iNFRADebate: Secretaria Nacional de Aviação Civil – 10 anos

Dario Rais Lopes*, Mauro César Santiago Chaves** e Ronei Saggioro Glanzmann***

Um famoso provérbio oriental, atribuído a Lao Tsé, afirma que “uma longa jornada se inicia no primeiro passo”. Há dez anos, o governo federal deu um importante passo na política de aviação civil, cujas repercussões têm se tornado cada vez mais evidentes e que transcendem o Programa Federal de Concessões Aeroportuárias.

Esse importante passo governamental foi a criação da Secretaria de Aviação Civil, como órgão ministerial, vinculado à Presidência da República, o qual, dentre outras consequências, transferiu a formulação da Política de Aviação Civil e Infraestrutura Aeroportuária, do Ministério da Defesa, reduzindo as influências militares na formulação da política pública do setor de aviação civil. Tal mudança, apesar de pouco discutida, afetou, de forma significativa a formulação e implementação da Política de Transporte Aéreo e de Infraestrutura Aeroportuária nacional.

Em 2011, com a edição da Medida Provisória 527, de 18 de março, foi alterada a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispunha sobre a organização da Presidência da República e dos ministérios, criando a Secretaria de Aviação Civil e alterando a vinculação da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), e da Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), do Ministério da Defesa para a nova Secretaria, com status ministerial.

Pela mencionada medida provisória, foram conferidas à Secretaria de Aviação Civil as competências de formular, coordenar e supervisionar as políticas para o desenvolvimento do setor de aviação civil e das infraestruturas aeroportuária e aeronáutica civil. Dentre suas diversas atribuições, destacava-se a competência para formular e implementar o planejamento estratégico setorial, elaborar estudos, projeções e aprovar os planos de outorgas para exploração da infraestrutura aeroportuária, além de coordenar os órgãos e entidades integrantes do sistema de aviação civil.

É importante destacar que no final da primeira década dos anos 2000, a sociedade brasileira exigia uma ampla reformulação do quadro institucional voltado à gestão da aviação civil.  Tais exigências decorriam, precipuamente, da forte expansão da demanda por transporte aéreo no período. A título ilustrativo, o gráfico abaixo, elaborado pela ANAC, ressalta que, no ano de 2003, o número de passageiros pagantes no Brasil era de aproximadamente 37 milhões, tendo chegado a 107 milhões em 2012, o que equivale a um crescimento de 188% em um período de dez anos:

Fonte: ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). Anuário do Transporte Aéreo. Dados Estatísticos e Econômicos de 2012. Brasília. 2013. p. 72.

Um aspecto importante na criação da SAC relacionava-se ao enfrentamento da crescente demanda decorrente da expansão do mercado de aviação civil e os consequentes gargalos na infraestrutura aeroportuária existente. Tal pressão tornou-se ainda maior em razão da proximidade dos eventos esportivos de grande envergadura que seriam sediados no país, como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.

Para solucionar tal problema foi conferida à Secretaria a atribuição de promover a harmonização dos planejamentos relativos à aviação civil e à infraestrutura aeroportuária civil, com vistas à adequação da capacidade das infraestruturas instaladas à expansão do transporte aéreo. Sob a mesma ótica, previu-se também a elaboração de estudos de projeção de demanda, a serem utilizados como referência para o planejamento de médio e longo prazo da aviação civil.

Acrescente-se que a criação da Secretaria de Aviação Civil representou um importante passo para a construção de um novo modelo institucional em que os vetores segurança, regularidade e pontualidade fossem implementados de forma a garantir um ambiente favorável tanto aos usuários quanto aos prestadores do serviço, nos termos da então recém-instituída PNAC (Política Nacional de Aviação Civil), aprovada pelo Decreto nº 6.780, de 18 de fevereiro de 2009.

Nesse contexto, a Medida Provisória 527, de 18 de março de 2011, foi convertida na Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, que se tornou mais conhecida pela instituição do RDC (Regime Diferenciado de Contratação).  Com a edição do Decreto nº 7.476, de 10 de maio de 2011, a SAC foi finalmente estruturada, destacando-se como um órgão com atribuições simultâneas de formulador e executor de políticas públicas.

