11/08/2025 | 09h00  •  Atualização: 12/08/2025 | 13h47

Setor está preocupado com penalidade por descumprimento das regras do fim do desconto no fio

Foto: Governo Federal

Lais Carregosa, da Agência iNFRA

Os segmentos de geração solar e eólica, comercialização e de consumidores industriais estão preocupados com a criação de um encargo extraordinário, previsto em minuta de portaria que vai regulamentar o fim dos descontos nos fios de distribuição e transmissão para a categoria consumo a partir de janeiro de 2026. O encargo funciona como uma “penalidade” aos agentes que descumprirem as regras de transição, segundo explicaram especialistas, e equivale a três vezes a cota unitária da CDE (Conta de Desenvolvimento Econômico) – que banca os subsídios do setor elétrico. 

“Especialmente para contratos legados, um valor tão alto, um ônus tão alto, pode acabar inviabilizando toda uma operação”, afirmou o diretor regulatório da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), Francisco Silva.

A portaria regulamenta um trecho da MP (Medida Provisória) 1.300/2025, que dá fim aos subsídios aos consumidores de fontes incentivadas, como eólica e solar. Para coibir registros fraudulentos de contratos junto à CCEE (Câmara de Comercialização de Energia), o MME (Ministério de Minas e Energia) criou normas de transição, como o registro antecipado dos volumes de energia a serem consumidos durante a vigência do contrato.

Conforme a minuta de portaria, para o agente que descumprir as regras, será cobrado um valor de três vezes a cota unitária da CDE, multiplicado pelos volumes de energia que divergirem dos valores registrados na CCEE. 

Estarão isentos da cobrança desvios inferiores a 5% e, no caso de contratos que envolvam geração ou consumo, se estiverem dentro do intervalo de 20% (nível de flexibilidade admitido pela portaria).

Penalidade
Segundo a analista de energia da Abrace (que representa os grandes consumidores), Natália Moura de Oliveira, a regra da portaria prevê que o valor unitário do encargo extraordinário será de: 

– três vezes a cota unitária da CDE-Uso, quando o contrato envolver um consumidor; ou
– três vezes o valor médio da CDE unitária do Brasil, caso o contrato não envolva um consumidor. Neste caso, o valor médio é de R$ 85/MWh.

Por exemplo: se a portaria fosse aplicada hoje para um contrato assinado entre comercializador e consumidor em alta tensão na região Sudeste, o encargo seria de R$ 58,57 por MWh (megawatt-hora) multiplicado por três, conforme os dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) para as cotas da CDE-Uso em 2025. Ou seja, equivaleria a R$ 175,71 por MWh.

Esse montante seria então multiplicado pelo volume de energia que superasse o valor registrado junto à CCEE. O resultado seria dividido meio a meio entre comprador e vendedor, conforme o texto da portaria.

Rateio
Comercializadores e geradores também estão preocupados com a forma de rateio do encargo extraordinário. Na minuta de portaria, a penalidade é dividida igualmente entre vendedor e comprador da energia.

De acordo com o presidente da Abraceel (Associação Brasileira de Comercializadores de Energia), Rodrigo Ferreira, o comercializador pode ser “punido e penalizado, pagando uma multa se o consumidor dele gastar menos de energia do que contratou. […] E eu não tenho gerência sobre o consumo do meu consumidor”, indagou.

Segundo Francisco Silva, da Abeeólica, a associação sugeriu ao MME que o rateio seja feito conforme acordo entre comprador e vendedor, sem a imposição da divisão automática de 50% para um e 50% para outro.

“O que estamos propondo é excluir os contratos anteriores [à publicação da MP], pelo menos eles, dessa regra e para os novos contratos permitir que a divisão seja negociada livremente entre as empresas”, afirmou.

Contratos antigos
Francisco conta que a associação contribuiu na consulta pública do MME (Ministério de Minas e Energia), aberta entre 24 de junho e 24 de julho, no sentido de aplicar o encargo extraordinário apenas para os contratos celebrados após a publicação da medida provisória. 

Segundo o diretor, há um risco de as regras serem aplicadas aos contratos anteriores à MP, que ele chama de “legados”, o que poderia inviabilizar empreendimentos. Contudo, ele frisa que a associação entende que os ajustes necessários são anteriores à portaria e devem ser feitos no texto da MP 1.300/2025.

Segundo a diretora técnico-regulatória da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), Talita Porto, a associação contratou um parecer jurídico sobre a “ausência de legalidade” na criação do encargo. “Quando os agentes que participam do mercado fizeram uma contratação de energia, eles não tinham esse dever, esse encargo extraordinário. Então a medida cria uma obrigação nova, que não está prevista na legislação anterior”, afirmou.

Publicação “prematura”
Para Talita, a abertura da consulta pública para a portaria foi “prematura”, uma vez que a MP 1.300/2025 pode sofrer alterações no Congresso. Além disso, a associação questiona a legalidade da MP à medida que propõe o fim dos descontos a partir de janeiro de 2026.

“Sabemos que tem toda uma série de tramitação no Congresso Nacional, toda uma etapa legislativa, que pode mudar a Medida Provisória. Então, tem uma série de resultados que ainda vão [surgir] em relação à tramitação, aí o próprio trabalho da consulta pública pode se tornar até inválido”, disse.

A diretora da Absolar também ressalta que não houve a elaboração de uma AIR (Análise de Impacto Regulatório) para avaliar os efeitos da aplicação do encargo. A própria fixação do valor como três vezes a CDE seria “arbitrária”, defende. 

“E tem uma outra questão também que a portaria não prevê mecanismo de ampla defesa ao contraditório [para os agentes eventualmente penalizados pelo encargo]”, destacou.

Cota da CDE
Para Natália, da Abrace, há uma discrepância entre o que consta na MP e o que foi posto em consulta na portaria do MME. Isso porque a medida prevê que o encargo esteja relacionado às tarifas de uso do sistema e não à CDE, afirma.

“A cota unitária da CDE muda ano a ano por flutuações orçamentárias da CDE, que podem não ter nada a ver com o desconto no fio”, afirmou. Natália cita o caso da CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), que arca com o custo dos combustíveis para usinas termelétricas nos sistemas isolados. Além das variações do dólar e da cotação do petróleo, às quais a CCC é sensível, a conta também banca flexibilizações regulatórias da distribuidora Amazonas Energia, por exemplo.

“Isso vai influenciar a CDE, vai influenciar a cota unitária e não tem nada a ver com o benefício que está sendo alvo da penalidade que você quer coibir, que é o registro fraudulento dos contratos. Não tem nada a ver com o desconto no fio”, declarou.

Por isso, conta Natália, a Abrace propôs ao MME que estabeleça um encargo extraordinário vinculado ao custo do fio, que é sobre onde incide o desconto do consumidor de fonte incentivada.

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