Roberto Rockmann*
A consultoria PSR deve entregar até abril estudo para o Ministério da Economia com simulações para a abertura total do mercado livre de energia elétrica. Um ponto central do trabalho é sugerir tratamento aos contratos legados das distribuidoras. O CEO da empresa, Luiz Barroso, falou à Agência iNFRA que, pelo estudo, isso seria feito sob a forma de um encargo que recuperaria os custos remanescentes da sobrecontratação da migração para o mercado após atuação das distribuidoras em todos os mecanismos de vendas desses contratos.
“As simulações mostram que o faseamento da abertura do mercado até os consumidores em baixa tensão é importante para manter o valor desse encargo baixo. Além do que é fundamental não criar novos legados. Outras conclusões importantes são a necessidade de endereçar a separação entre as atividades de distribuição e comercialização e o papel do supridor de última instancia, onde aqui há um aprendizado importante internacional com a quebra de comercializadoras em alguns países na Europa no decorrer desta crise dos preços altos da energia”, diz Barroso. A seguir os principais trechos da entrevista:
Agência iNFRA: Até abril os reservatórios das hidrelétricas devem chegar a quanto? Isso reduz risco em 2023?
Luiz Barroso: Chegaremos acima de 65%, produzindo uma situação muito mais confortável do que nos anos anteriores. A quantidade de nova oferta que entra no sistema a partir de 2022, somada com esse nível de reservatório, nos dá mais tranquilidade para 2022 e 2023.
Não há bala de prata para resolver o PLD (Preço de Liquidação de Diferenças)?
Não há mesmo. É um trabalho permanente. Em termos dos modelos, já há um bom consenso sobre quais os problemas e soluções necessárias, mas cada proposta de solução possui prós e contras e diferentes impactos comerciais associados. Precisamos assegurar que as escolhas a serem feitas não produzam simplificações relevantes.
Mas, independente dos modelos, haverá problemas se as regras deixarem espaço para interpretação. Portanto, na minha cabeça precisamos trabalhar em duas frentes principais: atuar na governança e simetria de informação e construir uma agenda de proposições de melhorias sobre os modelos e sua forma de utilização. E para esta agenda, é importante a abertura da CPAMP para a contribuição dos agentes com suas sugestões de melhorias.
Essa tarefa de resolver o PLD ficará para o próximo governo?
Como disse, é um processo contínuo. Os resultados das decisões técnicas ficam para o próximo governo, mas muitos aperfeiçoamentos de governança podem ser obtidos ainda neste.
Geração distribuída solar deve chegar a 35 GW nas estimativas da PSR em 2030. Essa tem sido uma saída de empresas e de pessoas físicas com mais recursos. Isso indica que a tarifa vai ficar mais pesada para quem não instalar GD solar?
Sim. Mesmo com as novas regras para o sistema de compensação da Lei 14.300/2021, o período de transição para cobrança das componentes tarifárias devidas aos consumidores em baixa tensão é longo e vai permitir ainda um grande volume de subsídios cruzados, aumentando a tarifa dos consumidores cativos que não adotarem a solução ou não migrarem para o mercado livre, quando esta for uma opção.
A lei ainda institui a criação do Programa de Energia Renovável Social [PERS], que deve favorecer a instalação de mini e micro geração distribuída para consumidores baixa renda. Portanto, a tendência é a conta ficar mais pesada para os consumidores de classe média baixa, não enquadrados nessa classe de consumo e sem capital suficiente para instalar seu painel.
A PSR foi contratada pelo Ministério da Economia para simular cenários de abertura do mercado livre. Como está esse estudo?
Simular o impacto de distintos desenhos de mercado é uma atividade muito saudável e importante no desenho de reformas. Estamos fazendo um estudo similar para o Ministério da Fazenda no México, no contexto das reformas em discussão por lá.
O estudo do Ministério da Economia é bastante complexo, pela sua parte quantitativa detalhada e com seu caráter inovador. Estamos avançando bem e há uma riqueza de resultados e análises. Por exemplo, um ponto central para que se possa abrir o mercado de maneira ordenada é dar tratamento aos contratos legados das distribuidoras.
Isso seria feito sob a forma de um encargo que recuperaria os custos remanescentes da sobrecontratação da migração para o mercado após atuação das distribuidoras em todos os mecanismos de vendas destes contratos.
As simulações mostram que o faseamento da abertura do mercado até os consumidores em baixa tensão é importante para manter o valor desse encargo baixo. Além do que é fundamental não criar novos legados.
