Descentralização da geração de energia elétrica cria movimento histórico no país

Arthur Sousa*

A descentralização da produção de energia elétrica no Brasil, a chamada GD (Geração Distribuída), já é realidade em todos os 27 estados da federação, com maior volume ainda em São Paulo e Minas Gerais, mas se expandindo para o restante do país.

O movimento de GD que deu os primeiros passos em 2012 ganhou uma velocidade impressionante e inédita se considerarmos quaisquer das infraestruturas sobre as quais possamos comparar. Não há infraestrutura de comunicação ou de portos, rodoviária, aeroportuária ou de saneamento que tenha se universalizado e se tornado mais democrática do que a geração solar distribuída no Brasil.

Essa revolução ajudou a transformar a geração de energia solar, feita a partir de painéis fotovoltaicos – que se espalham rapidamente –, como a segunda fonte de produção de eletricidade no país.

Hoje, a base instalada de geração solar, considerando dados consolidados em dezembro de 2023, alcançou a incrível capacidade de 37,3 GW, o equivalente a mais de duas Itaipus ou mais de três vezes o tamanho da hidrelétrica de Belo Monte. Uma expansão que exigiu R$ 181 bilhões em investimentos nos últimos anos e gerou mais de 1,1 milhão de empregos, segundo dados compilados pela associação do setor, a Absolar.

Também foi a responsável por tornar o Brasil ainda mais uma potência ambiental. A geração solar evitou a emissão de quase 50 milhões de toneladas de CO2 para a atmosfera e ainda tem ajudado o setor industrial brasileiro a avançar na agenda da transição energética, quando empresas de diversos setores estão apostando em projetos de geração distribuída para suprir – com vantagens de custo – suas fontes tradicionais de suprimento de energia baseadas em fontes não renováveis.

Apenas a denominada geração solar distribuída, aquela produzida por kits instalados em residências, unidades comerciais ou de serviço, nas indústrias e pequenas usinas solares de geração remota, alcançou a marca de 26,6 GW, o equivalente a mais de 70% de toda a base instalada de produção de energia solar no Brasil (neste caso, incluindo a chamada geração centralizada).

Dados do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), o responsável por todo o gerenciamento em tempo real de toda a produção de energia para assegurar o atendimento do Brasil, mostram que até o final de 2027 apenas a geração solar distribuída alcançará 40 GW de base instalada em todo o país.

Os números de unidades abastecidas com essa fonte impressionam. Atualmente, são 2,3 milhões de sistemas de geração distribuída conectados à rede, conectadas ao chamado SIN (Sistema Interligado Nacional).

Já há no Brasil mais de 3,3 milhões de unidades consumidores da energia solar e que recebem créditos de suas respectivas distribuidoras às quais estão ligados por ter um sistema de geração próprio de energia. Como geram mais do que consomem, podem injetar o excedente na rede de distribuição local, o que torna essa oferta de energia ainda mais eficiente e próxima dos centros de consumo.

Em nenhuma outra infraestrutura o consumidor pode escolher por um uso sustentável (no caso a solar) e quem lhe fornecerá o serviço. Isso não ocorre no saneamento, em portos, aeroportos ou comunicação. Na geração de energia isso já é uma realidade.

E isso não se resume aos consumidores. A descentralização do investimento começa a criar uma rede de pequenos investidores locais, que passam a ter uma opção de remunerar seu capital com um negócio de longo prazo e estável. Não há nada em se tratando de investimento em infraestrutura que ofereça tal oportunidade no Brasil.

Se pensarmos em fontes centralizadas como Belo Monte, por exemplo, podemos compreender do que estamos falando. A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, localizada no Estado do Pará, está a mais de três mil quilômetros do principal centro de demanda de energia, em São Paulo.

Para trazer a energia até o maior estado do país foi necessário a construção de uma linha de transmissão de quase três mil quilômetros. Isso gera inevitavelmente perdas.

As hidrelétricas, que hoje representam quase metade da base instalada no país, foram e são importantes, mas tende a ganhar mais e mais relevância a geração solar distribuída nos próximos anos, não apenas em razão dos investimentos previstos para novos sistemas, mas também por novas tecnologias de armazenamento desta energia que estão surgindo.

As baterias de íon-lítio, que poderão armazenar a energia gerada e não consumida, terão papel central nos próximos anos, o que viabiliza algo que hoje é impossível: a oferta de energia solar inclusive à noite.

Esses sistemas de armazenamento serão carregados durante o dia e poderão ser acionados nos períodos de mais demanda do Sistema Interligado Nacional, sempre, claro, sob a gestão do ONS.

A revolução está no fato de converter uma energia intermitente e uma energia estável e firme, que pode ganhar relevância e mais uma opção no cardápio de geração administrado pelo Operador. Dada a evolução da geração solar distribuída não é mais distante esse novo cenário no país.

Os custos desses sistemas de armazenamento tendem a ficar mais baratos nos próximos anos, alcançando valores de R$ 1.7 mil por KWh. Hoje esses valores estão próximos a R$ 4 mil por kWh, segundo dados da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) em estudo para elaboração do Plano Decenal de Expansão de Energia.

A previsão é que o processo de barateamento das baterias para uso automotivo, que já está ocorrendo, também aconteça para sistemas de armazenamento de geração de energia renováveis, como a solar.

Estamos diante de um momento histórico para o setor elétrico brasileiro, principalmente para a geração solar distribuída. Essa expansão, capilar, descentralizada e democratizada da forma como está ocorrendo, cria benefícios para todas as regiões do país; gera novas oportunidades de negócios, além de promover a abertura de milhares de novos empregos. Tudo isso já justifica o desenvolvimento de uma base industrial orientada para a produção e desenvolvimento de bens e serviços para o setor de GD.

*Arthur Sousa é sócio-diretor da Servtec Energia, Conselheiro do Instituto de Energia e Meio Ambiente e Membro da Mobilização Empresarial pela Inovação da CNI. Foi CEO da GDSUN e vice-presidente da Concremat Engenharia, empresa do grupo chinês CCCC.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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