Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A proposta de desestatização da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo) cria restrições para a participação de empresas que operam terminais portuários no estado, garante a última palavra aos arrendatários nas mudanças de contrato e estabelece um mecanismo para investimentos não previstos no porto ao longo dos 35 anos de contrato da concessionária privada, com quase R$ 1 bilhão.
Essas foram as principais definições tomadas nas últimas semanas para a conclusão do projeto que foi encaminhado pelo Ministério da Infraestrutura para análise do TCU (Tribunal de Contas da União) na semana passada e terá como relator o ministro Bruno Dantas.
Também foram estabelecidos os valores que vão permear a análise do órgão de controle, ato que precede o lançamento do edital para o que deverá ser a primeira desestatização de uma autoridade portuária no país desde a redemocratização. A expectativa é poder lançar o edital ainda neste ano.
O valor da outorga principal, por exemplo, foi estabelecido em R$ 479,6 milhões. Essa outorga inicial é o critério para estabelecer o vencedor do leilão. Vence quem pagar o maior ágio sobre esse valor, que ainda pode sofrer modificações durante a tramitação no órgão de controle.
Outros parâmetros que estão propostos também podem passar por mudanças, entre eles os investimentos obrigatórios no período da concessão, que estão estimados na casa dos R$ 800 milhões.
Fundo para investimentos
Além dos investimentos e do pagamento de outorga inicial, o vencedor terá ainda que fazer o pagamento anual de 7,5% da sua receita bruta. E recolher outros R$ 31,1 milhões ao ano para uma espécie de fundo do contrato que poderá ser usado para investimentos em projetos não previstos inicialmente.
Esse pagamento começa a partir do 6º ano de contrato e, em valor presente, representará quase R$ 1 bilhão. O secretário de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni, explica em entrevista à Agência iNFRA que esse recurso dá resposta a uma preocupação apresentada durante as audiências públicas, de que não haveria recursos para possíveis expansões dos portos que fossem necessárias no futuro.
Piloni explica com um exemplo. Segundo ele, pelas cargas movimentadas na região, o projeto não apontou a necessidade de aprofundamento do canal, hoje com 12,5 metros de profundidade.
“Mas, se no futuro o concessionário entender que há necessidade de ampliar a profundidade para 13 metros por causa de alguma demanda específica, ele pode propor essa obra ao ministério. Se for relevante, não é necessário reequilibrar o contrato pelas tarifas, usa-se o dinheiro dessa outorga”, revelou o secretário, indicando que o mecanismo deve ser mantido em outras desestatizações portuárias.
Tarifas por teto de receita
As tarifas foram outra preocupação dos usuários. Foi necessário criar um mecanismo para evitar abusos. Segundo Piloni, a solução encontrada é um teto tarifário para as tarifas de acesso aquaviário e terrestre que incidirá sobre a receita total.
De acordo com o secretário, o modelo é para dar margem para que o concessionário possa negociar melhores tarifas com usuários frequentes ou outros instrumentos comerciais.
No entanto, no caso dos pagamentos pelo “aluguel” das áreas que hoje são arrendadas no porto, não haverá teto tarifário. Sobre esse item, a negociação entre o futuro concessionário e as empresas que querem operar áreas no porto é livre, mas pode haver fiscalização por denúncia, modelo semelhante ao que existe atualmente.
As preocupações dos atuais arrendatários com a relação que vão precisar ter com uma futura empresa privada foram as que mais reverberaram ao longo do processo de audiência pública para a desestatização. Segundo Piloni, elas foram tratadas na proposta final entregue ao tribunal de contas.
Respeito aos contratos
Piloni ressaltou que a intenção do governo, desde o início, era ter respeito aos contratos firmados pelos arrendatários. Mas, tecnicamente, não será possível manter o mesmo contrato quando houver a desestatização. Isso porque o contrato entre os arrendatários e companhias docas eram regidos pelo direito público, o que não será mais possível com uma empresa privada como administradora dos portos.
Por causa disso, as chamadas cláusulas exorbitantes que estão previstas nos contratos de direto público – como a rescisão unilateral, por exemplo – precisam ser retiradas da relação entre privado e privado. Concessionários e arrendatários – agora qualificados como exploradores de infraestrutura portuária – poderão fazer renegociações de outras cláusulas nesse processo.
Na falta de acordo, foi prevista a possibilidade de uma arbitragem privada. Se não houver acordo, pode haver uma arbitragem da agência reguladora. E se ainda assim o arrendatário não aceitar a proposta, ele poderá ficar com um contrato com cláusulas praticamente iguais, saindo apenas as chamadas exorbitantes até o prazo atualmente previsto.
“Ineficiência do modelo público”
O secretário ressaltou que todas as proteções colocadas aos arrendatários deixaram o projeto menos atraente para os concessionários. Mas, ainda assim, ele acredita que as mudanças foram necessárias para garantir mais segurança jurídica.
Mesmo com as restrições e com as pesadas obrigações que o futuro concessionário terá que assumir, Piloni diz que o negócio está projetado para ter tarifas iguais ou menores aos usuários dos portos e gerar lucros aos concessionários, devido aos ganhos de eficiência que o modelo apresenta.
“A ineficiência do modelo público de gestão pode ser vista no valuation”, afirmou o secretário.
Restrição
Ainda em relação aos arrendamentos, a proposta de desestatização da Codesa tem uma cláusula de restrição de participação na futura concessionária que vai administrar os portos públicos do estado.
Empresas que operam qualquer tipo de terminal, inclusive privados, na área do Espírito Santo poderão ter no máximo 15% de participação individual na nova empresa. Se houver mais de uma companhia com essas características, juntas elas não poderão ter mais que 40%. Não há restrição à participação de armadores no consórcio.
As cláusulas restritivas, segundo Diogo Piloni, são para deixar claro que os administradores portuários privados não podem operar cargas, para evitar riscos de restrição de concorrência, por exemplo.
Mas o secretário lembra que essa cláusula está estabelecida apenas para essa concessão. Em outros portos, pode não haver qualquer tipo de restrição de operador no controle, disse ele, citando os casos de São Sebastião (SP) e Itajaí (SC).
De acordo com Piloni, a intenção do governo é sempre buscar o máximo de competitividade do leilão. Por isso, segundo ele, não há definição sobre os processos em outras companhias docas, especialmente a SPA (Autoridade Portuária de Santos), que deve ser a próxima da fila de desestatização.
Piloni afirmou que tem tido reuniões pelo menos quinzenais sobre o projeto para o Porto de Santos e a proposta que está em estudo já está próxima do amadurecimento para que seja levada ao ministro da Infraestrutura.