Governo Lula 3 tem início frustrante na infraestrutura

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O início do governo do presidente Lula no setor de infraestrutura é avaliado como frustrante para pouco mais de uma dezena de agentes de governo e de mercado, em diferentes setores, ouvidos pela Agência iNFRA sob condição de anonimato.

Servidores públicos, donos de empresas, dirigentes empresariais relatam que há uma paralisia decisória, envolvendo temas relevantes, inclusive que impactam investimentos bilionários nas pastas que passaram a cuidar do setor.

A retomada dos investimentos no setor era apontada como prioridade do governo na campanha, daí a frustração. A grande maioria dos ouvidos, no entanto, mantém uma expectativa positiva sobre os próximos anos.

A falta de nomeações para as equipes ministeriais nas pastas relacionadas ao tema é o principal ponto identificado como o motivo para que processos não tenham o andamento considerado adequado, afetando até mesmo procedimentos simples como autorização para emitir debêntures, segundo uma fonte. 

Essas equipes teriam também que cuidar de definir quais políticas públicas serão continuadas e quais serão alteradas, dando uma direção para essas novas e definindo as prioridades. Mas isso não está ocorrendo, avaliação feita inclusive por servidores que deveriam estar envolvidos nos temas, o que preocupa agentes que avaliam a realização de investimentos no país.

Urgências resolvidas antes da eleição
Diferentemente dos agentes públicos e privados, uma fonte do Palácio do Planalto contesta que haja a paralisia no setor. Cita que os problemas mais urgentes já vêm sendo resolvidos desde o fim da eleição, como a falta de recursos minimamente necessários para investimentos no orçamento de 2023.

Lembra ainda que foi isso o que propiciou as condições para o programa emergencial de recuperação de rodovias federais, já anunciado, e também o retorno do financiamento para o Minha Casa Minha Vida faixa 1, que foi relançado recentemente. 

Cita também uma mesa de negociação entre empresas públicas e privadas para destravar os investimentos em saneamento, em andamento; e o início da primeiras negociações no setor de ferrovias com a secretaria de solução de conflitos do TCU (Tribunal de Contas da União) para mostrar que não há paralisia no setor de infraestrutura.

Sobre as equipes, diz que é normal para o início do governo a adaptação nos momentos de troca. Mas essa avaliação não é compartilhada por outros agentes públicos e também do setor privado, que apontam uma demora além do normal para as nomeações de segundo escalão, como de secretários, diretores e dirigentes de empresas públicas.

Concertação política
Essa demora tem origem na eleição de 2022 e na necessidade de formação de uma coalizão de partidos maior que a imaginada diante do desempenho dos partidos que apoiaram o presidente nas eleições legislativas.

O desenho inicialmente trabalhado, e para o qual os ministros vinham se preparando, não se consolidou. Renan Filho (Transportes) se preparava para ir para o Ministério do Planejamento. Márcio França (Portos e Aeroportos), para Cidades. Alexandre Silveira (Minas e Energia), para ficar com a antiga pasta da Infraestrutura, possivelmente com Transportes e Portos e Aeroportos unidos.

Os três se preparavam e formavam equipes nas outras áreas, quando do meio para o fim de dezembro o jogo virou para que fosse possível atrair mais aliados para a base do governo. Em dias, eles tiveram que ir para as pastas atuais, entender o setor, formar novas equipes. Jader Filho (Cidades) e Waldez Góes (Desenvolvimento Regional) tiveram a confirmação de que seriam ministros depois do Natal.

Brigas nos partidos e bolsonarismo
Para alguns cargos não nomeados, há brigas políticas sobre quem ocupará as vagas. Parte do PT, por exemplo, insiste na nomeação dos secretários-executivos para essas pastas que ficaram com partidos aliados, segundo relataram duas fontes. Os ministros querem formar suas próprias equipes.

Mas dentro dos partidos também há disputa, e o caso mais ruidoso é o do Ministério das Cidades, nos quais diferentes alas do MDB brigam para a indicação das secretarias de Habitação e Saneamento.

