Geraldo Campos Jr. e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA
Um grupo de 15 transmissoras pede na Justiça a suspensão de agravo que concedeu à Norte Energia, operadora da usina de Belo Monte, o direito de que o EUST (Encargo de Uso do Sistema de Transmissão) seja apurado de forma proporcional à energia efetivamente escoada. O segmento afirma que a redução do encargo causou prejuízo de R$ 400 milhões em cinco meses, podendo chegar a R$ 1 bilhão em um ano.
O processo está no STJ (Superior Tribunal de Justiça) desde novembro para análise do presidente da Corte, ministro Herman Benjamin. Uma manifestação apresentada nos autos pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) em janeiro deste ano diz que a liminar atual representa “gravíssima lesão à ordem e à economia públicas” e endossa o pedido de suspensão feito pelas transmissoras. Procurada, a Norte Energia disse que não se manifestará sobre o tema.
Remuneração conforme o uso
O caso tem origem numa ação de 2022 na qual a Norte Energia pleiteia o direito de ter disponíveis instalações de transmissão capazes de escoar a totalidade da energia produzida por Belo Monte. A geradora alegou haver inadequação entre os encargos e o MUST (Montante de Uso dos Sistemas de Transmissão), afirmando que, apesar de pagar os valores contratados, há restrição na capacidade de geração. Além disso, pediu a suspensão dos montantes da sua parcela mensal de encargos proporcional ao uso.
A Norte Energia teve o pedido negado em primeira instância, mas acatado em julho de 2024, em recurso analisado pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Na ocasião, foi determinada a revisão do CUST (Contrato de Uso do Sistema de Transmissão) pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) para ajustar proporcionalmente os encargos à energia efetivamente escoada pela Belo Monte para o SIN (Sistema Interligado Nacional).
Em comunicado emitido a transmissoras em setembro de 2024, o ONS afirmou que apresentou os recursos judiciais para esclarecer a liminar, não tendo efetuado os cálculos. Reportou ainda que a Norte Energia informou que passaria a fazer o pagamento parcial dos valores a partir da entrada em vigor da decisão judicial, conforme cálculo próprio, e que futuramente, “havendo diferença entre eventual pagamento realizado pela Norte Energia e o valor apurado pelo ONS, tal montante será indicado para que seja adimplido”.
Segundo fontes, a metodologia adotada pela Norte Energia para calcular o encargo levou a descontos de até 89% no volume mensal que seria repassado às transmissoras. Da parcela original do EUST da geradora, de R$ 123,4 milhões por mês, chegou a ser pago em outubro apenas R$ 13,6 milhões, por exemplo. Em média, a empresa tem pago o equivalente a 35% da sua prestação de encargos.
A Norte Energia, por outro lado, rebateu as críticas do segmento em comunicado ao mercado em 3 de outubro de 2024, afirmando que os seus pagamentos estavam “em plena conformidade com a decisão judicial e que não há inadimplência ou irregularidade com os agentes transmissores e/ou com o ONS”.
Custo ao consumidor
No pedido de SLS (Suspensão de Liminar e Sentença) junto ao STJ, as transmissoras dizem que a liminar lesa 1.100 usuários do sistema de transmissão de energia e afirmam que, se persistir, levará a um efeito cascata em toda a cadeia do setor elétrico, onerando, por fim, as tarifas dos consumidores.
O pedido inicial da Norte Energia é para que a parcela que ela tem deixado de pagar seja rateada entre os acessantes do SIN. Dessa forma, o “prejuízo” que hoje está com as transmissoras será pago tanto por outros agentes quanto por consumidores do mercado cativo por meio de reajustes tarifários, destacou uma fonte à Agência iNFRA.
“[A liminar] desvirtua e corrói completamente o modelo do setor elétrico brasileiro, em especial no aspecto da remuneração pela disponibilidade das instalações de transmissão, gerando impactos para todos os agentes do setor, para que apenas um agente receba um enorme privilégio financeiro e regulatório que não está previsto em seus contratos mesmo no ordenamento jurídico vigente”, sustenta o grupo de empresas no recurso.
Lógica setorial
Fontes avaliam ainda que o pagamento proporcional à energia escoada contraria a lógica setorial da remuneração da transmissão. “A transmissão é remunerada conforme disponibilidade, esse é o modelo setorial a anos”, ressaltou um especialista a par do processo. “Imagine se todos os acessantes do SIN quiserem remunerar a transmissão conforme efetivo uso? Dia a dia, mês a mês. É impraticável.”
Em manifestação aderindo ao processo no STJ, a ANEEL destaca que, caso fosse adotado um modelo de cobrança baseado apenas no uso efetivo de cada acessante, haveria uma grande disparidade nos encargos de transmissão pagos pelos agentes setoriais, apesar de todos terem o mesmo acesso à infraestrutura.
“Imagine-se uma situação em que um locatário (…) pleiteia ao síndico do prédio que reduza sua taxa de condomínio de forma proporcional ao efetivo ‘uso’ com que desfruta das instalações de uso comum”, ilustra a agência. Apesar das peculiaridades do setor, “a lógica contratual permanece a mesma: a inviabilidade de dar tratamento proporcionalmente quantitativo à utilização específica das instalações como base para a cobrança”.
Curtailment
Fontes do setor ainda apontam que o pagamento do EUST proporcional ao uso cria um precedente favorável aos geradores em casos de curtailment ou constrained-off. Por essa tese, caso o ONS determine o corte de geração, o agente também teria direito a um “corte” no valor do encargo.
“É uma brecha. Esse pedido foi repetido em ações de constrained-off, pagar EUST com base em energia escoada. Mas foram pedidos subsidiários, [porque] os geradores renováveis querem, na verdade, ser compensados pelos cortes. Mas sem dúvida é um precedente ruim”, destacou um especialista.