Regulação inadequada impede concorrência nas ferrovias do Brasil, diz estudo do Banco Mundial

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Desenho inadequado da regulação, aplicação insuficiente de regras existentes e vácuo regulatório em matérias importantes levaram à falta de concorrência dentro do sistema ferroviário do país. É o que aponta um relatório recém-concluído do Banco Mundial sobre as ferrovias nacionais. Uma versão do trabalho obtida pela Agência iNFRA está neste link.

A nota foi preparada pela equipe de Mercados e Concorrência, da Prática Global de Finanças, Competitividade e Inovação do Grupo Banco Mundial, num projeto de assessoria técnica à Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade, Ministério da Economia.

Segundo os autores, os economistas Mariana Iootty e Guilherme de Aguiar Falco, o objetivo é identificar políticas e regulações que estejam de alguma maneira dificultando dinâmicas de mercado e concorrência na economia. Os autores concederam entrevista à Agência iNFRA por e-mail, disponível neste link.

No diagnóstico, os autores apontam que “grande parte dos concessionários não foi capaz de cumprir as metas de investimento contratadas com o governo” e “quase um terço da malha concedida não foi explorada”.

Mostram ainda que houve “consolidação ainda maior do minério de ferro como principal volume transportado, chegando a 77% em 2018 contra apenas 13% de produtos agrícolas” e que “as velocidades médias comerciais e de percurso, historicamente baixas, recuaram respectivamente 19% e 24% na última década”.

Problemas atuais
Para os autores, os problemas de concorrência ocorrem por praticamente não haver regras de compartilhamento de ativos. Segundo ele, há “relevantes vácuos regulatórios, em especial aqueles relacionados à falta de mecanismos capazes de controlar potencial abuso de poder de mercado na definição de preços de serviços acessórios”.

Segundo eles, o elemento que poderia criar concorrência intramodal nas ferrovias, o OFI (Operador Ferroviário Independente), é tratado como elemento suplementar no sistema.

“Em um contexto em que as concessionárias são verticalizadas – o que implicaria concorrência com os OFIs por clientes finais ao longo da sua malha, não há incentivo para a oferta de capacidade a terceiros em regiões com potencial econômico”, afirma o texto, reconhecendo a baixa ociosidade nas malhas principais. “A ineficácia das regras de compartilhamento de ativos mina a possibilidade de promover no Brasil a concorrência intramodal experimentada por outros países.”

Problemas com o PLS 261
Segundo o trabalho, o regime de concessão “tem sido incapaz de levar a mais concorrência”, mas os autores não veem no atual PLS 261, em tramitação no Senado, a alternativa adequada para se alcançar esse fim. De acordo com eles, o regime privado poderia criar discriminação regulatória, e a possibilidade de migração dos atuais concessionários para autorizatários criaria ainda mais distorções concorrenciais.

“O PL não se dedica a promover concorrência intramodal”, afirma o trabalho. “Sem concorrência intermodal, e sem regulações efetivas para promoção de concorrência intramodal, a desregulamentação econômica prevista pelo PL pode gerar monopólios privados não regulados.”

Em recente debate na Casa Infra, o ex-diretor-geral da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Bernardo Figueiredo, e o atual diretor da agência, Davi Barreto, convergiram no sentido de que o projeto em seu atual formato precisa de ajustes.

Na mesma linha do estudo, Figueiredo diz que a proposta atual limita o acesso a terceiros, beneficiando ainda mais os gestores da infraestrutura, o que manterá as atuais distorções de preços observadas no mercado.

Barreto lembrou que o incentivo à criação de ferrovias privadas é benéfico no projeto para dar um choque de oferta na ferrovia, mas acredita que a proposta, se aprovada, não será panaceia para solucionar os problemas ferroviários do país. Segundo ele, mesmo num regime privado, serão necessárias regras de acesso para que se tenha concorrência.

Posição do ministério
Em nota a pedido da Agência iNFRA, o Ministério da Infraestrutura informou que está aberto ao diálogo sobre a formulação da política pública no setor ferroviário e entende a importância de contribuições de instituições e órgãos de governo com visões diversas como parte relevante desse processo.

“Os processos de prorrogação antecipada e de novas concessões ferroviárias passam por extenso e profundo processo de participação social durante o qual são ouvidos todos os interessados, desde órgãos públicos ao setor privado. As contribuições são avaliadas e incorporadas em atenção ao interesse público objetivado”, diz o texto.

Ainda de acordo com o ministério, o estudo apresentado procura conceituar alguns “questionamentos de amplo conhecimento do setor, como a busca pela eficiência na regulação e o desafio de incrementar a competitividade”.

“O Ministério da Infraestrutura compreende que parte das preocupações regulatórias apontadas no estudo estão sendo tratadas no âmbito da modernização dos contratos de concessão, por meio de aditivos de renovação antecipada, que contêm mecanismos adequados de provisão e compartilhamento de infraestruturas, que têm passado por tempestivo acompanhamento dos órgãos externos de controle. Contudo, enaltecendo a importância do estudo, indicamos a continuidade da política atual, em razão dos benefícios de desenvolvimento econômico, geração de emprego e renda.”

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