Quando a demora para reequilibrar um contrato se torna um problema de todos

André Paiva*, Fábio Tieppo** e Matheus Aquino***

A concessão de serviços públicos possibilita investimentos em setores essenciais do Estado, com a condução de atividades por agentes privados com expertise na atividade.

Para garantir a viabilidade econômica destes projetos, as receitas esperadas devem ser suficientes para cobrir os investimentos e custos ao longo de todo o período do contrato, além de possibilitar uma rentabilidade para o operador privado que reflita os riscos associados ao empreendimento.

Nesse contexto, os contratos (e a legislação) alocam riscos a serem assumidos por cada parte (concessionária e poder público). O desequilíbrio econômico-financeiro surge justamente no caso da ocorrência de eventos que afetam uma parte, mas cujos riscos não foram assumidos por ela.

Diante desse tipo de ocorrência, cabe a quantificação dos impactos financeiros a ela associados e a adoção de medidas para restabelecer a equação econômico-financeira inicialmente estabelecida. Isso pode ser feito de diferentes formas, seja por meio de revisão da tarifa, mudança do prazo da concessão, aporte de dinheiro ou alteração de obrigações contratuais.

Um dos problemas práticos consiste na demora associada a tais processos, que compreendem desde a caracterização dos eventos como passíveis de reequilíbrio até a realização de complexos cálculos para a quantificação dos impactos financeiros.

As discussões podem se estender por anos, muitas vezes evoluindo para disputas arbitrais ou judiciais, e possuem resultados incertos, o que gera insegurança jurídica e aumenta o risco percebido pelos investidores.

Problemas relacionados à demora para se reequilibrar um contrato
Sob o ponto de vista do poder público, a demora nos processos de reequilíbrio é prejudicial pois o saldo a ser reequilibrado deve ser atualizado pelos parâmetros de remuneração do contrato. Tais parâmetros costumam considerar uma taxa básica de juros mais um spread, sendo que o montante de desequilíbrio evolui em progressão geométrica. Assim, quanto mais tempo leva o processo, maior é o montante a ser reequilibrado.

Além disso, conforme mais tempo passa, maior é a percepção de insegurança por parte de investidores quanto à efetiva implementação do reequilíbrio do contrato. Diante dessa situação, eles passam a considerar um maior risco ao analisarem a viabilidade econômico-financeira de projetos com natureza ou escopo semelhantes, o que eleva a rentabilidade exigida.

Quanto maior for essa percepção de risco, maior será a taxa mínima de atratividade exigida para se assumir esse tipo de projeto, tornando necessárias modificações que possibilitem alcançar essa rentabilidade e evitar leilões desertos.

Sob a ótica do concessionário, a demora na efetivação do reequilíbrio em seu favor tem impactos diretos sobre a geração de caixa da operação. Como consequência, o agente privado pode se deparar com dificuldades para a realização de obras ou a manutenção de obrigações contratuais, resultando em queda na qualidade dos serviços prestados.

Tal situação pode levar a um efeito cascata diante da aplicação de multas/penalidades contratuais e do Fator D em decorrência do não-atendimento de parâmetros de desempenho, agravando ainda mais a geração de caixa do projeto e, por consequência, a capacidade de atendimento aos parâmetros de qualidade.

Tem-se, assim, um círculo vicioso: conforme aumenta o tempo transcorrido até o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, maior passa a ser a possibilidade de a concessionária não dispor de recursos suficientes para manter o nível de serviço contratado e, com isso, deparar-se com a aplicação de penalidades contratuais que, por consequência, agravam ainda mais a capacidade de atendimento.

Já a sociedade é negativamente afetada pelas duas pontas. Por um lado, sofre perda de bem-estar ao se deparar com a deterioração do serviço e os desdobramentos decorrentes. Por outro, quanto maior o tempo transcorrido, maior o custo associado à recomposição do equilíbrio a ser suportado, seja mediante maiores tarifas, ou mesmo mediante maiores aportes pelo Poder Público, cuja fonte de receita é o próprio cidadão.

Os benefícios econômicos do reequilíbrio cautelar
A Resolução SPI 19/2023, emitida pela SPI-SP (Secretaria de Parcerias em Investimentos do Estado de São Paulo), estabeleceu a figura do “reequilíbrio cautelar”. Tal mecanismo consiste na possibilidade de um reequilíbrio preliminar, em face de algumas situações previstas na norma, cobrindo até 80% do desequilíbrio estimado.

Essas situações consideram (i) a caracterização do potencial comprometimento da continuidade da prestação dos serviços ou da solvência da concessionária; (ii) a proximidade do encerramento do prazo de vigência do contrato; e (iii) que o desequilíbrio projetado leve a um impacto, em termos de custos adicionais ou de perda de receita do operador privado, de mais de 5%.

Trata-se de um mecanismo potencialmente benéfico para ambas as partes. Contribui para estancar o desequilíbrio de caixa para o concessionário, permitindo a continuidade do serviço e evita um aumento significativo do montante a ser ressarcido a título de reequilíbrio econômico-financeiro. Nesse sentido, o limite de até 80% possibilita a compensação de parte substancial do desequilíbrio, permanecendo em discussão a parcela considerada controversa.

Portanto, nos casos em que já existem desequilíbrios conhecidos, mesmo na impossibilidade de reequilibrá-los de forma precisa, um reequilíbrio em caráter preliminar se justifica do ponto de vista econômico, uma vez que permite uma maior liquidez à concessionária, contribuindo para a retomada da execução do contrato em atendimento ao nível de serviço estabelecido. Tal mecanismo é um avanço que pode permitir um aumento na atratividade dos projetos. Resta saber como o Poder Público implementará efetivamente tal modelo nos casos concretos e como os agentes privados irão avaliar tal medida e precificar seus efeitos.

*André Paiva é consultor da Tendências Consultoria, com atuação em projetos que tratam sobre equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos. É economista graduado pela FECAP (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), com mestrado em Economia Aplicada pela ESALQ/USP (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/Universidade de São Paulo).
**Fábio Tieppo é consultor da Tendências Consultoria, onde atua em projetos de defesa da concorrência, reequilíbrio econômico-financeiro de contratos e como assistente técnico em perícias envolvendo concessões. É mestre em Economia pela FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP), graduado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP e em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
***Matheus Aquino é consultor da Tendências Consultoria, onde atua em projetos com temas financeiros, análise de desequilíbrios de contratos em concessões e questões associadas a regulação. É economista graduado pela FEA/USP, com mestrado em Economia Aplicada pela FEA-RP/USP.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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