Aparentemente paradoxal, essa dualidade deu à SAC uma flexibilidade que, ao longo do tempo, permitiu que ela pudesse capturar e incorporar as mudanças institucionais, políticas e mercadológicas ao processo de elaboração e aprimoramento das políticas e diretrizes da aviação civil, sem perda da qualidade e da capacidade de resposta.

A prova desta característica ímpar da SAC está na evolução do modelo de concessões aeroportuárias, o qual migrou de uma formulação inicial que priorizava a execução de obras (em razão dos grandes eventos mundiais de 2014 e 2016) para o foco na operação e seus reflexos na qualidade dos serviços prestados aos clientes; da concessão individual para o bloco de aeroportos, garantindo a melhoria nos serviços, a capilaridade da infraestrutura e o respeito às diferenças regionais do país.

Medidas específicas como o pagamento integral e antecipado do ágio, o período de carência para pagamento da outorga variável, intervenções definidas pela demanda, reprogramação do pagamento da outorga e a possibilidade de investimentos comerciais com amortização, além do limite da concessão, trouxeram mais segurança aos contratos e competitividade aos leilões. Essas iniciativas, em conjunto com a eficiente gestão feita pela ANAC, deram ao programa uma robustez significativa, como mostra o resultado do leilão realizado no último dia 7 de abril.

A mesma flexibilidade da SAC pode ser constatada no Programa de Aviação Regional, ação de importância única por assegurar a infraestrutura necessária para a capilaridade dos serviços de aviação civil. Uma ampla seleção inicial de sítios aeroportuários, submetida a uma definição com base em critérios técnicos e interlocução com os demais entes federados, de modo a agilizar projetos e contratações, permitiu ao programa uma perspectiva de investimento superior a um bilhão de reais em 2021.

A retrospectiva dos primeiros dez anos de SAC não fica completa se não for ressaltada a principal forma de trabalho da Secretaria – interagindo com os usuários de forma a obter essa importante percepção sobre a qualidade dos serviços oferecidos pelo setor. A pesquisa contínua de satisfação do passageiro tem se mostrado um consistente instrumento para elaboração e realimentação das políticas públicas, bem como para a identificação de demandas específicas. Como resultado, observa-se a crescente satisfação dos usuários, como mostram as figuras a seguir.

Fonte: Relatório geral da Pesquisa de Satisfação do Passageiro1. Disponível em  https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/centrais-de-conteudo/relatorio_trimestral_-_1o_trim_2020.pdf

Fica claro que, passados dez anos de sua criação e tendo se organizado em diferentes estruturas governamentais, a Secretaria Nacional de Aviação Civil tem buscado superar os diferentes desafios que lhe têm sido apresentados com o fim de aprimorar a qualidade dos serviços aéreos e de infraestrutura aeroportuária prestados no país.

No último ano, o desafio tornou-se ainda maior em razão da pandemia de Covid-19, a qual ocasionou a maior crise da história da aviação civil nacional e internacional, desde a 2ª Guerra Mundial. Cabe à Secretaria, juntamente com os demais órgãos do sistema brasileiro de aviação civil, coordenar os esforços para a superação deste imenso desafio, de forma a aprimorar a aviação nacional, com a prestação de serviços cada vez mais amplos, seguros, eficientes, modernos e sustentáveis ambientalmente, não apenas como dispõe à Política Nacional de Aviação Civil, mas principalmente porque são essas as demandas da sociedade brasileira. Quem venham os próximos 10 anos.

1 Maiores informações sobre a Pesquisa de Satisfação do Passageiro podem ser encontradas em https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/transporte-aereo/pesquisa-de-satisfacao
*Dario Rais Lopes é ex-secretário nacional de Aviação Civil, engenheiro pelo ITA, doutor em Engenharia de Transportes, professor e consultor em transportes.
**Mauro César Santiago Chaves é procurador-federal, coordenador-geral jurídico em Aviação Civil no Ministério da Infraestrutura e mestre em Direito pela UnB.
***Ronei Saggioro Glanzmann é secretário nacional de Aviação Civil, economista do Banco Central do Brasil, pós-graduado em Análise Macroeconômica e MBA em Mercado de Capitais.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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