Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A tempestade causada pela divulgação de um aumento da capacidade do Aeroporto Santos Dumont (RJ) pareceu daquelas de fechar aeroportos, mas não passa de uma “tempestade em copo d’água”, na avaliação de dois especialistas consultados pela Agência iNFRA.
A capacidade do aeroporto é exatamente a mesma que vem sendo declarada nos últimos anos, sem qualquer mudança técnica. Na prática, essa capacidade não pode ser alterada devido a limites sobre os quais a operadora estatal Infraero não tem qualquer controle.
O que aconteceu foi que, num documento interno, que não tem validade para o controle da operação, a Infraero informou que, analisando por um prisma diferente os dados de capacidade declarados, o número de passageiros poderia ser maior que o que ela vinha estimando. De 9,9 milhões de passageiros, a unidade poderia receber 15,3 milhões. Essa informação foi publicada pelo Jornal O Globo no dia 6 de abril.
A declaração de capacidade é um documento técnico enviado pelas operadoras aeroportuárias à ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) a cada temporada, que dura seis meses.
A declaração não informa quantos passageiros podem ser operados na unidade. Divulga apenas os parâmetros da operação. Com esses parâmetros, cada empresa operadora estima quanto pode receber de passageiros, mas isso não tem relevância para a avaliação da agência.
No caso do Santos Dumont, a Infraero passou a considerar, na sua avaliação interna, que consegue operar no pico em todos os horários e dias, o que é improvável, visto que não haveria num sábado à tarde demanda igual à de uma segunda-feira de manhã, por exemplo.
Sem mudança nos slots
Mas a Infraero não tem controle sobre a oferta de voos que pode fazer no Santos Dumont devido a dois limitadores específicos. O primeiro limitador é dado pelo controle do espaço aéreo, coordenado pela Aeronáutica, que indica o limite de slots (permissões para pouso e decolagem) por hora na unidade.
O número de slots do Santos Dumont segue o mesmo há anos, 29 no máximo por hora, mas apenas 23 em possibilidade de uso (tecnicamente isso é chamado de fatoração). Essa restrição é necessária, segundo explicou o especialista, porque a unidade tem muito risco de paralisação por problemas climáticos e operacionais. Com mais slots em uso, nos dias com problemas, os atrasos se acumulam e podem afetar toda a malha.
Além de não ter controle do número de slots, a Infraero também não controla sua distribuição para as empresas aéreas. Isso porque o Santos Dumont é um dos aeroportos coordenados do Brasil. Isso acontece quando a unidade não tem capacidade operacional para atender a todos os pedidos de voos das empresas aéreas e, por isso, a ANAC tem que arbitrar quem usa.
Distribuição por temporada
Essa distribuição de slots é feita por temporada. A atual temporada começou em março e vai até o próximo outubro. Ou seja, nesse período, nada pode mudar porque os slots já estão distribuídos pela ANAC.
A próxima temporada, que vai de outubro que vem a março de 2024, é que está começando a ser organizada agora, com as primeiras declarações de capacidade das operadoras sendo apresentadas à agência.
Com as declarações de capacidade, a ANAC abre um período de registro para as aéreas pedirem voos, o que é de livre escolha das companhias. Segundo um especialista que já avaliou o processo, em média, 80% dos pedidos podem ser atendidos.
Nos outros 20%, há mais de um e aparece a restrição. Nessas restrições, a ANAC busca um formato para atender ao maior número possível. Nem todos conseguem, devido aos limites tanto de slots como de capacidade de receber os aviões no pátio e de receber passageiros no terminal.
A distribuição de slots, mesmo num aeroporto coordenado, pode teoricamente fazer com que o número de passageiros aumente, ainda que sem mudança da quantidade de slots, como é o caso do Santos Dumont. Aviões maiores e mais momentos no pico, por exemplo, podem levar a esse efeito.
Exigências
No entanto, a ANAC em geral cria exigências para que a capacidade de atendimento do terminal mantenha-se nos padrões que foram declarados pela operadora. Se a operadora não apresentar e executar um plano de ação para isso, a agência pode restringir voos para equilibrar a capacidade da pista com a do terminal.
O fato é que, mesmo com essa possibilidade teórica, não há muito mais possibilidade de ampliar o número de passageiros no Santos Dumont sem que haja uma queda na qualidade, que já é crítica nos momentos de pico, explicou o especialista.
Mas também não é tão simples fazer a transferência de voos que os governos do estado e do município do Rio de Janeiro querem fazer do aeroporto central para o Galeão. O passageiro, que é quem decide, pode considerar não vantajosa a troca e deixar de viajar, na avaliação desse especialista. Em vez da troca, haveria perda.
Grupo de trabalho
Essa semana ocorreu mais uma reunião do grupo de trabalho que é formado por representantes do governos federal, estadual, municipal e associações empresariais do estado para tratar do tema.
No ano passado, quando esse grupo se formou para discutir pela primeira vez o tema logo após o governo federal decidir não mais conceder o Santos Dumont na 7ª Rodada, as propostas na mesa eram de fazer uma limitação espacial (voos do Santos Dumont só para cidades da região Sudeste e Brasília) ou quantitativa (limitar a capacidade a um número de passageiros).
O governo anterior tinha aceitado como solução de longo prazo a relicitação do Galeão e do Santos Dumont juntos, o que em tese solucionaria o problema, com um mesmo operador fazendo esse controle para evitar que uma unidade deprecie a outra, o que ocorre em outras regiões do mundo.
Mudança política
E também avaliava o que fazer sobre essas limitações até a relicitação das duas unidades, com a esperança de que houvesse uma solução de mercado que devolvesse ao Galeão um número razoável de passageiros.
Mas essa solução não ocorreu e o Galeão é o aeroporto mais longe de voltar aos números pré-pandemia entre as unidades do Brasil, com apenas 5 milhões de passageiros em 2022, metade do Santos Dumont. Agora, com o novo governo, surgiu um complicador, já que a solução de licitar as duas unidades juntas passa por enfraquecer ainda mais a Infraero, o que não é o direcionamento político do governo.
Infraero
A Infraero informou, em nota à Agência iNFRA, que “não há variação da capacidade” do Aeroporto Santos Dumont (RJ), mas reafirma que o aeroporto pode receber 15,3 milhões de passageiros.
Até o ano passado, a estatal entendia que, com os limites que tinha, podia atender a 9,9 milhões de passageiros ao ano. Mas em documentos internos, passou a entender que esses mesmos limites são capazes de atender a 15,3 milhões.
Segundo a empresa, a referência de nível de serviço para a unidade segue sendo a mesma, os critérios da Iata (International Air Transport Association), equivalente ao antigo nível “C”.
“Assim, o Aeroporto Santos Dumont tem uma capacidade anual para até 15,3 milhões de passageiros para um nível de serviço adequado à demanda (baseando-se em alta intensidade de uso em até 12 horas-pico distribuídas ao longo do dia). A capacidade de até 10 milhões de passageiros corresponde à baixa intensidade de uso equivalente a 8 horas-pico distribuídas ao longo do dia”, explicou a estatal.
A Infraero defende ainda que os níveis atuais de utilização estão abaixo de 2015 e que em 2022 “não foi observada saturação de passageiros”. Os governos do estado e do município do Rio de Janeiro defendem que o aeroporto já não está atendendo com qualidade e querem impedir a ampliação do número de passageiros na unidade.
A intenção é evitar que o aeroporto internacional da cidade, o Galeão, que é concedido, siga com uma operação depreciada (menos de 6 milhões de passageiros em 2022), o que os governos defendem que traz prejuízos ao estado pela falta de voos diretos internacionais.