O fato é que as centenas de indicações ao mesmo tempo criaram um gargalo de análise técnica dentro da Casa Civil, onde cada nome tem que passar por uma avaliação sobre se cumpre requisitos legais exigidos para o cargo. Mas, quando passam, há uma outra barreira criada, que é uma análise política que inclui o nível de adesão que o indicado teve ao bolsonarismo.

Políticas públicas
No caso do setor de infraestrutura, a maior parte da execução das políticas públicas fica a cargo das agências reguladoras, que seguem sem mudanças e dando andamento ao que é possível. Mas essas políticas têm que estar definidas pelos ministérios. 

Se há uma indicação de mudança em algum tema, o comportamento natural é que os servidores parem os processos para que não percam tempo com trabalhos que posteriormente terão que ser refeitos.

Com ministros ainda buscando conhecer e entender cada problema do setor e sem parte de seus auxiliares diretos nomeados, há definição sobre poucas políticas públicas, apenas as mais urgentes. Em relação à grande maioria, não se sabe que caminho seguir, diz um experiente servidor.

Heranças e novos problemas
Algumas dessas definições precisam ser dadas sobre heranças deixadas pelo governo anterior, em processos que não foram solucionados ou até mesmo tiveram os problemas criados pelas definições anteriores. É o caso sobre o que será feito com o novo marco de ferrovias. Também se incluiu aí como serão licitados novos terminais do Porto de Santos, especialmente o de contêineres. 

Mas parte dos problemas vem da forma como as pastas foram divididas pela atual gestão, especialmente no setor de Transportes. Hoje, não há qualquer governança definida sobre como tratar questões que envolvem os dois ministérios divididos da Infraestrutura. E elas são muitas. 

Investimentos já contratados em ferrovias, por exemplo, dependem de como os terminais portuários vão ser construídos para receber essas cargas. No porto de Santos (SP), esses casos já preocupam algumas das concessionárias.  

Há ainda negociações referentes a investimentos que dependem de autorização dos ministérios, o que sempre requer negociações entre as empresas que querem investir e os nomeados para a pasta. Sem nomeados para setores-chave, processos para autorizar investimentos bilionários ficam sem andamento.

Planejamento
Também não se sabe como será feito o planejamento, para definir as prioridades que devem ser atendidas, o que, se não houver coordenação entre as pastas, dificilmente dará resultado.

Nessa hora, há preocupação com um novo elemento que surgiu com a configuração do governo. Para fazer a coalizão e manter pastas que considera mais relevantes, como Educação e Saúde, sob seu controle, o PT teve que ceder aos partidos aliados (MDB, PSB, PSD e União) as pastas ligadas à infraestrutura.

Esses partidos não tinham um programa sobre o que fazer nesses setores e agora os ministros estão buscando um projeto para suas gestões. Mas esse projeto terá que estar adequado ao programa de governo que o PT fez para a área. 

Conflito com o PT
Quando houve choque entre as diretrizes que os ministros indicaram e o que o PT vinha defendendo em campanha, gerou-se crise. Foi o caso das concessões rodoviárias do Paraná. O modelo para realizar o leilão para conceder dois dos seis lotes de rodovias do estado, em conjunto com o governo local, foi aprovado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) no fim do ano passado.

Flexibilizando ao máximo a modelagem padrão atual das concessões federais, o governo anterior permitiu que não haja limite ao desconto sobre a tarifa-teto do leilão e não seja previsto pagamento de outorga, como forma de reduzir ao máximo o valor das tarifas pagas pelos usuários nas praças de pedágio, o que é uma demanda local.

Mesmo assim, parlamentares do PT do Paraná, entre eles a presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, criticam o modelo e querem garantia de um pedágio ainda mais barato. O governador do estado, Ratinho Júnior (PSD), quer fazer o leilão com o modelo como está, avaliando que mais reduções vão significar menos investimentos e vias de pior qualidade.

Ele e o ministro dos Transportes, Renan Filho, acertaram então, em janeiro, dar seguimento ao leilão no modelo aprovado pelo TCU. Mas, no dia seguinte ao anúncio, os parlamentares do PT foram para as redes sociais para dizer que não havia acordo. O resultado: o leilão segue indefinido. Investimentos estimados em R$ 19 bilhões e 190 mil empregos diretos e indiretos (estimativas oficiais) seguem esperando.

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