São Paulo estuda viabilidade de adotar tarifa zero para ônibus na capital: entenda as possíveis formas de se financiar a medida

Daniel Almeida Stein, Natasha Maria Soares Viana e Juliana Santos Pinto Coelho*

A Prefeitura de São Paulo noticiou recentemente que solicitou à SPTrans estudo para avaliar a viabilidade jurídica e econômico-financeira de adotar tarifa zero para ônibus no município. 

Especula-se se a medida será restrita ao sistema de ônibus ou se abarcará o sistema de transporte público coletivo municipal como um todo, pois as informações veiculadas pela Prefeitura paulistana não são conclusivas nesse sentido. A despeito dessa aparente indefinição, restringir a política pública de tarifa zero a apenas um modal de transporte coletivo, como ônibus, necessariamente impactaria a utilização dos outros modais, como trem e metrô, com repercussões não somente sobre os respectivos contratos, mas também na lógica de deslocamento associada a cada um desses modais. 

A discussão sobre a viabilidade de se adotar a gratuidade tarifária para os usuários do sistema de transporte coletivo, na capital paulista, não é inédita. O tema começou a ser debatido há mais de 30 (trinta) anos e desde então o seu maior desafio é a sua forma de financiamento.

Políticas de tarifa zero já são adotadas em cerca de 49 (quarenta e nove) cidades brasileiras, em sua grande maioria de pequeno porte, com população média de 60 (sessenta) mil habitantes. São poucos os municípios com população acima de 100 mil habitantes que conseguiram implementar a medida, dentre eles destacam-se: Formosa/GO com 123 (cento e vinte e três) mil habitantes; Paranaguá/PR com 156 (cento e cinquenta e seis) mil habitantes; Maricá/RJ com 168 (cento e sessenta e oito) mil habitantes e o exemplo de maior destaque é Caucaia/CE com população de 369 (trezentos e sessenta e nove) mil habitantes.

A dificuldade em se replicar esse modelo em grandes cidades se deve justamente aos custos que são necessários para sua viabilidade. Considerando a demanda ordinária de passageiros (sem adoção da tarifa zero), muitos municípios populosos já têm que subsidiar seus sistemas de transporte coletivo com recursos próprios, em prol de uma tarifa mais módica; a realidade de municípios que adotaram tarifa zero demonstra que a demanda de usuários mais que triplica, fazendo com que os custos para arcar com o sistema também incrementem substancialmente, de modo que a discussão a respeito de outras fontes de financiamento ganha protagonismo. 

A LMU (Lei de Mobilidade Urbana) prevê como formas de financiamento do transporte público coletivo receitas tarifárias e não-tarifárias, como: (i) a tarifa, preço público cobrado aos usuários do sistema; (ii) receitas alternativas, como receitas com publicidade; (iii) recursos próprios do orçamento público, em regra, do ente municipal; (iv) subsídios cruzados intrassetoriais e intersetoriais provenientes de outras categorias de beneficiários dos serviços de transporte; e (v) outras fontes, instituídas pelo poder público.

O financiamento da tarifa zero, como prevê a redução ou a não cobrança de tarifa aos usuários do sistema, necessariamente tem como fonte principal de arrecadação receitas não-tarifárias, que podem ser provenientes das esferas federal, estadual ou municipal. 

A CNT (Confederação Nacional do Transporte) e a NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) elaboraram estudo em que se realizou a simulação econômico-financeira da utilização das fontes extratarifárias para o município de São Paulo, considerando o impacto da pandemia na arrecadação tarifária. Na oportunidade, analisou-se alternativas para retirar o protagonismo da cobrança aos usuários, estudo ao encontro das soluções necessárias para viabilidade da tarifa zero. As possíveis fontes analisadas foram:

(i) Taxa de congestionamento ou pedágio urbano em vias municipais;
(ii) Contribuição do Transporte Público Urbano cuja incidência pode ser sobre empregador, pela quantidade de vínculos formais; sobre imóveis, pelo IPTU; sobre veículos privados, pelo licenciamento;
(iii) Custeio dos benefícios tarifários por meio dos orçamentos da União, dos estados e dos municípios;
(iv) Tarifa sobre exploração de serviço de transporte remunerado por aplicativo;
(v) Exploração de estacionamentos rotativos ou de estacionamentos de longa duração ao longo das vias públicas;
(vi) Multas de trânsito;
(vii) Multas pelo transporte irregular de passageiros;
(viii) Taxa sobre a exploração de estacionamentos privados de automóveis e outros polos geradores de tráfego e atividades com externalidades negativas.

