iNFRADebate: E se todos os projetos ferroviários disponíveis para transporte de cargas saíssem do papel?

Urubatan Silva Tupinambá Filho*

Nos veículos de comunicação e em pautas políticas, quase sempre nos deparamos com reivindicações e apelos em implantar mais ferrovias no Brasil, sendo algumas concretizadas pelo governo federal, como a Ferrovia Norte-Sul (nesse caso, consolidada pela Valec e subconcedida para a Rumo Logística) e, brevemente, a FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), e outras sendo ensaiadas e pretendidas pelas empresas privadas como a Vale e a Rumo. Fazendo um “hub” de todos os projetos ferroviários noticiados e voltados para o transporte de cargas, como seria o modal ferroviário contemplando todas as estradas de ferro que foram divulgadas? Como a matriz de transporte de cargas estaria na nova conjectura? Haveria mudanças significativas? Veremos adiante.

Ao buscar informações para a elaboração do presente texto, encontramos 21 ferrovias, sendo 19 no papel – ou nas intenções – e duas vias férreas sendo construídas: FIOL (no total de 1.527 km, sendo 537 km destinados para o leilão no início de 2020) e Transnordestina (retomando as obras e com o total de 1.753 km). A Ferrogrão e a FICO (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) estão no rol de projetos do governo federal, sob a chancela do Ministério da Infraestrutura e, no caso da Ferrogrão, também pelo PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) da Casa Civil. Uma ferrovia que não foi contabilizada é a Ferrovia Gabriel Hermes no estado do Pará. Sem “sponsors”, a ferrovia estadual declinou.  

A seguir, tomamos ciência das ferrovias verificadas:

E das suas disposições territoriais no país:

Excetuando-se a Ferrogrão, que teve divulgado o dado de demanda inicial em 13 milhões de TU1, para as outras ferrovias foram considerados 15 milhões de TU para fins de cálculo e critério mínimo para que uma ferrovia possa tornar-se viável. Ao longo do tempo, as demandas tenderão ao crescimento, podendo atingir 68,4 milhões de TU1 na FNS Tramo Central e 38,3 milhões de TU1 em 2030 na Ferrogrão, por exemplo.

Em um cenário de demanda com o início tímido, a movimentação de carga a ser acrescida pelo advento das novas ferrovias será de 264.655 milhões de TKU. E isso acarretará em quê? Qual o impacto com essa produtividade?  

Matriz de Transporte de Cargas Projetada

Atualmente, a MTC (matriz de transporte de cargas) apresenta a seguinte proporção2: O modal rodoviário, com 485.625 milhões de TKU (61,09%); ferroviário, com 164.809 milhões de TKU (20,73%); aquaviário, com 108.000 milhões de TKU (13,59%); dutoviário, com 33.300 milhões de TKU (4,19%); e o aeroviário, com 3.169 milhões de TKU (0,40%).

Com a adição de 264.655 milhões de TKU, a MTC terá esta configuração:

Considerações e conclusões

É clarividente que a análise está parametrizada, parcialmente realizada. O fomento e os estímulos consideraram somente o modal ferroviário. Mas abre a oportunidade para reflexão e cabe citar alguns pontos:

  1. A tendência de crescimento das ferrovias é latente;
  2. O modal rodoviário tende a migrar um percentual das cargas para os outros modais, em especial o ferroviário, por apresentar custos maiores de frete. Logo, diferente dos outros transportes, o seu percentual modal tende a decrescer;
  3. As políticas ministeriais, como o programa BR do Mar para a navegação de cabotagem no país, e legislativas, como a MP 863/2018 para a abertura do mercado aéreo para o capital estrangeiro, são ações catalisadoras que tendem ao aumento do desempenho do transporte aquaviário e aeroviário, respectivamente;
  4. Entre os 30 mil km de ferrovias no Brasil, cerca de 8,5 mil km estão desativados, inoperantes, abandonados ou pouco movimentados. Um programa de recuperação dessas vias férreas aportará mais produção a esse transporte;
  5. O projeto de lei do Senado 261/2018 dá autonomia por autorização e autorregulação para exploração ferroviária voltada à iniciativa privada. Logo, é mais uma variável que tenderá a influenciar positivamente no modal ferroviário.
  6. Os investimentos dos atuais concessionários ferroviários nas suas linhas como a duplicação da Estrada de Ferro Carajás e no horizonte das próximas décadas permitirá mais eficiência e produtividade, incrementando sinergia nesse modal. 

No tratante às ferrovias com “slot” privado, das 21 ferrovias citadas a priori, cinco têm iniciativas privadas, podendo ser acrescidas pela participação da Vale nas construções da FICO de Mara Rosa (GO) a Água Boa (MT) e de Cariacica (ES) a Ubu (ES), ambas atreladas às obrigações contratuais no processo da renovação antecipada da concessão da EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas)3. Ou seja, o planejamento e o investimento em infraestrutura exigirá cada vez mais a interação com o setor privado, emissões de debêntures e uso dos fundos de investimentos nacionais ou internacionais para estruturar cada via férrea elencada.

O futuro ao Brasil pertence

As ferrovias no Brasil apresentam uma margem significativa para o desenvolvimento. Os investimentos são os propulsores para a economia, geração de empregos, ambiente de negócios e maior atuação do país no mercado externo com melhor logística. O estoque de infraestrutura precisa retornar aos seus tempos áureos, quando era próximo de 60% do PIB (Produto Interno Bruto) na década de 19804. Hoje, o estoque de capital de infraestrutura está em 36,3%4,5.

Antes tínhamos investimentos, mas, segundo diziam, não tínhamos projetos. Atualmente, seguimos no caminho inverso. É necessário alinhar essas e outras variantes para recuperar 60 anos na qual as ferrovias ficaram estagnadas. As reformas da Previdência e Tributária, projetos de lei como a citada 261/2018 e o PL 3.453/08 das Parcerias Público-Privadas são alguns dos ingredientes perfeitos para que o país possa alavancar na agenda de infraestrutura. 

Além dos fatores econômicos, financeiros e legais, a engenharia tem o seu papel fundamental no processo. É o que torna os desejos em realidade, aperfeiçoa o processo decisório e desenvolve o empreendimento. A fase de anteprojeto pelos EVTEA (Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) darão a sustentação técnica utilizando métodos e análises na definição das soluções. Nesse caso, deve-se citar a análise multicriterial6 – pelo AHP (processo de análise hierárquica) – que irá ponderar os estudos de mercado, estudos ambientais, estudos de engenharia e estudos operacionais para a convergência dos dados, estruturando e mostrando a viabilidade dos projetos ferroviários.  

Temos um caminho a ser seguido rumo ao progresso. Tão importante quanto escolher esse caminho, é necessário saber como – e de que forma – ir.

¹Dados obtidos do PPI (Governo Federal).
²Boletim Estatístico da Confederação Nacional do Transporte (fevereiro de 2019).
³GazetaOnline – No ES, Vale vai construir ferrovia até Anchieta (20/06/2019).
⁴Poder360 – Brasil levará uma geração para atingir nível ideal de infraestrutura (29/08/2019).
⁵Folha de S.Paulo – Infraestrutura mira regulação para crescer (08/09/2019).
⁶Manual de Elaboração dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental da Valec.
*Urubatan Silva Tupinambá Filho é analista na área ferroviária da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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