transformações globais.

* Leandro Rodrigues e Silva é engenheiro civil e gerente de Planejamento, Pesquisa e Inovação na Codemge (Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais).

** Lucas Bispo de Oliveira Alves é economista, PhD e oficial de Investimentos no AIIB (Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura).

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