Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A atuação de agências reguladoras no papel de poder concedente em contratos de parceria com a iniciativa privada precisa ter o debate ampliado e uma análise mais aprofundada sobre seu funcionamento no país.
É o que defende a dissertação de mestrado recém defendida por Gabriel Fajardo, ex-subsecretário de transporte e mobilidade do Governo de Minas Gerais, na Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). O trabalho debate o modelo de agências reguladoras importado pelo Brasil, refletindo sobre o exercício do papel de poder concedente nas parcerias com a iniciativa privada.
A pesquisa se limitou à uma análise teórica do tema que intriga diferentes atores do setor, com opiniões diversas sobre se as agências têm ou não sua independência comprometida quando fazem as funções de poder concedente no lugar dos órgãos de governo.
E o próprio Fajardo diz que, para encontrar uma resposta definitiva sobre isso, a pesquisa vai ter que continuar e ir para a vida prática das concessões. Em conversa com a Agência iNFRA, ele diz que pretende buscar apoio para uma pesquisa empírica que mostre com dados as consequências, para melhor ou para pior nos contratos, da atuação de agências como poder concedente.
“Nós hakeamos o modelo americano de agências. Mas ficou melhor ou pior? O modelo era de independência, mas quando trouxe essa atribuição [de poder concedente] ficou fora do modelo, o que isso significa no nosso arranjo administrativo e para atração de investimentos?”, questiona Fajardo. “As agências foram sendo criadas por leis esparsas, sem uma reflexão institucional do papel que elas viriam a exercer no quadro administrativo brasileiro. Precisamos enfrentar este tema.”
Diferentes formas de atuação
A dissertação, orientada pela professor Cristina Fortini (UFMG) e avaliada pela banca com os professores Luciano Ferraz, Egon Bockman e Fernando Marcato, foi defendida neste mês.
No levantamento que fez no país sobre modelos de agências, Fajardo disse que encontrou diferentes formas de atuação em relação a ser poder concedente ou não, num mesmo ente público. ANAC e ANTT, no federal, atuam como concedentes nas parcerias. Já ANTAQ, não tem esse poder, que fica com o ministério setorial. Há diversos exemplos de atribuições específicas em cada experiência nacional.
A Artesp, de regulação de Transportes em São Paulo, atuava como poder concedente nos contratos de concessão rodoviária até pouco tempo atrás, mas uma lei estadual mudou essa atribuição. Ela passará a atuar agora como interveniente nos novos contratos, segundo Fajardo.
Atos do poder público
Não ser concedentes, para Fajardo, faz com que as agências possam estar mais próximas do modelo teórico que foi importado pelo Brasil para esse tipo de relacionamento com o setor privado, que preconiza uma equidistância das agências entre o poder público, o contratado e o usuário do serviço, como forma de regular imparcialmente o contrato.
Quando atuam como concedentes, as agências praticam atos que, em tese, deveriam ser feitos pelo poder público, um dos lados desse triângulo. A diferença entre política pública e regulação, muitas vezes, acaba tendo sombreamentos.
Mas, segundo Fajardo, mesmo em tese um modelo sendo mais apropriado que outro, não é possível ainda saber qual o melhor modelo em funcionamento no Brasil. Ele disse que será preciso, por não haver análises e dados sobre o tema, seguir com a pesquisa para entender como o mercado vê os dois modelos e os resultados que as concessões tiveram em cada um deles.
Evitar paralisia
Nos estudos, Fajardo aponta que, ao longo do tempo, as agências começaram a receber o poder concedente como forma de acelerar decisões, evitando paralisias que eram comuns em comandos das pastas, especialmente em momentos de troca de gestores ou de crises políticas. Mas isso gera problemas, como fazer a estruturação dos projetos e depois ter que regular.
“Como você vai analisar o problema de uma matriz de risco que você mesmo fez?”, pergunta Fajardo.
Mudança na AGERGS
Fajardo, que assumiu como Secretário Adjunto de Parcerias e Concessões do Governo do Rio Grande do Sul este mês, vê como necessário o aprofundamento dos estudos para que se possa debater até mesmo se é preciso ou não uma regra geral para as agências que trate desse tema, o que passou ao largo da última reforma feita no setor, a Lei das Agências de 2019.
No próprio Estado do Rio Grande do Sul, para a AGERGS, Agência Reguladora multisetorial (rodovias, saneamento, gás etc), a reflexão será proposta a fim de se aperfeiçoar a atuação da autarquia vinculada à secretaria de parcerias.
“Temos que olhar para os modelos vigentes, para os resultados, para as práticas regulatórias, para o relacionamento público-público e público-privado e ver o que está ou não funcionando˜.
“Pensar um modelo”
Para ele, o debate é necessário para evitar que, volta e meia, apareçam proposições legislativas, como a Emenda 54 à Medida Provisória de Reestruturação do Governo (a que passa o poder decisório das agências para um conselho formado por órgãos de governo e da sociedade).
“Temos que pensar um modelo para as agências, respeitada, claro, as autonomias federativas e os desafios setoriais. Mas temos que avaliar se vale a pena ter cada uma de um jeito, de forma, muitas vezes, pouco refletida, e se e qual modelo está trazendo mais segurança jurídica, previsibilidade, agilidade e independência, que são valores fundamentais ao modelo de agências”, disse Fajardo.