Guilherme Mendes, da Agência iNFRA
A pandemia de Covid-19 e a restrição na circulação das equipes de companhias de distribuição nas ruas pode representar um novo incentivo para que o setor de distribuição promova a digitalização dos seus relógios medidores.
O tema entrou em foco novamente após a Resolução Normativa 878 da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), publicada no final de março. Entre as medidas voltadas à proteção dos trabalhadores do setor elétrico, há a previsão de que, enquanto durar a pandemia, as distribuidoras possam optar por mandar seus leituristas aferirem medições em horários alternativos, ou simplesmente não enviá-los.
Para o setor, há otimismo com a digitalização da medição, que refletiria numa nova maneira de solucionar problemas de distribuição e poderia auxiliar no planejamento estratégico de centros urbanos. Há, porém, o sentimento de que tal mudança não pode ocorrer sem uma nova racionalidade sobre as tarifas cobradas.
Avanço histórico
“As companhias de distribuição de energia elétrica foram as primeiras concessionárias de serviço público a implementar soluções de telemetria, no início deste século”, lembrou o gerente da CAS Tecnologia, Octavio Brasil, que completou: “Na época, não se imaginava que, vinte anos depois, seria útil para auxiliar no combate a uma pandemia como esta”.
Segundo o diretor, esse adiantamento se mostra presente até hoje: por ter sido um dos primeiros a serem privatizados, hoje o setor de distribuição elétrica é o mais preparado em termos de telemetria de rede. Empresas de gás estão, segundo Brasil, no estágio intermediário entre a dianteira tomada pelas distribuidoras de energia e no estágio ainda inicial da telemetria para a distribuição de água.
Dentro do setor elétrico, de acordo com o diretor, a pandemia fez com que empresas interessadas adotassem ritmos distintos – há as conservadoras, que diminuíram investimentos durante a pandemia, e as que impulsionaram a discussão interna sobre a digitalização. Em qualquer caso, a modernização na rede, aposta ele, viria junto com uma retomada na confiança sobre o investimento após o pico da pandemia.
Os benefícios para a sociedade iriam além da menor exposição de técnicos das companhias em campo. “O objetivo principal nem é esse, porque não justificaria implementar uma rede inteligente para isso”, apontou Brasil. “Há uma série de análises que podem ser feitas com uma medição constante: quando uma concessionária percebe que há uma demanda crescente em determinada região, há a chance de se fazer um trabalho preventivo para garantir o atendimento”, exemplificou.
Para as distribuidoras que já investem nesse sentido, a pandemia trouxe um incentivo à proposta. “Seguindo uma lógica de investimento prudente, como pede a ANEEL, e seguindo uma estratégia de digitalização, estamos há vários anos expandindo nossa missão inteligente”, afirmou Heron Fontana, que é superintendente de smart grids da Neoenergia. “Neste momento de pandemia, se reforça ainda mais essa estratégia, sem mudá-la.”
Restabelecimento mais rápido do fornecimento
O esforço atual da Neoenergia, comenta, prioriza grandes clientes e clientes livres, depois clientes comerciais industriais, além do combate a perdas não técnicas, no caso fraude ou roubo de energia. Os pontos positivos do investimento seriam grandes. “Há benefícios para seus consumidores e benefícios para a sociedade. Para consumidores, é uma qualidade de energia – esse cliente não precisa, por exemplo, ligar para informar que há falta de energia”, explicou Fontana.
Uma queda na energia gera um aviso direto à central da distribuidora, ao mesmo tempo que uma ordem de serviço automática é encaminhada à equipe de atendimento, reduzindo o tempo necessário para que o fornecimento seja restabelecido.
A redução de perdas não técnicas também seria uma forma de tarifas mais justas. “Hoje quem paga pela fraude, pelo roubo de energia, são os consumidores que pagam pela conta regularmente. Eles têm de pagar também pela energia fraudada ou roubada do sistema interligado”, disse o superintendente.
Quem vem primeiro: o aparelho, ou a tarifa nova?
Entre os consumidores, a renovação tecnológica é bem-vinda, mas não pode ser a única revolução a ser tratada. “Não faz sentido, simplesmente, trocarmos os medidores por algum motivo de modernização, com o único objetivo de acesso remoto, se dentro da ANEEL, não se trabalhar com a modernização das tarifas”, ressaltou Victor Iocca, que é gerente de energia elétrica da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres).
Iocca lembra do alto custo em se modernizar um ativo tão numeroso: “Estamos falando de 70 milhões a 80 milhões de unidades consumidoras”.
O gerente da Abrace enxerga que a troca dos aparelhos é positiva para a sociedade, abrindo diversas oportunidades de consumo e planejamento de energia: “Do ponto de vista do consumidor, a modernização é muito interessante sim”, comentou.
O melhor seria, porém, não a modernização do maquinário, mas sim da própria tarifa de energia. “Se migrarmos para um sistema de tarifas modernas e dinâmicas, que sinaliza quanto custa a energia e a demanda de potência em um período específico, obviamente precisaremos de um medidor mais moderno”.
Segundo o diretor, as primeiras discussões dentro do ambiente regulatório para a modernização tarifária, não colocariam o Brasil em um ambiente de destaque, mas sim tirariam o atraso promovido por um cálculo que considerou defasado. “A nossa modernização de tarifas seria uma atualização de tarifas para outros países, e iremos nos atualizar frente à maior parte do mercado”, definiu.
Heron Fontana, da Neoenergia, ressalta a importância de que as duas discussões corram juntas. “Para termos tarifas mais temporais e locacionais, precisamos de um sistema inteligente”, respondeu. “Mas por que precisamos ter também uma tarifa inteligente? Para se ter mais eficiência no consumo, para uma resposta melhor à demanda, e de recursos energéticos distribuídos”. A Neoenergia ressalta, porém, que isso é uma discussão que deve ser travada dentro da ANEEL.