Leila Coimbra e Ludmylla Rocha, da Agência iNFRA
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que tem dito “com clareza”, há mais de dois anos: “Um país como o Brasil precisa ter mecanismos para controlar a volatilidade do preço dos combustíveis”. Em entrevista à Agência iNFRA, Bento Albuquerque explicou que apoia a criação de um fundo de estabilização, mecanismo que está sendo elaborado no Senado Federal, mas utilizado de forma complementar à questão tributária.
“Nunca se arrecadou tanto. Não houve redução de consumo de combustíveis”, pontuou o ministro, sobre a resistência dos governos estaduais em reduzir o ICMS. “Além disso, nunca se arrecadou tanto em royalties e participações especiais. Nesses três anos, R$ 210 bilhões. E sabe quanto foi de 2016 a 2018? R$ 68 bilhões. Aí eu pergunto: está faltando dinheiro? Não”, completou o ministro.
Sobre a crise hídrica, o almirante disse que a situação está mais confortável com as chuvas, e vê em 2022 o cenário bem melhor do que em 2021. Mas ele acredita que o país perdeu uma oportunidade importante com a caducidade da Medida Provisória 1.055/2021, que criou a CREG (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética).
“Para o Brasil, fruto da experiência que teve em 2001 e que teve agora em 2021, uma CREG permanente seria importantíssimo, guardadas as suas competências e evidentemente respeitando as competências e atribuições dos outros órgãos”, avaliou.
O ministro afirmou ainda que não vê problemas no abastecimento de gás natural no país e que o problema do aumento do preço do combustível é uma questão global. Leia os principais trechos da entrevista:
Agência iNFRA: Como o senhor avalia o momento atual do sistema elétrico?
Bento Albuquerque: Outubro chegou com chuvas na média e isso ajuda no sentido de dar mais resiliência ao sistema, mas nós continuamos despachando o nosso parque térmico para replecionar os nossos reservatórios e termos a segurança para 2022.
E realizamos aquele leilão emergencial que é justamente para ter energia de reserva para o período de 2022 a 2025. O país não pode viver na expectativa se o período úmido vai ser bastante úmido ou bastante seco.
E a partir de 2026 a nossa vida melhora, porque os novos empreendimentos que estão entrando, Porto de Açu I, Porto de Açu II, mais os leilões de reserva de capacidade, eu acho que o nosso sistema vai ter condições de superar esses fenômenos da natureza com muito mais resiliência e a um custo mais baixo.
Tivemos em 2021 uma grave crise hídrica e os críticos dizem que mais térmicas já deveriam ter sido ligadas no período úmido passado…
Já em outubro (de 2020) nós começamos não só a geração térmica como a importação de energia. Despachamos tudo o que podíamos para preservar os reservatórios, que não são caixas d’água que simplesmente se fecha a válvula. Nossas bacias têm vazões mínimas, seja por conta da vida animal, seja por conta do transporte, do próprio consumo humano e por aí vai, e isso é regulado pela própria Agência Nacional de Águas.
Por outro lado, você tem Belo Monte, que é uma usina que só gera de janeiro a maio. Então você usa o máximo de energia que você pode dela. Eu tinha que usar Belo Monte, que quando está no sistema é 10% da energia consumida no país.
Nós utilizamos todas as termelétricas possíveis fora da ordem do mérito no período úmido naquilo que poderíamos preservar os reservatórios e importamos energia.
Sobre a questão de térmicas, estamos com um problema de fornecimento de gás e alta de preços para o curto prazo. Se precisar gerar novamente bastante usina a gás em 2022 pode ser que haja um gargalo. Como o senhor vê esse problema?
Não vejo, como não tivemos problema agora. Já no período úmido (passado) eu tive várias reuniões com o presidente da Petrobras e a Secretaria de Petróleo e Gás. Várias reuniões lá com a diretoria que trata desse assunto e nós já mapeamos naquela época.
