Roberto Rockmann*
Divulgado nesta terça-feira (3), o Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo do Sistema Interligado Nacional para o horizonte de 2023 a 2027 traz uma série de alertas para o setor elétrico nesses próximos cinco anos. Nas entrelinhas, destaca-se a importância de uma governança setorial mais coordenada e regulação adaptada aos novos tempos diante dos desafios que o avanço das fontes variáveis e a dinâmica mais veloz do mercado livre trazem.
Um primeiro ponto é a necessidade de alterar a dinâmica dos leilões de contratação de energia, buscando criar um novo paradigma: uma vez que o acesso à rede de conexão é limitado e o número de projetos muito grande, é preciso estruturar leilões de margem de escoamento. O critério de fila não pode mais existir por poder criar ainda mais incerteza. Um dado no estudo aponta nessa direção: os leilões de transmissão que licitaram novas linhas em junho para reforçar o intercâmbio principalmente no norte de Minas Gerais entrarão em 2027 com sua capacidade esgotada. A solução de transmissão para 2027 era viabilizar 10 GW. Até 2026, já se conta com 11 GW de CUST (Contratos de Uso do Sistema de Transmissão) assinados.
O acesso escasso à rede pode ser visto em outro dado. A capacidade instalada da matriz elétrica brasileira deverá atingir 208,4 GW ao final de 2026, ante os 186 GW atuais, com 44 GW de eólicas e solares. No entanto, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) alerta que, contabilizados CUSTs assinados e pareceres de acesso válidos ou em avaliação, a capacidade chegaria em 2027 a 260 GW, com quase 100 GW de eólicas e solares. Isso mostra o impacto da corrida de ouro das renováveis, após a promulgação, em 2021, da Lei 14.120, que garantiu subsídios às renováveis até março de 2022.
Há outro dado importante a ser analisado. O ONS estima R$ 60,7 bilhões em investimentos nos próximos cinco anos, montante 154% superior ao previsto no período anterior (apenas Minas Gerais e Bahia têm R$ 27 bilhões em investimentos previstos). Desse total, R$ 55,7 bilhões são referentes a novas obras indicadas para o ciclo 2023/2027. Grande parte da necessidade de investimento na rede de transmissão vem da expansão da geração eólica e solar na região Nordeste e em Minas Gerais.
Esses números indicam um desafio que terá de ser superado em breve: a valoração dos atributos de cada uma das fontes. Pistas nesse sentido podem ser dadas neste ano ainda. Sobre esse ponto os empresários de renováveis estão à espera da regulação final da Lei 14.300, que instituiu o marco da geração distribuída solar.
Na legislação, estabeleceu-se que o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) teria seis meses para fixar as diretrizes para valoração dos custos e dos benefícios da microgeração e minigeração distribuída, enquanto a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) teria 18 meses para os cálculos. Na reunião extraordinária de novembro do CNPE, o assunto estava na pauta, mas foi retirado. Na de dezembro, nem foi incluído. Já a CP (Consulta Pública) 51 da ANEEL sobre o assunto teve suas contribuições encerradas em dezembro.
Outro destaque se refere à necessidade de padronização de inversores no setor solar. Uma casa com painel fotovoltaico pode injetar energia na rede, mas, se houver uma alteração de frequência, a residência passa a consumir, mas não injetar. Se isso ocorre em uma cascata, milhares de casas terão o mesmo problema. Na Europa, dois blecautes ocorreram por causa disso. Para minimizar esse ponto, começou-se a discutir com o segmento de GD (geração distribuída) solar e o Inmetro a padronização dos inversores. Em março, o Inmetro lançou a Portaria 140 de padronização.
Fabricantes estão trabalhando para que as próximas gerações de equipamentos venham com os softwares necessários para correção de eventuais problemas. Empresários de energia solar ainda têm dúvidas se só a atualização de software será necessária. Há outro ponto: não há mensuração de forma centralizada sobre quantos estariam já adaptados, ou seja, a realização de um levantamento geral será essencial.
Em um dos cenários contemplados pelo ONS em relação aos limites das interligações inter-regionais, aponta-se que “com o aumento significativo de geração solar no norte de Minas Gerais, os ganhos auferidos na interligação Nordeste-Sudeste só serão possíveis com uma limitação na geração solar em Minas Gerais. Fica estabelecida uma concorrência entre estas gerações do Nordeste e Minas Gerais”.
A corrida por investir em Minas Gerais tem sido intensa. O leilão de transmissão de junho passado teve como intenção criar escoamento para 11 GW de potencial de geração, mas análises de acesso já apontam esgotamento do sistema licitado que irá operar em 2027, “dado o montante atual de geração de 9,4 GW com contrato assinado e em operação, além de 7,2 GW de pareceres de acesso emitidos e 5,6 GW com solicitação de acesso em andamento. Em função do montante de geração em questão, foram indicadas várias ressalvas nos documentos de acesso emitidos”, aponta o documento na página 45.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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