Iminente colapso nas políticas públicas de infraestrutura: entre a necessidade e a urgência de reestruturação

Marcelo Binenbojm*

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, a infraestrutura é a espinha dorsal do desenvolvimento, conectando pessoas, mercadorias e serviços. No entanto, o setor de infraestrutura enfrenta um paradoxo: apesar de sua importância crucial, a categoria responsável por sua regulamentação, implementação e gestão está à beira de uma crise.

Um estudo técnico recente, elaborado pelo renomado consultor Luiz Alberto dos Santos, traz à tona questões críticas relacionadas à necessidade de reestruturação da categoria de infraestrutura no Brasil, destacando os riscos que a inação governamental pode acarretar para o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e, consequentemente, para o desenvolvimento nacional.

A categoria de infraestrutura foi criada pela Lei 11.539/2007. Formada, atualmente, por cerca de 740 analistas de infraestrutura e especialistas em infraestrutura sênior, a categoria responsável pelas políticas públicas de infraestrutura de grande porte enfrenta desafios significativos.

Uma pesquisa da Aneinfra Sindical (Sindicato Nacional dos Analistas e Especialistas em Infraestrutura) revela que mais de 60% dos profissionais da categoria estão buscando oportunidades em outros concursos, evidenciando uma tendência preocupante de debandada de talentos experientes.

Isso é reflexo direto das condições atuais de trabalho, que incluem remuneração não competitiva e falta de reconhecimento. O abandono de profissionais experientes – todos com entre 10 e 15 anos no cargo – não só ameaça a eficiência e a eficácia na gestão de projetos de infraestrutura, mas também representa um desperdício de investimento em formação e experiência acumulada.

Esse iminente abandono se torna ainda mais gritante com a aproximação do concurso nacional unificado, oferecendo 6.640 vagas, centenas delas com salários iniciais que superam a remuneração do final de carreira da categoria de infraestrutura.

O estudo de Santos é um apelo para uma mudança radical. Ao demonstrar que esses servidores foram reconhecidos, de direito e de fato, como carreira de gestão governamental – mas não na remuneração e nas condições de trabalho – ele argumenta pela necessidade de reestruturação da categoria, propondo melhorias salariais e de condições de trabalho, além de uma valorização que reflita a complexidade e a importância de seu papel no desenvolvimento nacional.

Essa é uma estratégia para atrair e manter talentos de alto nível na categoria, crucial para o sucesso de iniciativas como o novo PAC.

E por falar em novo PAC, uma iniciativa ambiciosa do governo para impulsionar a infraestrutura do país, o programa enfrenta riscos significativos de ineficiência sem uma equipe dedicada e qualificada.

O estudo de Santos destaca que a falta de ação em relação à reestruturação da categoria poderia não apenas atrasar os projetos, mas também aumentar os custos e reduzir a qualidade das obras. O investimento em infraestrutura no Brasil permanece abaixo do necessário – não alcança sequer 2% do PIB anualmente.

É sabido, entretanto, que para alcançar a média mundial de estoque de infraestrutura, seria necessário investir entre 4,8% e 7%. Esse investimento insuficiente, aliado à perspectiva de uma equipe de gestão reduzida e desmotivada, coloca em risco a eficácia dos programas de infraestrutura e, por extensão, todo o desenvolvimento econômico do país.

Colocando a situação em números, o novo PAC pretende alavancar R$ 1,7 trilhão de investimentos em infraestrutura, sendo R$ 1,4 trilhão até 2026, cifras essas que passarão necessariamente pela gestão da categoria de infraestrutura.

A reestruturação proposta no estudo de Santos calculou um custo de cerca de R$ 300 milhões até 2026 para sua efetiva implementação, equivalente a 0,02% do valor que será gerido pelos analistas e especialistas em infraestrutura no mesmo período. Ou seja, o custo da valorização dessa categoria, fundamental para garantir o sucesso do novo PAC, é de irrisórios dois centavos para cada R$ 100 reais investidos.

Neste contexto de grandes números, a reestruturação da categoria de infraestrutura não é apenas uma questão de equidade salarial, mas uma estratégia crítica para o sucesso nacional. A proposta de reestruturação sugerida pelo estudo inclui a criação de um novo cargo de Especialista em Infraestrutura, com uma estrutura remuneratória mais atraente e um plano de carreira que reconheça e recompense a expertise técnica e a experiência.

Essas mudanças são essenciais para reter talentos e garantir que o Brasil tenha a capacidade de gerir projetos de infraestrutura complexos e vitais. Citando apenas um empreendimento, o projeto de integração do rio São Francisco, que finalmente faz a água chegar a cerca de 12 milhões de habitantes das regiões mais áridas do Nordeste, é um feito que tem o carimbo dos analistas e especialistas em infraestrutura, só tendo efetivamente saído do papel após o primeiro concurso para esses cargos, por ocasião da implementação do PAC 1.

O estudo de Santos também destaca a necessidade de uma abordagem mais holística, integrando a reestruturação dessa categoria com políticas de desenvolvimento nacional mais amplas. Isso inclui o fortalecimento da capacidade institucional, a melhoria da governança de projetos e a promoção da inovação e da sustentabilidade em todas as iniciativas de infraestrutura.

A reestruturação proposta, de custo irrisório, é um investimento no futuro do Brasil. Além de proporcionar melhorias imediatas nas condições de trabalho desses profissionais, ela prepara o terreno para um desenvolvimento mais eficiente e sustentável.

Ao valorizar e capacitar aqueles que estão na linha de frente da implementação de infraestrutura, o Brasil pode assegurar que seus ambiciosos planos de desenvolvimento não sejam meras promessas. A infraestrutura é a força motriz do crescimento econômico e do bem-estar social, e investir em quem a planeja, gerencia e implementa é garantir que essa força seja canalizada eficientemente para o progresso sustentável do Brasil.

Portanto, é imperativo que o governo e a sociedade civil tomem conhecimento das informações contidas no estudo de Santos. As melhorias propostas irão aumentar a atratividade da categoria, reter talentos essenciais e, mais importante, garantir a implementação eficaz e eficiente de projetos críticos para o desenvolvimento nacional. O sucesso do novo PAC e, de fato, do futuro econômico do Brasil, dependem inegavelmente da valorização e do fortalecimento da categoria de infraestrutura.

*Marcelo Binenbojm é mestre em gestão pública pela Universidade de Brasília e vice-presidente da Associação Nacional dos Analistas e Especialistas em Infraestrutura
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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