iNFRADebate: O novo normal da infraestrutura brasileira

Massami Uyeda Junior*

Os ciclos de desenvolvimento econômico no Brasil definitivamente dependem do humor dos deuses. Desde meados do século passado estamos ensaiando o nosso ingresso no mundo das grandes economias desenvolvidas, mas nem sequer tivemos uma temporada estável de crescimento macroeconômico no país. Sempre sujeitos a choques externos, internos, econômicos, políticos, sociais ou naturais que interromperam as tentativas de formação e compartilhamento de riqueza que alcançassem e fizessem jus aos números e às proporções continentais brasileiras.

Mais recentemente, vimos o Brasil lutar com todas as forças na busca de um equilíbrio orçamentário e de uma disciplina fiscal, necessários para criar as condições para uma nova tentativa de retomada de crescimento econômico sustentável, em um receituário que também prescrevia como prioritário o fomento e a melhoria da infraestrutura do país por meio das parcerias público-privadas para realização de investimentos em projetos de capital intensivo e na privatização da prestação de serviços públicos.

E eis que irrompe a pandemia da Covid-19. Os serviços públicos sofrem de imediato os impactos das medidas restritivas de circulação e comércio. O tráfego e os fluxos dos modais de transporte se reduzem pela metade, a inadimplência nas cobranças das tarifas de serviços públicos aumenta, mas a prestação de serviços essenciais permanece constante a um custo e esforço que oportunamente deverão ser compensados. A urgência e prioridade é a estabilidade do sistema.

Medidas urgentes de irrigação de recursos para a atividade econômica e para as camadas mais vulneráveis estão sendo adotadas. O importante é fazer fluir e circular o dinheiro em um momento de paralisação das relações de trocas, sendo a queda de renda, do consumo e o aumento do desemprego uma realidade que se avizinha. A retomada da confiança – confiança é o que move a economia – dos agentes econômicos dependerá de medidas estatais assertivas que impulsionem as atividades econômicas geradoras de emprego, renda e consumo.

Antes mesmo do fim do isolamento, precisamos discutir e planejar as medidas de reconstrução da economia do país e literatura econômica não falta para isso – já estamos suficientes de achismos –, mas não basta. Necessário ajustar o receituário clássico às particularidades brasileiras: propagandear simplisticamente uma injeção de recursos para impulsionar os investimentos em infraestrutura, que aliás já estão sendo debatidos, não se aplica ao Brasil, pois temos desafios próprios tais como os déficits orçamentários recorrentes e insolúveis em todos os entes da Federação; os marcos regulatórios fragilizados por constantes ataques provocados pelos Três Poderes da República; a reduzida capacidade de financiamento privado de longo prazo e a baixíssima atratividade para o capital estrangeiro de longa permanência.

Inimaginável que os investimentos em infraestrutura para geração de empregos e retomada da economia virão de investimentos diretos do Estado brasileiro, a exemplo do New Deal. Não havia e não haverá capacidade orçamentária para tanto. A alternativa seria insistir na expansão das PPPs (parcerias público-privadas). Contudo, os investidores privados requerem estabilidade e previsibilidade das regras neste jogo – um pouco difícil tendo em vista o desrespeito ao marco regulatório.

Ademais, os projetos de infraestrutura de capital intensivo necessitam alavancagem financeira com prazos, moedas e taxas de juros compatíveis para proporcionar rentabilidade mínima para o investidor privado. Para tanto, teremos que recorrer aos bancos de fomento estatais e às agências multilaterais (lenders of last resort). E com relação ao capital estrangeiro, difícil prever seu comportamento frente aos efeitos da pandemia em inúmeros outros países com múltiplas oportunidades de investimentos em diferentes e melhores condições de risco/retorno.

Quid agendum. Situações extraordinárias requerem soluções inovadoras e corajosas. Indiscutível que um aumento expressivo dos investimentos em infraestrutura será um vetor fundamental para retomada sustentável da atividade econômica, gerador imediato de empregos, com a distribuição pulverizada de renda, aumento da produtividade e motor das cadeias de produção. Como fazê-lo? Há algumas alavancas que temos em mãos prontas para uso.

Atualmente há nas esferas federal, estadual e municipal dezenas de contratos de concessão em vigor próximo de seus termos originais. Esses contratos de concessão que vem cumprindo regularmente os serviços públicos atribuídos constituem-se uma plataforma legalmente vigente para a retomada imediata de novos investimentos. Não obstante estarem próximo de seus términos, os contratos de concessão permitem que novos investimentos sejam realizados e/ou serviços sejam expandidos, pois estão sujeitos, por lei, às alterações unilaterais impostas pelos poderes concedentes.

A tendência dos poderes concedentes antes da pandemia era licitar a concessão ao término dos contratos na busca de uma melhor oferta, ainda que incorrendo nos prazos regulamentares e incertezas dos novos certames. Atualmente a opção que temos é de aproveitar os contratos e ajustá-los, de forma a promover imediatamente execução de novos investimentos, sem qualquer necessidade de alterações na base legal vigente. Ademais, as concessionárias gozam de crédito e credibilidade para buscar novas contratações de empréstimos no mercado local ou internacional.

O novo normal da infraestrutura brasileira irá requerer uma maior criatividade dos agentes envolvidos na utilização de alavancas legalmente previstas, econômica e financeiramente eficientes, evitando-se a deterioração ou mesmo a solução de continuidade na disponibilidade e na prestação de serviços públicos no país.

*Massami Uyeda Junior é sócio da Arap, Nishi & Uyeda Advogados. Advogado especializado no setor de infraestrutura e serviços públicos desde 1991.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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