Das alternativas tratadas no estudo da NTU, as principais fontes de financiamento com maior potencial de arrecadação identificadas foram: taxa de congestionamento ou pedágio urbano; contribuições do Transporte Público Urbano, como a criação e instituição de taxas; e custeio por meio de orçamento público (com destaque para orçamento do próprio município). As outras formas de financiamento encontram significativas barreiras, como: criação de novos impostos sobre atividades privadas para custeio de serviço público; necessidade de alteração de normativas federais, como o CTB (Código de Trânsito Brasileiro), para propiciar mudanças em poucos municípios que implantaram a tarifa zero; necessidade de destinação de recursos estaduais e federais para custear projeto existente em alguns municípios específicos.

Para além das possibilidades analisadas pela NTU, ainda seria possível cogitar a instituição de uma Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), prevista constitucionalmente, cuja finalidade principal seria a intervenção estatal federal sobre um setor econômico em razão de desequilíbrio. Ou seja, seria possível se cogitar Cide com finalidade precípua de reduzir desigualdades sociais. A despeito de a Cide não necessitar ser partilhada com estados e municípios, o cumprimento da sua finalidade para financiamento de projetos de tarifa zero, necessariamente, precisaria prever formas de compartilhamento das receitas com os outros entes federativos.

Por notícias veiculadas recentemente, percebe-se que a ideia de retirar a cobrança pelo uso do transporte público coletivo aos usuários vem ganhando notoriedade, inclusive, vem sendo discutida em âmbito federal pela equipe de transição. A discussão vem ganhando força pela relevância que os subsídios estatais têm na manutenção desses serviços, razão pela qual vem se buscando novas formas complementares de financiamento.

Pelas formas de financiamento elencadas, percebe-se que a grande maioria requer iniciativas legislativas, assim, deve-se ter em mente a importância de uma vontade política convergente para se obter a aprovação das medidas necessárias. 

É dizer que localmente, nos municípios, a criação de novas exações pode encontrar resistência dos respectivos contribuintes. Igualmente, quando se cogita instituir formas de arrecadação em âmbito estadual e federal, pode-se vislumbrar uma resistência ainda maior, pois se fala em arrecadar recursos de um conjunto de contribuintes que não necessariamente observará os benefícios diretos da medida em sua localidade. Considerando o exposto, realizamos um apanhado de dados de alguns dos principais municípios a instituírem tarifa zero, analisando especialmente o quantitativo de sua população, a(s) forma(s) de financiamento instituída(s) e observações a respeito do período de vigência da medida. Abaixo:

Fonte: elaboração própria

A despeito da dificuldade em obter informações oficiais a respeito das formas de financiamento instituídas pelos municípios, o que pode ser inclusive constatado no mapeamento colacionado acima, percebe-se a representatividade de financiamento com (i) recursos orçamentários da própria municipalidade e (ii) receitas extratarifárias (contribuição ao Transporte Público Urbano), baseada especialmente na criação e arrecadação de taxas em âmbito municipal.

Alguns dos exemplos elencados preveem expressamente a sazonalidade da tarifa zero, o que tem relação direta com a forma de financiamento prevista para custear a medida: recursos orçamentários do próprio município. 

Prever recursos orçamentários municipais como a principal fonte de financiamento da tarifa zero representa um risco à continuidade desses projetos, pois primeiro é necessário que a municipalidade tenha disponibilidade de recursos de forma recorrente para garantir a continuidade dos serviços nessas condições,; segundo, a aplicação de recursos  na gratuidade dos serviços de transporte público coletivo é uma decisão política, que pode ser alterada seja pela troca de mandato do governante seja pela mudança de prioridades municipais em um mesmo mandato.

Ou seja, a escolha das formas de financiamento da tarifa zero representa um importante indicador tanto para a viabilidade econômico-financeira do projeto quanto para sua continuidade.Deve-se ter em conta ainda, o impacto que eventual reversão da tarifa zero teria junto à população bem como o tratamento no âmbito de eventuais contratos de concessão existentes. Por fim, o uso do próprio sistema com o natural aumento de demanda pode provocar novos desafios que requerem um planejamento cuidadoso. Trata-se, portanto, de evitar que o barato não saia caro: não existe mágica, não existe almoço grátis.

*Daniel Almeida Stein, Natasha Maria Soares Viana e Juliana Santos Pinto Coelho integram a equipe de infraestrutura do Giamundo Neto Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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