Tudo começou com bastante antecedência, a cada reunião do CMSE [Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico] aparecem lá todas as termelétricas, com a situação de cada uma. Lá, a gente olhava: está com tudo em dia, vai ter o combustível? Não? Então: reunião com a Petrobras. E dentro desse esforço, em nenhum momento faltou gás ou diesel para qualquer térmica.
“Ah, não, mas se eu precisasse despachar lá a do Ceará não tinha.” Mas nós não precisávamos despachar a do Ceará. A prioridade não era essa, mas, se necessário for – e não foi –, nós já tínhamos um navio para ir para lá para Fortaleza.
Se não há então um problema de oferta, podemos dizer que há um problema de preço?
Bom, nós sabemos que o insumo gás natural subiu no mundo todo, não só aqui no Brasil, e o mercado vocês conhecem melhor do que eu. Então não tenho preocupação em relação a 2022 e todos que deste leilão agora emergencial que é de reserva, todos eles sabem que eles terão que estar preparados e ter os seus contratos de garantia de abastecimento e fornecimento de energia quando necessário.
Para 2022 então o senhor acredita que o cenário é bem melhor do que 2021 e está sob controle?
Continua sob controle e o cenário está melhor. Nós começamos agora o período úmido com os reservatórios melhores do que em 2020 e as projeções de hoje, com as informações que nós temos, porque elas são atualizadas ao longo do tempo, é que nós devemos terminar o período úmido, eu diria que em condições bem melhores do que em 2021.
Ou seja, em abril de 2022 as projeções de hoje indicam uma situação bem mais confortável do que nós estávamos em abril de 2021.
Vamos supor que essas projeções estejam erradas e seja necessário retomar as medidas de combate à crise. A retomada da CREG seria necessária?
Nós estamos preparados para continuar com a governança do setor, nós temos os instrumentos, o próprio Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico. Agora, a CREG, ela se mostrou bastante eficiente dentro daquilo que competia a ela. Para o Brasil, fruto da experiência que teve em 2001 e que teve agora em 2021, uma CREG permanente seria importantíssimo, guardadas as suas competências e evidentemente respeitando as competências e atribuições dos outros órgãos… ambientais, por exemplo.
Então, seria muito bom. Agora, se tivermos que implementar uma nova CREG, faríamos isso novamente por meio de uma medida provisória. Nós perdemos, a meu ver, uma oportunidade. E as nossas tratativas com o Congresso Nacional, no caso particular com a Câmara, estavam excelentes. O problema é que às vezes o Congresso Nacional, em vez de tratar só daquele assunto, começa a querer tratar daquele assunto e de outros assuntos. Aí esses outros assuntos impedem que você discuta e aprove ou delibere sobre o mérito daquilo que foi encaminhado. Mas, no que diz respeito à CREG, por parte do Congresso Nacional houve um entendimento de que era necessário e importante para a governança do nosso setor elétrico.
Mas, uma CREG, na minha opinião pessoal, é importante, e pode ser que isso venha a ser amadurecido ao longo do tempo e não seja necessário nem uma medida provisória. Mas nós sabemos que o ano de 2022 é um ano que será bastante atribulado no que diz respeito ao processo legislativo, mas quem sabe para 2023.
Falando em medida provisória, no mercado fala-se muito sobre uma MP que é muito aguardada para recuperação econômica das distribuidoras de energia que teriam gastado muito com as térmicas para garantir o abastecimento. Essa MP está vindo?
Ela está vindo.
E por que ela não veio ainda? Qual seria a causa da demora?
Uma medida provisória dessas não é simples. Não é apenas um papel com diversos comandos. Nós temos que ter a certeza de que essa medida vai surtir o efeito desejado, como foi, por exemplo, a Medida Provisória 950/2020, da Conta-Covid. Então nós estamos trabalhando – não é hoje, não é esta semana – já há praticamente dois meses na elaboração dessa medida provisória.
