Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Para proteger um arrendamento portuário previsto para ter seu leilão realizado neste ano, a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) negou, com aval do Ministério da Infraestrutura, pedido de uma empresa para fazer uma instalação de apoio portuário concorrente à operação na área pública. O bloqueio foi denunciado como uma barreira concorrencial pela empresa ao Ministério da Economia, que está pedindo explicações à agência sobre o caso.
O caso se refere ao transporte de sal no Rio Grande do Norte, estado de onde sai praticamente toda a produção nacional do produto. Em Areia Branca há um terminal portuário, o Tersab, que pertence à estatal Codern (Companhia Docas do Rio Grande do Norte).
O Ministério da Infraestrutura já terminou os estudos de viabilidade para a licitação de um novo arrendatário para essa área, que será responsável por sua modernização, na qual são estimados pelo menos R$ 165 milhões em investimentos. O leilão está previsto para novembro de 2021.
Mas a deterioração desse terminal fez com que a principal exportadora da região, a Salinor, buscasse em 2019 uma alternativa mais econômica, e houve um acordo com a Hidrovias do Brasil S/A para a instalação de um flutuante capaz de receber barcaças e despachar o produto em Macau (RN).
Encomenda feita
Os flutuantes são considerados instalações de apoio e não precisam ser licitados pela agência. Pela Resolução 13/2016 da ANTAQ, se a empresa privada cumprir requisitos pré-estabelecidos, a agência pode liberar o seu funcionamento. A empresa fez as encomendas para o projeto que estão prontas para a operação.
A Hidrovias do Brasil, que já tem experiências com esse tipo de transporte, fez o pedido na agência em 2020 para iniciar as operações e a ANTAQ considerou que ela cumpria os requisitos previstos na resolução. Mas, numa decisão incomum, os técnicos decidiram consultar o Ministério da Infraestrutura antes de dar o parecer final.
Em abril, o relator, diretor Adalberto Tokarski, considerou que não havia motivo para o veto e, em sua proposta, permitiu a instalação. O voto de Tokarski está neste link.
Risco para a operação
Mas, após o seu voto, alegando que o ministério considerou a instalação incompatível com o interesse público por causa da concorrência com o arrendamento do Tersab, a área técnica recomendou que não fosse autorizada a instalação da Hidrovias do Brasil. Nas contas do ministério, se aprovado o projeto da Hidrovias do Brasil, o Tersab passa a ter VPL (Valor Presente Líquido) do arrendamento de R$ 230 milhões negativos.
Em voto divergente, a então diretora substituta Gabriela Costa, acompanhada pelo voto do diretor-geral Eduardo Nery, negou o pedido. O voto da diretora está neste link.
Para a diretora, a solução da Hidrovias do Brasil colocaria em risco o transporte de sal da região. De acordo com ela, as contas apresentadas pela Hidrovias de volume de sal na região projetavam o dobro do valor das contas feitas para a licitação do Tersab. Ela defendeu a incompatibilidade do projeto com a licitação do Tersab, alegando que assim defende o interesse público.
Denúncia concorrencial
A Hidrovias do Brasil tentou um recurso na ANTAQ, alegando que agência nem sequer poderia ter consultado o governo sobre a viabilidade do projeto. Mas ele também foi negado e a empresa decidiu denunciar a decisão à Seae (Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade) do Ministério da Economia.
Em 23 de junho, o órgão do ministério encaminhou ofício à ANTAQ pedindo que fossem apresentadas justificativas para a negativa ao investimento, que foi reiterado em julho por falta de resposta da agência. Entre os questionamentos do secretário, o órgão da concorrência pergunta se foram considerados na decisão o bem-estar do consumidor com o aumento das alternativas de transportes e a melhoria da competitividade do país na decisão tomada pela agência.
“Não faz sentido dar uma autorização quando um inviabilizar o outro”, defende secretário
O secretário de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni, defendeu o procedimento da ANTAQ de consultar o ministério no caso específico da disputa pelo transporte de sal no Rio Grande do Norte dizendo que a liberação da instalação da Hidrovias do Brasil “colocaria em sério risco” o projeto do Tersab.
“Não foi uma decisão fácil. Não gostamos de dizer não para empreendimentos. Não está no nosso DNA dar negativa para empreendimento algum. Mas não faz sentido dar quando um inviabilizar o outro”, afirmou Piloni à Agência iNFRA.
Segundo ele, o normal é que os pedidos de instalação de apoio sejam emitidos pela agência sem consulta à pasta, mas apontou que o terminal salineiro de Areia Branca tem uma situação especial por estar sendo feita a licitação em breve.
“A gente tem a obrigação de avaliar esse tipo de coisa. Às vezes somos criticados por dar aval sem avaliar a consequência para a política pública”, disse o secretário.
Segundo Piloni, o fato de não permitir uma operação concorrente à do Tersab não significa que o terminal público terá garantia de demanda ou qualquer tipo de monopólio na movimentação do produto na área. Ele informou que outro fator a impedir a autorização é que o sucesso do leilão do Tersab é essencial para a sobrevivência da Codern.
Ele defendeu que os processos sejam feitos de forma organizada para não colocar toda a operação de sal em risco e lembrou ainda que, se forem identificadas demandas adicionais para a área, para mercados não atendidos hoje, poderá surgir oportunidade para novas operações.
“Na foto de hoje não é conveniente andar com os dois projetos. Se as perspectivas [apresentadas pela Hidrovias] estiverem corretas, a gente seja obrigado a lançar mão de outras alternativas, que podem ser via registro”, disse Piloni.
Papel da agência
A ANTAQ informou, em resposta a questionamentos da Agência iNFRA, que a Resolução 13/2016 garante caráter discricionário à decisão da agência. Ressaltou que a lei da agência determina a implementação de políticas públicas do ministério, entre elas a licitação de terminais, e que a decisão do órgão foi pela inviabilidade do projeto, o que geraria uma possível liquidação da estatal Codern, prejudicando toda a cadeia do sal.
“Por isso que a Diretoria da ANTAQ entendeu que o deferimento do Registro não importaria em medida de fomento ao setor, mas, sim, de comprometimento de uma logística de escoamento consistente e consolidada”, diz a nota, que informa ainda que o papel da agência não é o de apenas fazer verificação de documentos.
Consultada, a Hidrovias do Brasil não quis se pronunciar sobre o tema. A Seae do Ministério da Economia informou que o assunto ainda está em andamento e, por isso, não comentaria.