Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O diretor-geral substituto da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), Francisval Mendes, afirmou que a proposta da área técnica da agência para a regulamentação do SSE (Serviço de Segregação e Entrega), também chamado de THC2, é um tabelamento de preços.
Usando termos duros para classificar a proposta, que foi referendada pela ex-diretora da agência Gabriela Costa (quando ocupava o cargo como substituta), Mendes votou por não referendar nenhum item da proposta, refazer a AIR (Análise de Impacto Regulatório) sobre o tema, promovendo nova audiência pública.
O voto deverá ser levado à próxima reunião de diretoria da ANTAQ. O diretor Adalberto Tokarski é quem vai decidir qual das duas propostas será aprovada pela agência.
O SSE/THC2 é uma polêmica que se arrasta há décadas no setor portuário. Os terminais “molhados” (com acesso aos navios) cobram dos terminais “secos” (chamados retroalfandegados) pela entrega dos contêineres de importação. Alegam que há um serviço extra de movimentação para os concorrentes.
Os terminais retroalfandegados vêm judicializando o tema alegando que a cobrança é indevida porque já estaria incluída no preço pago pelos navios aos terminais molhados. Além da Justiça, TCU (Tribunal de Contas da União) e Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) também têm decisões sobre o tema.
Uma delas, do TCU, fez com que a ANTAQ editasse a Resolução Normativa 34, para regulamentar cobranças abusivas de SSE pelos terminais molhados. A resolução falava que, “no caso em que restar demonstrada a verossimilhança de que exista abuso ilegal na cobrança do SSE, a ANTAQ poderá estabelecer o preço máximo a ser cobrado a esse título, mediante prévio estabelecimento e publicidade dos critérios a serem utilizados para sua definição”.
Desvirtuamento
De acordo com o diretor Mendes, que votou no processo da RN 34, a SRG (Superintendência de Regulação) da agência desvirtuou completamente o que estava previsto na norma aprovada pela diretoria ao propor na regulamentação desse item da norma uma espécie de preço-teto nacional para o SSE, incluindo uma franquia, conforme mostrou a Agência iNFRA.
“Os fundamentos da decisão tomada e seu conteúdo ipsis litteris não encontram guarida ou consequência lógica que possa ter conduzido ao texto da norma ora proposta pela Superintendência de Regulação, tampouco apontam para o estabelecimento precoce de valores nacionais padronizados, baseados em somas fortemente atreladas simplesmente a custos, gerando efeitos indesejados e combatidos pelo próprio processo de origem da RN 34, a chegar ao ponto de uma possível ‘sensação de tabelamento de preço nacional'”, diz Mendes em seu voto.
Mendes aponta ainda que o problema começou já na AIR apresentada pela SRG para a regulação da RN 34, que segundo ele desvirtuou o que pretendia a agência e, com justificativas “famélicas” e “ideário intervencionista”, estabeleceu um preço-teto a priori e nacional para o SSE. Por isso, ele pede nova AIR, com audiências públicas sobre o tema, para que seja criada um fórmula de avaliação de abusividade em casos concretos (a posteriori).
“O efeito provável e previsível da aprovação de preço-teto calculado, único e nacional é o de chuva de denúncias para qualquer terminal que esteja acima do preço estipulado pela SRG, bem como de um indesejável tabelamento de preço”, escreveu o diretor.
Fuga de investimentos
Para o diretor, as possíveis consequências da regulação do SSE proposta pela SRG seriam ferir a lei de liberdade econômica. Além disso, ele alerta para uma possível fuga dos investimentos dos terminais molhados, que precisam de mais recursos que os secos, pela insegurança causada.
A proposta referendada por Gabriela Costa está sendo fortemente combatida pelo setor portuário. Os contratos de arrendamento dos terminais preveem liberdade de preço nas suas cobranças. O temor é que a metodologia de estabelecer preço-teto no formato proposto, com avaliação pelos custos, se espalhe para todos os serviços prestados.
O diretor Mendes ainda criticou o que ele chamou de ênfase excessiva dada ao tema ao longo do tempo, que para ele é uma briga de mercado dentro da qual os órgãos públicos estão sendo usados.
“O tema é exaustivo e, ao meu sentir, não tem a relevância econômica que lhe é dada, ao ponto de ocupar por anos a fio a agenda da agência como se fosse ‘todo’ o mercado portuário ou o grande gargalo do setor. Como já disse, parece que há a captura da administração pública como instrumento de disputa comercial de grandes players da cadeia de armazenagem de contêineres”, informa.
Subsídio regulatório
Cássio Lourenço Ribeiro, sócio da Lourenço Ribeiro Advogados e consultor jurídico da Abratec (Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres), afirmou que o tema é complexo e não há, nem no âmbito dos estudos jurídicos e econômicos da concorrência, definição sobre metodologia objetiva de aferição de abusividade. Segundo ele, a definição de abusividade é necessária, mas não pode criar um subsídio regulatório para os terminais “secos” ou tabelamento de preços.
“Ainda precisamos ter acesso ao AIR para analisar melhor, mas, no limite, seria a primeira vez no mundo que uma agência reguladora teria promovido um tabelamento tão amplo em um setor tão competitivo. Esse remédio, não preciso dizer, mata a concorrência, mata o paciente e todos os seus codependentes”, disse Lourenço, lembrando que a associação defende a livre competição e a regulação de prática abusivas ex-post.