ANA vê com preocupação decisão judicial que condiciona reajuste tarifário à comprovação de prejuízo

Sheyla Santos, da Agência iNFRA

A ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) vê com preocupação uma decisão do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) que condiciona o reajuste tarifário de um contrato de concessão de saneamento básico à comprovação de prejuízo por parte da concessionária.

O caso em questão, que tramita hoje no STJ (Superior Tribunal de Justiça), trata de pedido de reajuste tarifário feito em 2022 pela concessionária Sanear Saneamento de Araçatuba, que presta serviços ao município e alega ter havido uma ausência de reajuste, previsto em contrato, no período entre 2004 e 2015.

No processo que envolve a Prefeitura Municipal de Araçatuba (SP) e o Departamento de Água e Esgoto da cidade, a empresa afirma ter sofrido prejuízo de R$ 28,4 milhões devido à ausência dos reajustes. De acordo com o entendimento da maioria do TJ-SP, que preocupa o setor, para obter o direito ao reajuste da tarifa a concessionária teria de comprovar ter sofrido prejuízos. 

No STJ, o caso está sob a relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingues, da Primeira Turma do Tribunal. O julgamento não está pautado, mas há expectativa entre quem acompanha o caso que a decisão possa ocorrer neste semestre. 

Na avaliação do superintendente de Regulação de Saneamento Básico substituto da ANA, Alexandre Anderáos, embora se trate de caso específico, a interpretação adotada pelo tribunal de São Paulo sobre o reajuste pode gerar incertezas ao setor, que, segundo ele reforça, depende de regras claras e estáveis para viabilizar investimentos de longo prazo.

“No saneamento básico, esse ponto é especialmente sensível, dado o desafio de ampliar o acesso aos serviços e melhorar a qualidade da sua prestação”, afirmou em nota enviada à Agência iNFRA.

Reajuste e revisão contratual
Anderáos relembra que a Resolução 228/2024 da agência contém a NR (Norma de Referência) 10/2024, que define o reajuste tarifário como um processo de recomposição inflacionária da tarifa, que é definida na revisão tarifária ou estabelecida no contrato. Ele ainda diz que a ANA tem reforçado, do ponto de vista técnico, a distinção entre o reajuste e a revisão contratual tanto em debates regulatórios recentes como no contexto das normas de referência editadas pela agência.

 “O reajuste anual é, em geral, uma cláusula contratual objetiva, voltada à recomposição da receita frente à inflação, independentemente de variações efetivas de custos. Nesse sentido, exigir a demonstração de prejuízo específico pode desvirtuar a finalidade do mecanismo, que é justamente evitar disputas sobre a perda inflacionária e garantir a previsibilidade da remuneração do prestador do serviço”, explica.

Atrasos e negativas de reajustes tarifários previstos em contrato como correção monetária foram identificados pela ANA como o principal motivo de litigância nos contratos de parceria para o setor de saneamento básico, especialmente quando a decisão cabe aos gestores municipais, que alegam ter um ônus político elevado quando autorizam os reajustes.

Por isso, a NR 10 criou a possibilidade de os contratos preverem um reajuste tácito em caso de o concessionário solicitar e a entidade reguladora local não se manifestar. