Bernardo Gonzaga, da Agência iNFRA
Com um currículo semelhante ao do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, o novo secretário de Transportes Terrestres da pasta, Marcello da Costa, formou-se na AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) e em seguida também cursou engenharia civil no IME (Instituto Militar de Engenharia). Recentemente foi para a reserva com a patente de coronel.
Com doutorado na UnB (Universidade de Brasília) em Logística, Costa trabalhou a vida toda com obras de infraestrutura, incluindo a transposição do rio São Francisco, a ampliação do aeroporto de Guarulhos (SP), e também a BR-163, obra recentemente concluída e que ele caracteriza como histórica.
Recentemente empossado após a saída do titular do cargo, general Jamil Megid, ele garante que a atuação de seu superior na hierarquia militar foi brilhante e afastou os rumores de que o general não estaria conseguindo tocar as concessões da pasta com a devida celeridade.
Sobre os caminhoneiros, o secretário afirmou que o governo tenta melhorar a tabela e a situação da categoria para evitar novos problemas. Segundo ele, está em estudo um projeto para que a categoria possa ser enquadrada como MEI (Microempreendedor Individual) do Simples, como forma de facilitar a burocracia. Mas a solução mesmo só virá com o crescimento da economia.
“A hora que a nossa economia crescer o suficiente para que a oferta de carga supere a quantidade de caminhões, isso é o que vai equilibrar o valor do frete. Sempre foi assim”, disse Costa em entrevista exclusiva à Agência iNFRA.
Agência iNFRA – Na última audiência pública sobre a tabela de frete, os caminhoneiros disseram que a proposta da Esalq Log não convenceu e que ela também não combate o atravessador. Como está a conversa com os caminhoneiros?
Marcello da Costa – Desde o início do ano, por uma orientação do presidente Bolsonaro e do ministro Tarcísio, a gente mudou o modelo do fórum [dos caminhoneiros]. Esse fórum vem desde alguns anos e agora tentamos adaptá-lo para aumentar o diálogo entre as partes e assumir o papel do governo federal como mediador desse processo. Antes, o fórum existia, mas o governo federal não era o mediador e o equilíbrio dessa balança, que é uma balança que é desequilibrada por natureza. De um lado você tem os embarcadores, no outro extremo você tem os transportadores autônomos de carga, e no meio você tem as empresas de transporte. Então é um equilíbrio instável, e o governo tem conseguido avanços importantes.
O primeiro avanço é a gente ter colocado o governo como mediador e ter abertura com todas as frentes. A gente leva a calma ao setor. Uma das principais preocupações deles [caminhoneiros] era o preço do combustível e a variação, que é uma coisa que não compete ao Ministério da Infraestrutura resolver. Eu acho que é uma coisa que não tem solução. O preço é em dólar, é externo, não é uma coisa que se controle. Essa oscilação é esperada e faz bem à economia. E isso tem um reflexo no setor de transporte porque o combustível é 40% do custo final de um frete. Entendido esse problema, fizemos uma parceria com a Petrobras e eles fizeram um cartão do caminhoneiro, que permite que ele compre o combustível no dia e no local que o preço está bom e o próprio aplicativo te leva ao preço médio daquela região e o histórico desse preço para você saber se naquele dia o valor que você está vendo na bomba é bom ou não. E ele permite segurar esse preço fixo para aquela quantidade de diesel que você comprou por 30 dias. Esse foi um ganho.
E há outros?
O outro: a gente tem uma demanda muito grande de pontos de parada de descanso. Tem uma lei que ainda não conseguiu ser implementada para que o governo federal credencie postos de parada de descanso. Por que não deu certo até agora? Porque existia uma norma do Ministério do Trabalho que elevou muito o padrão do credenciamento desses postos, e dos 173 postos que se cadastraram em 2015, nenhum deles conseguiu alcançar todos os critérios estabelecidos.
O que fizemos agora, em negociação com a Secretaria do Trabalho, refizemos a portaria deles simplificando o processo e cobrando aquilo que realmente é importante para a segurança e conforto do caminhoneiro. Só de pontos cadastrados hoje, em um cadastro recente que a gente fez, a gente já conseguiria 50 postos de parada de descanso credenciados.
Mas voltando à tabela de frete, mesmo você colocando na mesa embarcadores e autônomos, a maior parte dos caminhoneiros ainda vai ficar refém do atravessador.
Um outro objetivo que a gente está perseguindo é a possibilidade da contratação direta. Porque tira o atravessador. Hoje a realidade é: o frete pago pelo embarcador é alto e o que o caminhoneiro autônomo recebe é pouco. Nessa cadeia perversa, alguém está ficando com o dinheiro. Como viabilizar essa conversa direta: já tivemos uma série de conversas e testamos algumas alternativas. Uma delas é pegar o que já existe do MEI (Microempreendedor Individual) e criar uma nova faixa que atenda os caminhoneiros. Aumentar o limite que hoje é de R$ 80 mil para R$ 250 mil. Porque o caminhoneiro tem uma receita alta, mas um lucro muito pequeno. Estamos trabalhando nessa frente.
Mas isso virá por projeto de lei?
É justamente isso que estamos conversando para saber como será a viabilização e se isso é viável. Outra linha de ação que a gente tem para facilitar a contratação direta é o fomento às cooperativas. Hoje elas agrupam caminhoneiros autônomos em áreas de interesse. Então, quanto mais cooperativas tiver de autônomos, mais fácil será a contratação direta.
Porque a cooperativa dá o suporte jurídico e tributário que o autônomo não tem. Porque de um lado você tem o embarcador querendo contratar alguém que emita nota fiscal e dê segurança jurídica que ele precisa, e por outro lado tem o autônomo, que é ele e Deus, que não tem contador e não tem suporte. As cooperativas podem dar esse suporte. Então estamos fomentando o cooperativismo através de uma série de ações para que o autônomo sinta-se interessado a entrar nesse canal de cooperativismo.
Mas o governo vai apoiar se o STF declarar a tabela inconstitucional?
Não cabe ao ministério julgar o mérito da constitucionalidade, esse processo está no Supremo Tribunal Federal, mas o que a gente faz para minimizar o problema, que é contra a visão atual do governo de liberar a economia, é melhorar a tabela. A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) contratou a Esalq Log, que trouxe para a conta aquele frete subjetivo. A gente atualiza essa tabela, que tinha cinco categorias, hoje tem 11 e na atual metodologia terá 12, pelo menos. Cada tipo de frete, cada tipo de carga, tem uma característica. Essa tabela espelha essa diversidade de carga.
A tabela é um piso mínimo. Porque se o autônomo olhar para a tabela e achar que aquele é o valor final do frete, ele vai ficar descontente. Não foi para isso que ela foi criada. O que a gente fez para melhorar esse entendimento, a gente criou um aplicativo, que é o Infra-BR. A entrada é básica: origem e destino do seu trajeto. Aí ele dá uma ideia de distância, você coloca o número de eixos, tipo de carga e ele te dá o custo mínimo do frete e despesas acessórias, que estão previstos na resolução e que você coloca isso dentro do valor final do frete. Essa ferramenta facilita qual é o custo mínimo e qual é o custo real que ele tem para negociação.
Ao longo desse ano, em todos os fóruns a gente tem amadurecido essa relação. A cada tabela que a gente solta, a gente sente que está mais próximo daquilo que é a realidade de mercado, que tem sazonalidade e variações. A percepção que a gente tem é que, mesmo com essa diferença de opiniões, a tabela é um paliativo. Ela nunca vai resolver o problema. E nem é nossa expectativa que resolva. O que vai resolver o problema é o mercado. A hora que a nossa economia crescer o suficiente para que a oferta de carga supere a quantidade de caminhões, isso é o que vai equilibrar o valor do frete. Sempre foi assim. Vivemos um momento de baixa economia ao longo dos anos, que gerou essa crise entre caminhoneiros e contratadores de carga.
O governo quer construir a Ferrogrão por meio do projeto da autorização ferroviária que está no Senado. Se esse projeto não passar, a Ferrogrão continua nos planos do governo?
Claro. Na verdade, o projeto da Ferrogrão, quando nasceu, era uma concessão. A gente não descartou a possibilidade de ela ser concedida como um projeto qualquer. É uma ferrovia com demanda garantida para os próximos mil anos. O que aconteceu foi que, com o avanço que tivemos neste ano, resgatando esse PLS (projeto de lei do Senado), da autorização, abriu uma outra possibilidade. Eles não são concorrentes. Existe a possibilidade desse novo modelo, mas, independentemente de qualquer coisa, a Ferrogrão continua nos planos. A questão é: o projeto da Ferrogrão, só soltá-lo para os players para leilão quando a gente achar que ele tem uma forte demanda de interessados e que ele esteja maduro o suficiente. Se ele está pronto ou não para ir a concessão ou outro modelo, como a autorização, por exemplo.
Cabe ao governo fazer esses grandes troncos, como a Norte-Sul, a FICO (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), e as alimentadoras desses troncos podem ser tocadas pela inciativa privada. O projeto da autorização prevê isso. Ele pega players que tenham interesse em short line, pequenos trechos com característica bem definida para carga ou passageiro, e faz com que a construção e operação dessa ferrovia seja um encargo de quem se interessou por aquilo. E isso vai aumentar consideravelmente a malha ferroviária do Brasil dando alternativas de concorrência entre modos de transporte que hoje não existe. Independente se vai ser para a Ferrogrão ou não, a gente apoia essa ideia. O PLS é um exemplo da postura do governo.
E que é relatado por um petista.
E nós somos parceiros! Estamos botando as fichas, ajudamos a construir o texto e acreditamos no projeto. E achamos que é um excelente modelo para destravar um dos principais gargalos de ferrovia no Brasil.
Houve rumores de que o general Megid saiu da Secretaria de Transportes Terrestres porque não estava conseguindo tocar as concessões com a velocidade que se esperava. As concessões continuarão aqui na pasta ou vai mudar?