Outras conclusões importantes são a necessidade de endereçar a separação entre as atividades de distribuição e comercialização e o papel do supridor de última instância, onde aqui há um aprendizado importante internacional com a quebra de comercializadoras em alguns países na Europa no decorrer desta crise dos preços altos da energia.
Qual foi esse aprendizado com as comercializadoras na Europa?
Com a quebra de muitas comercializadoras, o papel dos comercializadores de última instância foi fundamental e o regulador atuou muito bem na gestão da migração dos consumidores das comercializadoras que quebraram para as de última instância.
O trabalho para o Ministério da Economia será entregue em março?
Acho que vai atrasar um pouco, mas é o primeiro quadrimestre deste ano. Vai ter seminário para divulgar o estudo.
Em 2014, quando o país sofreu uma ameaça de racionamento, a PSR estimou que as garantias físicas estavam sobrestimadas em 14%. Em 2017, foi feita a única revisão delas, desde 2003. Esse é um tema preocupante? Estima-se que elas estejam sobredimensionadas em quanto?
Conhecer a oferta firme, isto é, com a qual podemos contar para o planejamento, é a prioridade do país. Precisamos avançar na melhoria da metodologia de cálculo de garantia física assim como nos dados de entrada e representação de restrições operativas. Há ainda pouco esforço no primeiro item, mas há bastante atividade nos demais.
Inclusive o PDE 2031 trouxe uma inovação muito relevante: foram explicitadas uma série de restrições operativas às hidroelétricas observadas na operação dos anos de 2020 e 2021, que não estava sendo percebida em situações normais de atendimento. Estas são restrições de vazão e metas de geração hidro mínimas.
A quantificação feita pela EPE [Empresa de Pesquisa Energética] mostra que o modelo assumia que, por exemplo, era possível zerar a geração hidro e isso não é possível na prática. A EPE mostra também que a oferta de Disponibilidade Máxima de Potência das UHE [usinas hidrelétricas] é bastante menor em alguns cenários hidrológicos, o que afeta a segurança de suprimento.
Em resumo, a EPE deixa claro que os atuais dados oficiais que são considerados no modelo levam a sinalização de condições futuras melhores do que vem sendo possíveis de se realizar na operação real do sistema.
O valor da superestimativa depende de todos esses fatores atuando em conjunto, além do próprio aperfeiçoamento do modelo para representar esses temas em mais detalhes. E outra batalha complicada é como fazer qualquer revisão, que sempre é um processo completo.
Mas há muita concessão de geração expirando nos próximos anos e isso pode ser uma oportunidade para revisar integralmente a garantia física na outorga de um novo contrato de concessão.
Sobre a possibilidade de as mudanças climáticas terem impacto sobre o setor elétrico, o tema tem ganhado relevância aqui e lá fora. O que temos de fazer de lição de casa?
Em primeiro lugar é fundamental trabalhar com a informação correta tanto no planejamento quanto na operação. Por exemplo, a ANA [Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico] publicou recentemente uma versão revisada dos usos consuntivos, que é fundamental ser incorporada. Outra questão é que o modelo computacional não representa bem a possibilidade de vários meses consecutivos com vazões muito baixas, como ocorrido em 2020 e 2021.
A tendência do modelo é de vazões favoráveis ocorrerem pouco depois das desfavoráveis. Como consequência, a soma das vazões ao longo do tempo em cada cenário tende rapidamente para a média de longo termo, um processo conhecido como “reversão à média”. Acredito que é importante trazer para o modelo a informação climática e do fenômeno primário, a chuva, e caprichar no aperfeiçoamento da modelagem da mudança climática e na dinâmica dos modelos chuva-vazão.
Como assinalado no PDE 2031, diante da complexidade do tema, é importante que marcos temporais e compromissos dentro de um plano de ação sejam estabelecidos e o desenvolvimento metodológico se dê de forma consistente entre eles.
Qual o impacto da confusão da Rússia e Ucrânia no setor elétrico?
O Brasil está conectado com os mercados globais de gás e sofreria os impactos econômicos do aumento dos preços do gás, seja em território europeu ou americano, visto que os Estados Unidos teriam um aumento de demanda por exportações pela Europa. Portanto, as importações de GNL [gás natural liquefeito] pelo Brasil poderiam ocorrer a um preço maior.
Em um segundo momento, poderíamos ter risco de volume caso valha a pena para o fornecedor interromper os contratos com o Brasil para fornecer apenas à Europa. Há também muitas incertezas sobre como os mercados se comportariam nesse ambiente e se os governos locais interfeririam. Isso fora o impacto cambial e da piora do humor dos mercados, que afetaria as economias.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.