“Tiramos muito caminhão da rua”, diz CEO da primeira empresa a operar contêineres pela BR do Mar

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

A primeira empresa a fazer transporte de contêineres por navios dentro do país usando as regras da BR do Mar (Lei 14.301/2021) chegou em menos de seis meses de operação a 21% de participação nos mercados atendidos.

Com quatro navios com capacidade para 3,5 mil TEUs (unidades de contêineres) operando numa rota que passa pelos portos de Manaus (AM), Suape (PE), Pecém (CE), Santos (SP) e Paranaguá (PR), a Norcoast estima tirar mais de 1,5 mil dessas caixas do transporte que era, até então, o mais usado, mesmo para longas distâncias, os caminhões.

“É muito caminhão que a gente tá tirando da rua”, disse o CEO da companhia, Gustavo Paschoa.

Em conversa com a Agência iNFRA, Paschoa diz que não tem dúvida de que o mercado tem capacidade para crescer muito mais e que mesmo esse crescimento inicial atende apenas a uma “demanda reprimida” pela falta de navios operando na costa brasileira até então.

“De cada 10 contêineres, quase cinco deles poderiam estar na cabotagem se você tivesse mais capacidade no sistema. Nos últimos 15 anos, a cabotagem cresce na média 11% ao ano porque você ainda tem uma demanda reprimida nesse mercado”, explicou Paschoa, contando que já são 400 clientes ativos na empresa, a maioria de empresas que já usavam cabotagem, queriam expandir, mas não tinham espaço.

A história da Norcoast começa um pouco antes da BR do Mar, com conversas entre uma grande empresa de navegação nacional, a Norsul, que opera cabotagem em outros produtos, e a Hapag-Lloyd, uma das grandes operadoras internacionais de contêineres, a única que não tinha empresa nacional associada para fazer cabotagem.

O mercado de cabotagem é restrito a empresas nacionais por lei. Três dominam praticamente 100%. Até a BR do Mar, a cabotagem era restrita também a navios que eram construídos no Brasil. A briga de quase dois anos para aprovar a mudança legislativa era para acabar com a restrição a que a cabotagem só pudesse ser feita com navios nacionais.

A lei quebrou parte das restrições ao uso de navios estrangeiros, mas havia uma aposta por parte dos opositores da proposta de que, da forma como foi feita, ela acabaria não tendo efeitos. Isso porque as empresas que afretariam navios estrangeiros nas novas regras teriam custos altos para colocar tripulação nacional e não haveria incentivos para essas aquisições.

Os quatro navios da Norcoast foram afretados nesse modelo (tecnicamente chamado de afretamento a casco nu) e operam hoje com 168 marítimos nacionais (a empresa tem 300 funcionários no total). Segundo Paschoa, a ideia é seguir em expansão, e um acordo para operar também no Porto de Itajaí (SC) está em vias de ser fechado.

“Perguntaram para os maiores embarcadores médios e grandes qual era a tendência deles de fechamento entre os modais. E a cabotagem é o que mais tem o desejo dos embarcadores de transformar ou de migrar a carga deles”, explicou o CEO, lembrando que alguns países chegam a ter 50% do transporte de contêineres por navios e no Brasil esse número não chega a 3%.
Segundo Paschoa, a empresa tomou alguns cuidados para garantir o atendimento, entre eles o de ter uma frequência regular semanal e também capacidade fixa. Isso porque os quatro navios são exatamente do mesmo tamanho e é possível garantir a todos que haverá espaço para transportar e o contêiner não precisará esperar um outro navio com capacidade. 

Além disso, a companhia opera porta a porta, oferecendo um sistema de consulta de preços e rastreamento da carga completo. As operações que não são de cabotagem são feitas por empresas parceiras, mas com responsabilidade da Norcoast. 

Inclusive o uso de caminhões para a entrega em rotas curtas, que ele defende como o melhor modelo para esse tipo de transporte. Segundo ele, os caminhoneiros que fazem transportes de longo curso em geral têm renda menor e problemas diversos por ficarem distantes da família por meses.

Licença “brigada”
Obter a primeira licença para operar nas normas da BR do Mar, no entanto, foi “brigado”, segundo o CEO. A lei ainda não está completamente regulamentada e houve resistências na ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) a permitir a operação proposta pela Norcoast.

No fim de 2023, após quase um ano de avaliação, a agência emitiu a licença entendendo que a Norcoast pedia enquadramento em regras que não dependiam do decreto regulamentador da lei, que está há anos parado.

Falta de mão de obra é desafio
Mas os desafios, segundo Paschoa, ainda persistem, para que a empresa possa seguir crescendo no mercado, cujo share foi conquistado praticamente sem reduzir o mercado de concorrentes. Ele cita dois como principais: a falta de infraestrutura e a falta de mão de obra no setor marítimo para armar os navios. 

No caso da mão de obra, ele diz que a falta de pessoal treinado disponível obrigou a empresa a buscar mão de obra em outras companhias e aposentados, o que para ele leva a um limite de sustentabilidade dos negócios no futuro se houver crescimento. 

“A gente já tá entrando num período nos próximos três anos aqui de colapso de falta de marítimos mesmo. Não tem marítimos para tripular com a quantidade de navios que está projetada”, explica Paschoa.

Infraestrutura em Santos
Mas a maior preocupação é com a falta de infraestrutura para operação de contêineres nos portos brasileiros, especialmente em Santos. Segundo Paschoa, a operação de cabotagem necessita que os navios de grande porte entrem com a maior capacidade possível, mas a falta de dragagem dos canais tem restringido essa operação.

Além disso, segundo ele, em Santos os terminais portuários de contêineres estão operando com capacidade acima do que é recomendado, o que reduz a capacidade da operação. Ele lembra que a capacidade de Santos não é ampliada há muitos anos e o mercado só vem crescendo.

Mudanças climáticas nos rios da Amazônia
Outra restrição é em relação à operação em Manaus, cuja rota com o Porto de Santos responde por quase metade da cabotagem de contêiner no país. Segundo ele, pelo segundo ano seguido, por falta de dragagem nos rios mesmo diante de secas anunciadas, as operações serão feitas com sérias restrições. E o indicativo é que isso pode ser uma condição permanente.

“Até o ano passado, se entendia que essa seca extrema estava ligada ao El Niño, que é um fenômeno cíclico. Alguns estudos meteorológicos mostraram agora que a seca não está ligada ao El Niño, e sim ao aquecimento global. Isso significa que essas as mudanças extremas, cheias ou secas históricas, vão ser permanentes”, afirmou Paschoa.

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