Lucas Santin, da Agência iNFRA
O presidente-executivo da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), Reginaldo Medeiros, disse em entrevista à Agência iNFRA que está preocupado com a demora do Congresso Nacional em aprovar o projeto que resolve a dívida do risco hidrológico (GSF na sigla em inglês), hoje travado no Senado.
Medeiros afirmou que existe falta de empenho em resolver esse débito – que já está na casa de R$ 8 bilhões – e isso só beneficia os devedores. “Esperamos quatro anos pela solução e a solução não veio. Quem é beneficiado com isso? O coitadinho do caloteiro”, afirmou.
“Em nenhum lugar o devedor é o coitadinho, só no setor elétrico. Então o coitadinho do devedor, que está discutindo 5% a 10% do problema, não paga a integralidade dos seus débitos alegando que isso enfraqueceria a sua tese na Justiça”, completou.
O presidente da Abraceel disse também que a lei atual já permite que consumidores acima de 500 kW – o que corresponde a uma fatura em torno dos R$ 100 mil por mês – possam contratar no mercado livre. Mas há uma “reserva de mercado” que precisa ser eliminada. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
O que o senhor acha dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional propondo cronogramas de abertura do mercado de energia?
Quero deixar claro para todo mundo que o mercado elétrico já está aberto para consumidores acima de 500 kW, que é quem paga uma fatura em torno dos R$ 100 mil por mês. Então, todos os grandes consumidores hoje estão autorizados a ir para o mercado livre. Desde que foi aprovada a Lei de Concessões, em 1995, há um dispositivo nessa lei que diz que o poder concedente poderia reduzir esses limites para permitir que mais consumidores fossem para o mercado livre.
Então por que esses consumidores não contratam no mercado livre?
Porque nada foi feito desde então. A única evolução que teve foi quando o [ex-]ministro [de Minas e Energia] Moreira Franco acabou com a reserva de mercado para o consumidor acima de 2.500 kW, no final do ano passado. Então, desde 1º de julho deste ano, o consumidor entre 2.500 kW e 3.000 kW, que só poderia comprar energia de fonte incentivada, pode comprar também de fonte convencional, o que provocou também uma competição no mercado, permitindo que o consumidor tivesse acesso a uma energia mais barata. Mas esse consumidor já estava autorizado a ir para o mercado livre.
E a proposta de abertura feita pela equipe do atual ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque?
O ministério também fez uma consulta pública para reduzir esse limite progressivamente até o limite de 500 kW. Isso não é abertura de mercado, isso é apenas o fim da reserva de mercado que a energia convencional tinha por força de subsídio. Um subsídio que, a princípio, não se justifica mais.
O que nós temos visto nessas iniciativas, tanto do Ministério de Minas e Energia quanto o que está em discussão no Congresso Nacional, é que depois de 24 anos decidiram postergar por mais cinco o início da abertura de mercado. Então, se esse cronograma for cumprido – e nunca é cumprido – depois de 30 anos que o Congresso Nacional deu uma diretriz para ampliar o mercado livre é que as autoridades vão conseguir continuar a ampliar o mercado livre.
Por que é tão difícil ampliar o mercado livre de energia?
Porque quanto mais competição, mais barata a energia. Então as empresas que já estão no setor e principalmente os eletrocratas não querem a abertura do mercado porque é muito mais fácil como está hoje: repassar o custo para o consumidor no Brasil.
Quem são exatamente esses eletrocratas?
Não sei, há quantos anos você está nesse negócio? A burocracia se justifica por si só. Quantos órgãos de coordenação e controle existem no setor elétrico? Por exemplo: o TCU [Tribunal de Contas da União] fiscaliza a ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica]. Precisava o TCU fiscalizar a ANEEL? Aí, muitas das decisões, não só na ANEEL, mas nos outros órgãos, não são tomadas porque eles têm medo do TCU.
Tem sentido isso? Só existe isso no Brasil. Então cada vez mais a burocracia se multiplica. O setor elétrico está no cangote do consumidor. Tem que tirar o setor elétrico do cangote do consumidor, deixar o consumidor ser livre para escolher a sua vida energética.
Antes havia uma crítica de que o mercado livre não financiava a expansão da oferta de energia. Isso é verdade?
Isso não é mais verdade. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], com um critério mais restritivo, permitiu um conjunto enorme de projetos para o mercado livre, que hoje estão em construção no horizonte dos próximos quatro anos. Há cerca de 15 dias, o BNDES apresentou as novas condições, que são melhores para financiar projetos para o mercado livre. Portanto o mercado livre deve representar uma parcela significativa da expansão da oferta de geração. A crítica que se tinha antes não existe mais.
Qual o problema do setor que precisa ser resolvido com mais urgência na sua visão?
O maior problema setorial, que as autoridades não fizeram nada em quatro anos, é o GSF [sigla para o risco hidrológico]. E foi dito no Senado que não será aprovado esse acordo, ao menos neste ano.
Então, assim, esperamos quatro anos pela solução e a solução não veio. Quem é beneficiado com isso? O coitadinho do caloteiro. Porque na CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica], que não liquida, tem o credor e o devedor. E a única questão é que o devedor é tido como um coitadinho. Em nenhum lugar o devedor é o coitadinho, só no setor elétrico. Então o coitadinho do devedor, que está discutindo 5% a 10% do problema, não paga a integralidade dos seus débitos alegando que isso enfraqueceria a sua tese na Justiça.
Com o PL do GSF travado de novo, como resolver o problema?
Resta a via judicial ou, alternativamente, uma via administrativa, em que seria razoável, na nossa visão, que os geradores reconhecessem, e eles reconhecem, que existe uma parte enorme do passivo travado na CCEE que é um valor não-controverso, e quitar o valor não-controverso enquanto se discute o valor controverso na Justiça.
Isso é uma coisa razoável. Por que que isso nunca foi feito? Porque, evidentemente, quem tem uma liminar que lhe beneficia não vai abrir mão da liminar em nome da solução do problema, muito embora queira que todos participem do acordo.
É importante que se pense agora numa solução para esse problema. Ou a ANEEL, CCEE e o ministério se empenhem na Justiça para equacionar esse problema, eventualmente se chegue a um acordo judicial, que pode ser eventualmente uma solução para esse problema, ou então que se chegue a uma via administrativa, uma solução.
Qual a posição da Abraceel a respeito das mudanças propostas pelo Ministério de Minas e Energia para o setor, como por exemplo o preço horário, mexer nas garantias físicas, separação de lastro e energia etc.?
Sobre o preço horário nós estamos de acordo com isso, é perfeito. Nos agrada. É isso mesmo, a racionalidade econômica. Mas a Abraceel defende preço horário há 20 anos. Garantias físicas também é uma discussão antiga.
Então nenhuma dessas discussões são novas, todas são antigas. E sempre se fala: vamos estudar mais. Qual é a grande conclusão do relatório apresentado pelo ministério? Vamos estudar mais. É a Academia Elétrica Brasileira.