Agências reguladoras: uma boa ideia que precisa dar certo

Marcelo Araújo*

As agências reguladoras têm tido um papel decisivo nas economias modernas, ajudando a gerar crescimento consistente no tempo. Ao buscar atender os princípios constitucionais de promoção do bem-estar social através de políticas de Estado, que transcendem gestões de governos, as agências criam um ambiente estruturado para participação de capital privado na operação de serviços públicos essenciais ou de rede, como energia, óleo e gás, telecomunicações, transporte, água, vigilância sanitária, entre outros.

Por suas características distintivas de autonomia e especialização, as agências em teoria deveriam substituir governos e parlamentos na tarefa de regular a atuação privada em setores-chave da economia, que ganham complexidade de forma acelerada, criando um ambiente de previsibilidade regulatória para atrair e viabilizar investimentos, estimular a inovação e competitividade e supervisionar os mercados, protegendo o consumidor.

Apesar de ter surgido no Brasil há pouco mais de duas décadas, a ideia não é nova. Após o enorme avanço econômico pós-revolução industrial, a maioria dos Estados de bem-estar social predominantes no século XIX começou a enfrentar graves problemas para continuar atuando diretamente na produção e crescimento econômico e ao mesmo tempo prover os serviços essenciais, em especial saúde, educação e segurança, crescentemente demandados por sua população. Um novo formato de Estado regulador foi substituindo o Estado produtor na grande maioria dos países ocidentais, em diferentes momentos do século XX, com a aceleração das privatizações e o surgimento de instituições reguladoras.

Curiosamente, alguns estudiosos marcam a origem das agências nos já mais liberais EUA e Inglaterra. A primeira agência americana foi a ICC (Interstate Commerce Commission), criada pelo Congresso em 1887 para regular as ferrovias e depois ampliada. Na Inglaterra começam a surgir comissões e instituições de Estado para se contrapor à experiência de autorregulação exclusivamente informal, chamada de “club government”, que ocorria a portas fechadas nos clubes de Londres da era vitoriana. Mas foi na segunda metade do século XX que os conceitos de agências reguladoras ganharam força e se expandiram nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), criada em 1961.

Apesar de não explícito em nossa Constituição de 1988, foi logo a seguir, na década de 1990 até o início dos anos 2000, que se deu a criação da maioria das atuais agências reguladoras no país. Se este primeiro ciclo atendia o artigo 174 da Constituição Federal que estabelece que o Estado deve atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica, um segundo e mais recente ciclo trouxe importantes avanços com a Lei de Liberdade Econômica, 13.784 e a Lei Geral das Agências Reguladoras, 13.848, ambas em 2019.

Padronizar procedimentos regulatórios e reforçar conceitos como autonomia econômica, independência decisória, agenda e transparência regulatória e governança são alguns dos objetivos a serem perseguidos no atual ciclo. Creio se possa afirmar que todas as agências brasileiras estão atualmente envolvidas no aperfeiçoamento de suas estruturas e processos, mas não será tarefa fácil nem rápida.

Em tempos de desafios fiscais de um lado e múltiplas iniciativas políticas de outro, é nítida a dificuldade das agências em disputar orçamento com os ministérios a que são vinculadas, para equipá-las com os recursos humanos e tecnológicos necessários ao efetivo cumprimento de suas missões institucionais.

A dimensão de independência, por outro lado, é talvez a mais crítica. A complexa missão de equilibrar investimentos, competitividade e conformidade, atendendo ao interesse do consumidor e da sociedade, exige aprofundamento na análise e previsibilidade regulatória, mas tem sido constantemente ameaçada, e muitas vezes atropelada, por decretos apressados do executivo, projetos de lei parciais do legislativo ou decisões nem sempre coordenadas nas diferentes instâncias judiciais.

Ainda que em tese legítimas, essas iniciativas derivadas de políticas de governos e representantes legislativos eleitos ou mesmo demandas empresariais e setoriais relevantes, em regra não se utilizam de um processo estruturado de AIR (Análise de Impacto Regulatório), um dos maiores avanços trazidos pelas leis acima citadas e acabam por fragilizar os pilares centrais dos marcos regulatórios, criando complexidade e reduzindo a previsibilidade dos agentes econômicos, invariavelmente adiando investimentos.

Fonte: ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres)

É uma ilusão acreditar que o encurtamento do caminho de evolução via decretos ou projetos de lei impactando detalhes regulatórios que tipicamente deveriam ser estudados e monitorados pelas agências dinamizará os setores e trará crescimento. Ministérios e casas legislativas, em seu próprio benefício e de toda a sociedade, deveriam atuar de forma mais elevada, definindo as grandes diretrizes de suas políticas por um lado e fortalecendo as agências por outro, o que maximizaria a eficiência e a eficácia de sua implementação.

Frequentemente escutamos como justificativas para muitas dessas iniciativas o argumento de que as agências de tal ou qual setor é lenta ou não tem estrutura ou recursos para tal ou qual demanda. Pode até ser verdade em alguns casos, mas atropelá-las em nada melhorará tal cenário, ao contrário. Por conta da habitualidade dessas distorções, temos tido grande dificuldade em avançar na melhoria do ambiente de negócios no país e acelerar nosso ritmo de crescimento.

Por fim e muito importante, nenhum dos grandes objetivos das agências será atingido se não começarmos pela qualificação de seus quadros, com planos de carreira e remuneração compatíveis com os mercados privados que regulam, para permitir uma saudável troca de experiência e aceleração de conhecimento. E em especial, seus diretores serem escolhidos por sua senioridade e competência técnica específica nos setores.

Nas melhores práticas mundiais, os diretores são escolhidos por comissões independentes e processos profissionais, o que seria o ideal, mas mesmo sem isso, é responsabilidade do executivo prospectar e indicar os melhores talentos e ao legislativo avaliar e ratificar seus nomes com critérios técnicos e, acima de tudo, respeitar a autonomia e independência durante seus mandatos.

Seja mais conservadora ou mais progressista a ideologia predominante em um determinado momento no país, as agências reguladoras são sempre instrumentos poderosos de promoção da competição, proteção dos direitos dos consumidores, segurança e confiabilidade dos serviços essenciais e manutenção da estabilidade e atratividade dos investimentos para o crescimento e, por isso, precisam ser fortalecidas. Temos que fazer essa boa ideia dar certo.

*Marcelo Araújo é diretor-executivo corporativo e participações do Grupo Ultra e presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Downstream do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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