Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O uso do GNL (Gás Natural Liquefeito) como combustível para caminhões no país entrou no foco do Ministério dos Transportes como forma de avançar com o processo de descarbonização do setor.
O combustível pode substituir o diesel, que está em praticamente toda a frota rodoviária de carga, emitindo 28% menos CO2 e 90% menos NOx e materiais particulados, com a vantagem de manter uma longa autonomia dos caminhões, que precisam de pouco tempo no processo de abastecimento.
O funcionamento do sistema de abastecimento com GNL foi apresentado, numa visita a Portugal neste ano, ao ministro dos Transportes, Renan Filho. O modelo foi considerado uma solução que pode dar resultados rápidos para o setor, que no Brasil é um dos maiores emissores de gases, perdendo apenas para as queimadas.
Depois da visita, o ministério iniciou ações práticas para avançar para o uso desse combustível nos caminhões. A Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) abriu processo para permitir que veículos movidos a esse tipo de combustível possam ter um tamanho maior que o atualmente máximo permitido.
Os estudos estão em análise por uma Câmara Técnica do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) e, segundo o secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, uma consulta pública deve ser lançada nos próximos dias para receber contribuições sobre a proposta de alteração nas regras.
Giancarlo Ciola, diretor de Regulatório e Novos Negócios da Virtu GNL (empresa que atua em parceria junto ao grupo Eneva, criada para incentivar o uso do GNL no Brasil) explica que hoje os caminhões que transportam o GNL podem ter um tamanho máximo, considerando todo o conjunto, de 18,6 metros de extensão.
Criogênese
No entanto, os modelos de tanque para o GNL que já estão desenvolvidos no mundo necessitam que a composição tenha 70 centímetros a mais que essa medida, segundo Ciola, para que o tanque de GNL possa ser colocado nos veículos de carga. Por isso, está sendo pedida a adaptação da regulação.
O GNL se utiliza da molécula do que é conhecido no Brasil como gás natural, que abastece veículos (GNV), residências e empresas por meio de dutos. De acordo com Ciola, a diferença é o processo para armazenagem da molécula.
Enquanto o GNV comprime o gás, o GNL liquefaz num processo de criogênese, conservando-o em temperatura de 160 graus negativos. Enquanto a compressão usada no GNV reduz o tamanho em 200 vezes, a redução de temperatura do GNL reduz em 600 vezes.
No caso dos caminhões, isso faz com que a autonomia do veículo possa ser de 1,2 mil quilômetros com um tanque de GNL contra 300 quilômetros em média nos tanques de GNV. Como os veículos ficam menos tempo parados no abastecimento, isso ajuda a viabilidade econômica das operações de transporte.
Plano audacioso
Segundo Ciola, é devido a esse processo que tem sido possível no mundo todo trocar o combustível da frota de veículos rodoviários de carga. Na China, de acordo com ele, já são mais de 800 mil caminhões a GNL; na Europa, quase 500 mil.
“É algo testado no mundo. Não estamos trazendo uma jabuticaba. Nossa estimativa é que, se todo o diesel consumido no transporte fosse trocado por GNL, teríamos uma redução de emissões de 44 milhões de toneladas de CO2 ano, num dos maiores programas de descarbonização do mundo”, disse Ciola.
A Virtu GNL já está fornecendo esse tipo de gás como combustível para projetos industriais. O primeiro é uma usina termelétrica em Roraima. O gás é levado de Silves (AM) para lá. Plantas da Vale e da Suzano no interior do Maranhão também anunciaram que vão usar o GNL, que será transportado por caminhões.
O transporte do GNL pode ser feito em caminhões a diesel. Mas a ideia é que o projeto que vai reduzir as emissões dessas plantas industriais possa também ser transportado num sistema com energia limpa, disse o diretor. Por isso, a necessidade de alterar a resolução do Contran.
O plano do Ministério dos Transportes é mais audacioso, como conta o secretário-executivo da pasta, George Santoro. A ideia da resolução é permitir que todos os tipos em desenvolvimento atualmente de veículos de carga movidos a GNL no mundo possam ser importados ou produzidos no Brasil.
Pé no chão
George, que acompanhou a visita ao sistema em Portugal, diz que o modelo de GNL é adequado ao Brasil, pode ser implementado já e é uma solução “pé no chão” para o projeto de descarbonização do setor de transportes.
“Acreditamos que esse projeto não vai ser um relampejo”, disse George.
Mas as ações não vão parar nesse item. De acordo com o secretário, a ideia é que essa redução do volume de gases produzidos em relação ao diesel possa ser certificada, de forma segura com as informações geradas pelo DT-e (Documento Eletrônico de Transporte).
Dessa forma, seria possível emitir créditos de carbono e assim apoiar o financiamento dessa transição. O modelo de certificação está sendo trabalhado pela Infra S.A., estatal vinculada ao ministério.
A discussão no país hoje sobre o que vai ser feito com a produção de gás, de acordo com Giancarlo Ciola, da Virtu GNL, não tem considerado o vetor do transporte rodoviário. Para ele, o uso nesse setor é um caminho viável e também ajudará a viabilizar outros usos para o gás que está na costa.
“De fato não temos gasodutos, mas temos rodovias para levar o gás para o interior”, defendeu o diretor.
GNL importado
Ele lembra ainda que o pré-sal é uma importante província para a produção de gás natural, mas que também há produção onshore no Brasil, e grandes navios de GNL podem abastecer o país por via marítima com gás importado.
Mas os custos de implantação do sistema para o transporte ainda são maiores que os do sistema a diesel. Segundo Ciola, um posto de abastecimento custa seis vezes mais. Caminhões também são mais caros e têm a manutenção mais custosa. Mas, nas contas da empresa, o uso a longo prazo compensa os custos de implantação pois o combustível é mais barato.
Além disso, segundo ele, a necessidade de todos os setores em comprovar para suas cadeias que estão utilizando-se de processos que reduzem as emissões de carbono é um atrativo para a implantação do GNL no Brasil.