Gabriel Vasconcelos, da Agência iNFRA
O governo da Bolívia, por meio da estatal de óleo e gás YPFB, pode aumentar a capacidade atual do Gasbol (Gasoduto Bolívia-Brasil) para viabilizar a passagem de gás argentino ao mercado brasileiro, mas planeja recuperar o volume histórico de exportação de gás natural para o Brasil em três anos, a fim de preservar o principal mercado do produto boliviano. As afirmações são do CEO da YPBF, Armin Dorgathen, à Agência iNFRA. Ele participou da Conferência Argus Rio Crude, que aconteceu na semana passada, no Rio de Janeiro.
Gasbol
Dorgathen, que comanda a operação dos 557 quilômetros do Gasbol em território boliviano, disse que a YPFB já tem estudos para aumentar a capacidade do duto dos atuais 35 milhões de m3/dia para 42 milhões de m³/dia a partir de investimentos relativamente baixos, entre US$ 10 milhões e US$ 12 milhões.
Hoje, na prática, com a queda das exportações bolivianas ao Brasil para menos da metade da capacidade do duto (35 milhões de m3/dia), há espaço de sobra para molécula das duas origens. Mas isso pode mudar em alguns anos se a demanda brasileira continuar escalando.
“Isso vai depender da disponibilidade do gás argentino. Se a Argentina mudar um pouco as normas (de preço mínimo de exportação) e permitir que mais gás possa fluir para o Brasil, temos sim essa capacidade de ampliar”, diz o executivo.
“Obviamente, nós vamos proteger nosso mercado, o Brasil com gás boliviano, que vai seguir muito mais barato que o argentino e vai manter seu espaço. Mas, se a Argentina disser hoje que precisa de 15 milhões de m³/dia de capacidade para que o gás de suas empresas chegue ao Brasil, perfeito, podemos fazer”, afirma, detalhando que as obras civis levariam apenas um ano. “Entregamos essa capacidade de transporte para eles (argentinos), e quando a nossa produção nacional estiver pronta, já teremos uma capacidade maior para passar também mais gás boliviano”, continua.
Gás argentino
Já começaram a acontecer operações pontuais de importação de gás da Argentina para o Brasil, via Bolívia e com caráter não firme. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse na última quinta-feira (22) que há 17 empresas habilitadas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) para importar gás da Argentina. Mas é um consenso no mercado que a consolidação desse fluxo passa pela redução do preço final da molécula exportada, o que requer maior liberdade nos preços praticados na Argentina e redução das tarifas de transporte que se acumulam por envolver a infraestrutura de três países. Silveira tem sido vocal nessas duas frentes.
No mesmo dia, o subsecretário de combustíveis da Argentina, Federico Veller, disse, em seminário realizado em Brasília, que o governo Javier Milei vai flexibilizar as regras de preço mínimo de exportação de gás natural mirando o mercado brasileiro. Hoje, esse preço mínimo é calculado em cima da média do preço de venda doméstica do gás da Bacia de Neuquén ou em cima de um porcentual do preço do barril de petróleo tipo Brent, prevalecendo o que for mais vantajoso. A partir de 2026, essa segunda métrica, em cima do Brent, deixará de existir, o que poderia baixar os preços de exportação em cerca de 20%.
Recuperação boliviana
Dorgathen reconhece que o gás argentino é uma oportunidade para o Brasil e que há horizonte firme no fornecimento para o país a partir da mistura com o gás da YPFB. Mas, se depender dele, o aumento da presença do produto de Vaca Muerta no Brasil não vai acontecer sem a concorrência boliviana.
O volume de gás boliviano para o Brasil cai desde meados da década passada. O pico aconteceu em 2013, quando mais de 30 milhões de m³ atravessavam a fronteira por dia. Em 2024, esse volume ficou em 14,2 milhões de m³/dia na média, queda de 8,4% ante os 15,5 milhões de m³/dia de 2023. Essa redução se deve à baixa natural dos campos e à falta de investimento em novas perfurações, reconhece Dorgathen. Mas ele afirma que esse quadro vai ser revertido em três ou quatro anos.
Segundo o executivo, vão pesar nesse sentido a entrada em produção do megacampo de Mayaya (1,7 TCFs, trilhão de pés cúbicos) a nordeste da capital La Paz, e o início da produção de xisto, gás não convencional resultado de fraturamento hidráulico. Nessa conta, diz ele, ainda entrariam empreendimentos novos de petroleiras estrangeiras na Bolívia, como Petrobras, TotalEnergies e Repsol. Os volumes dessas novas frentes alimentariam o mercado boliviano, liberando a produção tradicional do oeste do país para o Brasil, diz Dorgathen.
“Essa nova bacia (que inclui Mayaya) abre uma segunda era de produção para nós. Certamente ainda vai levar três ou quatro anos para realmente conseguir produzir ali um volume de gás a ponto de exportar para o Brasil. Mas o primeiro gás de Mayaya deve chegar já entre 2026 e 2027”, diz.
Segundo o executivo, a licitação do duto que vai escoar a produção do campo de Mayaya até a cidade de Caranavi já está em curso, assim como a perfuração dos dois próximos poços, Mayaya-X2 e Mayaya-X3. A descoberta foi anunciada após a perfuração bem sucedida do primeiro poço, Mayaya-X1.
Sobre gás de xisto, Dorgathen diz que ainda neste ano a YPFB vai perfurar dois poços com a técnica — a mesma usada em Vaca Muerta — sendo um deles mais avançado no centro do país, onde já existe a infraestrutura da produção tradicional. Ele explica que a formação perfurada não é só de argila, mas uma mistura de argila e areia, e portanto mais porosa, o que a torna mais produtiva.