Roberto Rockmann e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
A Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres) avalia contestar judicialmente a formação de preços no curto prazo – PLD (Preço de Liquidação de Diferenças) – e o impacto que o mecanismo tem no valor dos encargos pagos pelos consumidores, em especial o ESS (Encargos do Serviço do Sistema).
Um parecer foi encomendado pela associação ao escritório Julião Coelho (ex-diretor da ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica]), que elaborou um diagnóstico sobre o caso.
O documento, que a Agência iNFRA teve acesso, mostra que o despacho fora da ordem de mérito por razão energética, no período de outubro de 2020 a outubro de 2021 – incluindo importação da Argentina e Uruguai – impôs custo adicional de mais de R$ 18 bilhões ao longo desses 13 meses. Isso dá uma média de R$ 1,4 bilhão por mês. Esse valor foi lançado na liquidação financeira do mercado de curto prazo sob o rótulo de ESS, para ser pago pela categoria de consumo.
O parecer comenta que, a partir de setembro de 2021, quando houve uma queda do patamar do PLD e do CMO (Custo Marginal da Operação), o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Eletrico), porém, decidiu preservar os níveis dos reservatórios mantendo o despacho fora da ordem de mérito por razão energética. Assim, os custos com o ESS permaneceram altos.
Em outubro, quando já chovia acima da média no país, o despacho fora da ordem de mérito por decisão do CMSE superou 9.600 MWmed, produzindo custos de R$ 5,5 bilhões – mais que o dobro dos R$ 2,2 bilhões verificados em setembro de 2021.
“Traumático”
No setor, não se sabe se isso irá render uma ação judicial mesmo e sobre quais bases ela teria. Poderia ter dois caminhos: a discussão estrutural do PLD ou então um recálculo, opção que seria ‘traumática’, porque poderia abrir um flanco judicial que abriria uma longa discussão envolvendo comercializadoras e geradoras.
Nos bastidores, não se acredita que a Abrace irá levar adiante uma contestação judicial com efeito sobre o recálculo porque haveria entre seus associados empresas que também são autoprodutores ou têm relações estratégicas com geradoras, mas se avalia como uma tentativa de fazer o governo avançar com a discussão.
Questionada, a associação respondeu que recebeu o parecer e ainda está definindo se vai avançar para uma ação.
Mudança estrutural
Membros do Governo Federal consideram que a mudança estrutural do PLD tem de ser feita, mas não existe uma bala de prata sobre o assunto. É preciso discutir outras variáveis antes como a aversão ao risco hidrológico, que deve ser enviada para discussão pública em abril.
“Não acredito que a Abrace busque recálculo porque isso abriria uma discussão muito complexa”, diz uma fonte. Comercializadoras e geradoras firmaram centenas de contratos com base no PLD. Mudar isso abriria uma guerra judicial de longo prazo. Algumas comercializadoras, no fim do ano, defenderam mudanças no PLD, mas essas alterações seriam para o futuro, não com impacto retroativo.
O raciocínio é de que o setor tem enchido reservatório com usinas térmicas gerando a mais de R$ 2 mil o MWh, enquanto as hidrelétricas são esvaziadas quando seu preço de geração é inferior a R$ 100 o MWh. Isso tem impacto sobre encargos.
Em cenários mais secos, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) aciona usinas termelétricas, que no geral, possuem custos maiores, variando de acordo com cada usina e combustível utilizado (gás, carvão ou óleo). Há um aumento expressivo nos Encargos de Serviços do Sistema pagos mensalmente.
O PLD teve uma forte oscilação nos últimos meses. Em setembro, chegou a R$ 600 o MWh. No início de janeiro estava a R$ 50.