Urban Air Mobility: chegando

Dario Rais*

Fatos recentes apontam para a proximidade cada vez maior da operação dos serviços de UAM (Urban Air Mobility ou Mobilidade Aérea Urbana). Durante o evento Estadão Summit Indústria Automobilística 2023, realizado em agosto em São Paulo (SP), em um painel específico sobre UAM, discutiu-se um cenário onde, a partir de 2026, a operação diária dos eVTOL (aeronave de decolagem e aterrissagem vertical elétrica) na cidade poderia utilizar até 400 desses veículos! No dia 15 de agosto, a PAX Aeroportos deu início à fase de transferência operacional da gestão, por 30 anos, do aeroporto de Campo de Marte. Na ocasião, o CEO da concessionária afirmou que “queremos abrigar o primeiro voo de eVTOL da capital paulista”. Some-se à estes fatos o recente anúncio da Embraer/Eve Air Mobility sobre a sua nova fábrica em Taubaté (SP), dedicada exclusivamente aos eVTOL, já com mais de 2,8 mil pedidos que deverão ser atendidos a partir de 2026.

Aproveito o momento para algumas reflexões sobre a incorporação dessa nova tecnologia de  apoio aos deslocamentos urbanos. Expectativas e providências necessárias devem estar bem claras para que se tenha uma resultado positivo. E é sobre expectativa que faço uma primeira observação.

Já tive a oportunidade de escrever que, superados alguns obstáculos (em especial relacionados à infraestrutura), a UAM poderá ajudar na redução dos congestionamentos urbanos. Ajudar, não resolver e nem ser a protagonista da solução. Solução de mobilidade urbana são os modos de transporte de massa. Mas a UAM pode ajudar sim a melhorar as condições de mobilidade, se compreendidas suas limitações e potenciais.

O market share da UAM nas viagens urbanas ou metropolitanas será muito pequeno, por dois motivos: a capacidade dos veículos e as limitações impostas pela operação nos vertipontos. Uma simples conjectura leva à essa constatação. Imagine um vertiponto, uma única posição para a operação do eVTOL. Assuma, otimisticamente, que o turnover nesse vertiponto seja de 15 minutos – tempo para parada total dos motores, desembarque dos passageiros, serviços de apoio em solo e verificações de segurança, embarque e acomodação de novos passageiros (eventualmente com bagagem). Isso sem contar a troca ou recarga das baterias. Considerando esse turnover, o vertiponto poderia atender até quatro voos por hora.

Como cada eVTOL transporta até quatro passageiros (não vou considerar a operação driverless), um vertiponto pode atender até 32 embarques e desembarques por hora, ou 768 em operação H24. Suponha agora que a RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) terá mil vertipontos para suportar os serviços UAM – atualmente a RMSP dispõe de pouco menos de 300 helipontos registrados na ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). Desta forma, a rede de vertipontos imaginada poderia servir a até 768.000 embarques e desembarques diários.

Uma viagem corresponde a um embarque mais um desembarque. Assim, os 768 mil embarques e desembarques são equivalentes a 384 mil viagens diárias. A pesquisa O-D do Metrô realizada em 2017 mostrou que o número de viagens diárias, urbanas e metropolitanas, na RMSP é de 41,4 milhões. Isso significa que, no cenário otimista construído, o market share da UAM na RMSP seria menor que 1%!

A constatação imediata desse resultado é que os serviços de UAM não se constituem em um modo de transporte de massa, mas em um modo de nicho. Agregarão valor às condições de mobilidade se usados em nichos específicos. O mais imediato a ser trabalhado são as ligações para os aeroportos da RMSP: Congonhas e Guarulhos. Uma rede de 10 vertipontos estrategicamente espalhados pela região metropolitana e dedicados somente às ligações com os aeroportos tem um potencial de market share superior a 10%. Isso tem dois significados: (1) representa um salto na qualidade das condições de mobilidade de / para os aeroportos; e (2) tira de circulação veículos voltados ao transporte individual, abrindo espaço para a ampliação da oferta de transporte coletivo.

Outro nicho potencial são os serviços de resgate e de emergência. Uma interessante iniciativa nessa área é a proposta do Canadian Advanced Air Mobility Consortium, com sede em Vancouver, Canadá. Um grupo multi-stakeholder interessado em agilizar a pesquisa, o desenvolvimento e as operações comerciais de aeronaves com células de combustível elétricas ou de hidrogênio, emissão zero e decolagem vertical. Um dos projetos prioritários é o “air ambulance”, que visa substituir os atuais helicópteros ambulância pelos veículos eVTOL. Atende-se a um nicho potencial com uma operação que amplia a aceitabilidade social da tecnologia.

Essa questão da aceitabilidade social é de extrema importância e demanda um amplo esclarecimento da sociedade. Mas o que observo é o uso errôneo da imagem do desenho animado Jetsons para ilustrar o novo cenário e vender que o futuro chegou. Penso ter ficado claro que não estamos a entrar na era dos Jetsons. Mas por certo teremos um “momento Kardashian”, onde existirão translados gratuitos de e para aeroportos com passageiros premium, transporte para CEOs de empresas, estrelas do esporte, do show business e celebridades. Por mais folclórico que possa parecer, vai ajudar muito na disseminação da tecnologia e no aumento de sua aceitabilidade social.

A priorização de mercados e as estratégias de implantação dos serviços UAM devem ser parte integrante dos planos de mobilidade, principal referência para planejar e coordenar as ações de mobilidade urbana, otimizando os recursos disponíveis, identificando e dando tratamento específico para mercados específicos e, sempre que possível, estimulando a multimodalidade. Chegando dessa forma, a mobilidade aérea urbana seguramente contribuirá para para a melhoria das condições dos nossos deslocamentos na metrópole.

*Dario Rais Lopes é ex-secretário nacional de Aviação Civil e professor da Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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