iNFRADebate: O modelo de autorizações ferroviárias carece de regulação mais robusta que previna impactos socioambientais

Joana Chiavari* e Gabriel Cozendey**

Em 30 de agosto de 2021, o governo federal publicou a MP (Medida Provisória) nº 1.065/2021, que permite a exploração de ferrovias em regime privado por meio de autorização. Poucos dias depois da publicação desta MP, diversas empresas já apresentaram requerimentos de autorização ferroviária. Mais recentemente, no dia 15 de outubro, foi publicada, pelo Ministério da Infraestrutura, a aguardada portaria que detalha esse procedimento.

O objetivo das autorizações, antes inexistentes em nível federal, é o de criar um regime mais simples e ágil de exploração de ferrovias pelo setor privado, sem a necessidade de complexos procedimentos de concessão. Análise publicada por pesquisadores do CPI/PUC-Rio (Climate Policy Intiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) demonstra, todavia, que a medida provisória tem lacunas que podem prejudicar a análise dos aspectos socioambientais dos projetos, e a portaria em nada serviu para supri-las. Um adequado tratamento desses aspectos socioambientais é de fundamental importância para a retomada verde da economia nacional, na direção das tendências mundiais no cenário pós-Covid-19. Na medida em que os riscos ambientais e sociais sejam melhor abordados, aumenta-se a chance de atrair empresas e investidores com padrões de governança aptos a evitar projetos arriscados e obscuros.

É preciso reconhecer que as potenciais fragilidades socioambientais do novo modelo decorrem de deficiência no planejamento governamental. O complexo cenário de conflito concorrencial que começa a surgir entre as principais operadoras ferroviárias do país, à medida que diversos requerimentos de autorização vêm sendo apresentados, também é indicativo desse déficit. É necessário que o planejamento se traduza em uma regulação mais robusta, a fim de evitar situações como a que já enfrentam duas grandes operadoras, que requereram autorização para trechos sobrepostos e que agora se submetem a uma guerra de liminares hábil a jogar por terra toda a simplicidade do regime.

Exemplo de lacuna na regulação atual, com possíveis consequências socioambientais negativas, é a falta de clareza sobre o tipo de estudos que os requerentes devem apresentar junto com os pedidos de autorização. No contexto dessa indefinição, um alto funcionário do governo já afirmou, por exemplo, que não há necessidade de que os requerimentos sejam acompanhados por estudos de viabilidade, porque a viabilidade seria aferida pelos próprios requerentes. Essa justificativa pode parecer válida, a princípio, com relação à viabilidade técnica e econômica dos projetos, mas é o governo que tem a palavra final sobre a viabilidade socioambiental de uma ferrovia, no âmbito do licenciamento ambiental.

Contudo, as dimensões técnica, econômica e socioambiental não são estanques. Os impactos financeiros de passivos socioambientais podem ser consideráveis, a ponto de frustrar uma análise de viabilidade econômica feita isoladamente pelos requerentes. Nesse sentido, é oportuno que os denominados EVTEA (estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental) acompanhem os requerimentos e sejam avaliados pelo governo antes da elaboração dos EIA (estudos de impacto ambiental), que originam o licenciamento. Isso favoreceria a segurança jurídica e a estabilidade financeira das autorizações. O texto atual do PL (Projeto de Lei) nº 3.754/2021 (antigo PLS 261/2018), que deverá regular futuramente o tema, alinha-se parcialmente a essa recomendação do CPI/PUC-Rio, ao prever que os EVTEA acompanharão os requerimentos.

Outro problema grave consiste na falta de transparência do atual modelo de autorizações. Embora o sigilo de informações empresariais estratégicas seja protegido, o interesse público em torno da expansão da cadeia logística nacional vai de encontro ao alto grau de opacidade de informações que decorre da regulação vigente.

O mencionado projeto de lei também alinhou-se à recomendação do CPI/PUC-Rio  de que se preveja a necessidade de publicação das decisões motivadas de análise dos requerimentos, obrigação que hoje inexiste na medida provisória e respectiva portaria. No entanto, o projeto de lei poderia também determinar, expressamente, a publicação dos estudos, projetos, licenças, georreferenciamentos, dados sobre financiamento público ou por títulos verdes e todos os demais documentos pertinentes à fiscalização e ao controle dos aspectos socioambientais das autorizações pela sociedade civil.

A simplicidade e a agilidade do regime de autorização, por si sós, são novidades capazes de acelerar o investimento em infraestrutura, um dos principais estímulos para o crescimento econômico, principalmente no contexto da pandemia de Covid-19. Entretanto, a medida provisória, a portaria e, apesar de avanços pontuais, também o projeto de lei possuem lacunas que precisam ser sanadas para que se possa explorar o potencial transformador do novo modelo.

Acesse abaixo os estudos do CPI/PUC-Rio:

O Novo Marco Legal das Autorizações Ferroviárias Requer Ajustes para Fortalecer Aspectos
Socioambientais, de Governança e Transparência dos Projetos: Análise da MP nº
1.065/2021 e do PL nº 261/2018

Viabilidade Ambiental de Infraestruturas de Transportes Terrestres na Amazônia

Fortalecendo os estudos ambientais de concessões federais de infraestrutura terrestre

Como a Nova Lei de Licitações Abre Oportunidades para Melhor Prevenir os Impactos Socioambientais de Projetos de Infraestrutura?

*Joana Chiavari é diretora associada da CPI/PUC-Rio.
**Gabriel Cozendey é analista legal da CPI/PUC-Rio.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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