Evidentemente o Ministério de Minas e Energia é o que orienta e tem a iniciativa da medida provisória, mas ela tem que ser avaliada por outros ministérios como Advocacia-Geral da União, Ministério da Economia e outros órgãos como o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e bancos oficiais. São feitas consultas também para o mercado, trabalhamos também com a própria Agência Nacional de Energia Elétrica.
Então, não é uma coisa de só sentar-se numa mesa e elaborar, apesar de termos bastante experiência nesse tipo de medida.
Tem uma ideia de valor já?
Não. Sinceramente, não tenho esse número. Mas a ordem de grandeza é mais ou menos da dezena de bilhões de reais.
Na terça-feira (7), foi aprovado em comissão do Senado um projeto de lei que cria um fundo de estabilização de preços de combustíveis. O secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, falou em audiência a essa mesma comissão que não adiantava muito o fundo porque era da ordem de centenas de bilhões para amenizar a volatilidade dos combustíveis. Qual a sua opinião sobre isso?
Eu tenho falado há mais de dois anos e falei semana passada em audiência pública na Comissão de Turismo, se você for ver lá minha fala, eu digo com bastante clareza: um país como o Brasil precisa ter mecanismos para controlar a volatilidade do preço dos combustíveis.
O Brasil hoje é o quarto maior consumidor de combustíveis automotivos do mundo. Até o ano passado era o terceiro, foi superado pela Índia. Na frente do Brasil tem os Estados Unidos, China e Índia. Então a volatilidade dos preços de combustíveis no Brasil afeta muito a atividade socioeconômica do país. E se a gente considerar que a maior parte da carga transportada do Brasil é ainda pelo modal rodoviário, isso tem um impacto também em custos de frete, inflação, a cadeia toda.
Então quais são os mecanismos que poderiam ser utilizados? Na minha opinião são três. Uma opção é um estoque regulador, ter estoques de combustíveis. O preço sobe, você libera o combustível a um preço mais baixo e equilibra o mercado. Para um país como o Brasil, continental, grande consumidor de combustível, imagina construir esses estoques reguladores hoje em dia, o custo disso? São centenas de bilhões de reais. E você não resolve o problema no curto prazo.
Uma outra forma, são fundos de estabilização de preços. São recursos monetários, e esse fundo teria que ter também centenas de bilhões de reais.
Para dar um exemplo, neste ano, em março e abril, o governo federal resolveu zerar o PIS/Cofins do diesel, e o custo disso foi R$ 3,5 bilhões. Diminuir em R$ 0,33 só o do diesel, por exemplo, você teria que ter R$ 20 bilhões por ano. Então criar um fundo poderá ter sua importância para o futuro do país, mas você não terá os recursos necessários para resolver o problema.
E qual seria o terceiro mecanismo?
E a outra é a questão tributária. Se você for ver os tributos que incidem sobre os combustíveis, são 40% do preço.
Mas fica complicado resolver o ICMS com 27 unidades federativas, que não querem perder receita, não?
Pois é, mas olha só, eu falei isso semana passada no Congresso, cada um tem que fazer a sua parte. Isso não é uma questão de oposição e governo, isso não é questão da União e dos estados e dos municípios, isso é um problema de todos. E o Congresso, principalmente, é que vai ter, de certa forma, que legislar sobre isso. Então nós temos que ter condições de, nos tributos, realizar compensações e esses tributos funcionarem como colchão tributário.
E nunca se arrecadou tanto. Não houve redução de consumo de combustíveis, só em 2020, mas em 2021, não. Como a safra tem sido cada vez maior, o consumo tem aumentado. Além do aumento da arrecadação – o imposto federal é fixo – por conta de mais venda, tem também o aumento do preço. Se o imposto incide sobre tudo, ele [estado] vai ganhar mais.
Além disso, nunca se arrecadou tanto em royalties e participações especiais. Nesses três anos, R$ 210 bilhões. E sabe quanto foi de 2016 a 2018? R$ 68 bilhões. Aí eu pergunto: está faltando dinheiro? Não. Nós temos que ver como utilizar esses recursos em benefício da atividade socioeconômica levando em consideração sempre que temos que olhar primeiro para os mais vulneráveis.