O ministério funciona com secretarias finalísticas. Nós cuidamos de ferrovias e rodovias. Toda concepção de um projeto de concessão, ele é instrumentado dentro da parte técnica da nossa secretaria. Isso não muda. Essa é a competência da secretaria. E esse projeto é conduzido também por outra secretaria, que é a de Fomento e Parcerias, que é transversal. Ela presta um serviço ao ministério assessorando na condução de todas as estruturações de projetos de concessões. Seja portos, aeroportos e de rodovias, estrutura aqui. Essa estrutura vai ser mantida.
Com relação ao general Megid, ele saiu por problemas particulares. A condução dele nesse processo foi brilhante. Por onde ele passou ele deixou uma excelente impressão. A equipe é a mesma e a condução é a mesma. Outra maneira de responder é avaliar o sucesso dos leilões. Isso demonstra que a condução foi muito acertada.
Na semana passada o Exército terminou a pavimentação da BR-163/PA. O ministro foi ao Twitter comemorar, o presidente compartilhou e se voltou a falar em fazer mais com menos. Só que ao mesmo tempo, recentemente, a CNT (Confederação Nacional do Transporte) divulgou a pesquisa de rodovias de 2019, e cerca de 68% das rodovias administradas pelo Estado apresentaram algum problema. O que é o “mais com menos” que o ministro fala?
A BR-163/PA é uma demanda histórica do Brasil. O fazer mais com menos é a gente terminar os projetos que foram iniciados, que ficaram muito tempo patinando e que não foram concluídos. Esse é o lado de aplicar recurso com qualidade.
Com relação à manutenção é diferente. Manutenção é time. Você precisa investir a quantidade de recursos correta no momento correto. Se você não investir num recapeamento na hora que o pavimento está com aquele nível de defeitos, você vai fazer um tapa buraco no ano seguinte, que vai custar três vezes mais e que não vai resolver o problema da rodovia.
Eu não vou contestar o resultado da CNT, apesar de a gente usar parâmetros diferentes de qualidade de pavimento de rodovia no DNIT [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes]. Talvez seja um desafio do futuro unirmos esses esforços e sair um índice único. Mas o resultado deles faz sentido. Mesmo diminuindo o orçamento do DNIT de investimento para concentrar os esforços em manutenção, R$ 3 bilhões por ano é menos da metade do valor necessário minimamente para manter a rodovia em um nível aceitável de qualidade.
Como estão as conversas com as bancadas para alocar recursos?
Neste ano a gente criou um painel que demonstra, como se fosse um mapa, as necessidades que nós temos de investimento de manutenção e construção ao longo do Brasil e onde há área de interesse e influência de cada um dos parlamentares. E a gente usa esse mapeamento para, quando cada parlamentar vier nos visitar, a gente fazer um pedido: o senhor tem uma determinada emenda de bancada disponível e gostaríamos que o senhor aplicasse esse recurso nesta área, nesta rodovia. A gente tem conseguido aumentar o orçamento para obras do DNIT com as bancadas. Normalmente essa bancada colocava recursos em construção, onde a gente aparece mais. Logicamente tem um poder político maior.
Quais as próximas rodovias que irão para a carteira do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos)?
Nesta semana eu participei de um evento no Paraná que eu acho que marca uma nova visão de parceria de governo federal com governo estadual. O governo do Paraná nos deu uma sugestão: que o governo federal, usando a expertise que tem, que as concessões sejam feitas pelo governo federal. Estou falando praticamente de toda malha do estado do Paraná. Nós vamos concessionar de 4,2 mil km de rodovias federais e de algumas estaduais do estado do Paraná. A gente nunca fez uma licitação tão grande.
A EPL (Empresa de Planejamento e Logística) fez um mapeamento de todo estado, ouviu as necessidades do estado e criou possíveis lotes de concessão. O total disso dá 4,2 mil km. Nesta semana eu estive com o governador [Ratinho Júnior] e nós assinamos a criação de um grupo de trabalho do governo do estado para viabilizar esses estudos. Isso está sendo encarado como a maior concessão já feita no Brasil de um lote de rodovias.
E são rodovias hoje federais e estaduais…
Federais, que foram delegadas ao estado e que estão sendo devolvidas porque o contrato finaliza em 2021, e rodovias estaduais. Para cada grupo de lote de concessão será formado um mix de rodovias federais e estaduais.
A intenção é que, como é uma concessão que tem que ficar pronta até 2021, mas os estudos estão começando agora, a gente quer fazer um teste de novas tecnologias e inovações na modelagem de concessões. Por exemplo, a questão da tarifa do usuário frequente, quanto mais o usuário usa a rodovia, menos ele paga. Essa é a TUF (Tarifa de Usuário Frequente), principalmente para áreas urbanas onde o ciclo é muito fechado.
Haverá outras inovações?
O próprio free flow, a gente entende que é uma versão mais justa de tarifa, de pagamento pela tarifa. Ele só paga aquilo que ele usa. A gente quer incorporar nesses novos projetos.
Outro é o próprio critério de quem vai ganhar a licitação. A gente está chamando de modelo híbrido, que pega tarifa até certo ponto e depois a outorga. E já vai ser testado na BR-153 (GO), e a gente quer já incorporar isso nessa do Paraná também. O primeiro testo do free flow já vai ser na área urbana da nova Dutra.