Até o teto [de gastos], o que você vai fazer com isso? Eu acho que nós temos que ter controle fiscal, mas temos que ter políticas públicas para atender essas pessoas. “Ah, mas eu não quero ter a economia também flutuando por conta dessas variações”. Ok, utiliza esses recursos para ter um colchão tributário.
Você tem que sentar junto com os estados e “meu amigo, qual a sua arrecadação?”.
Primeiro, que a arrecadação do governo federal a gente sabe por que o preço dele é fixo e o do estado a meu ver deveria ser também Ad rem, ou seja, você estabelece aquela expectativa de receita. Se frustrar a expectativa de receita dos estados e municípios, aí você tem o fundo para compensar. Então, no meu modo de ver, é isso que está faltando.
Então seriam políticas complementares [o fundo e o ICMS]?
Claro, não existe uma fórmula. É que nem transição energética, não existe uma única solução. Cada país dentro do seu contexto, dentro das suas características, dentro das suas vantagens competitivas etc., é que vai escolher os seus caminhos. E aqui, no caso dos combustíveis, para mim, é da mesma forma.
A gente já tem há alguns anos a discussão da modernização do setor em tramitação no Congresso Nacional. Isso deve avançar neste ano ou no ano que vem, considerando que será ano eleitoral?
Eu estava bastante otimista que nós teríamos o PL 414/2021 aprovado neste ano. Eu ainda espero que seja possível, mas evidentemente que, como conhecedor do processo legislativo, eu sei que nós temos mais poucos dias pela frente. O que torna difícil, mas não impossível.
Nós conversamos tanto com o deputado Edio Lopes [relator do PL 1.917/2015] quanto com o deputado Fernando Coelho Filho [relator do PL 414/2021] justamente para delimitar as esferas.
Mas, hoje, a expectativa é muito maior em relação à aprovação do PL 414/2021, tendo em vista aquilo que ele já avançou. O outro projeto de lei ainda vai ter que passar por um processo no próprio Senado Federal. Então, não queremos perder a oportunidade. Só nós sabemos como foi difícil tramitar e conseguir concluir essa tramitação no Senado Federal em plena pandemia. Então essa é uma oportunidade que, a meu ver, não deveria ser desperdiçada.
Mas o processo eleitoral de 2022 não será um impedimento para a gente aprovar esse projeto de lei, caso ele não seja aprovado até o final dos trabalhos legislativos em 2021, ou no primeiro trimestre do ano que vem, quando o Congresso voltar. Ele já está definido como prioridade do governo, foi acatado, aceito pelo presidente Arthur Lira [da Câmara] e, evidentemente, pelo colégio de líderes como um projeto prioritário, então eu não vejo o porquê de ele não ser aprovado até o primeiro trimestre do ano que vem.
Existe uma discussão muito grande no mercado a respeito do PLD (Preço de Liquidação de Diferenças), que não estaria refletindo a realidade do sistema como um todo. Há uma aceleração para que haja uma mudança do modelo?
Está havendo uma aceleração, ma eu acho que há uma consciência comum de que, primeiro, nós temos que respeitar os contratos. Há uma conscientização de que há uma necessidade de mudar e nós vamos mudar isso respeitando os contratos. E as próprias pessoas que detêm os contratos sabem que é importante essa evolução para que a gente não trabalhe num mundo irreal.
Imagina você tomar uma medida que você sabe de antemão que, não que ela esteja errada porque está sendo tomada dentro dos parâmetros existentes, mas sabe que aquilo ali vai lhe trazer um problema futuro, que é de todos. Então por que não fazer esse processo de evolução pari passu? Isso aqui é senso comum? É. Então vamos adotar essa medida antes mesmo de se encerrar todo o processo de remodelagem dos modelos? E isso já está sendo feito há praticamente dois anos. Então, por que não? Eu acho que a gente vai evoluir.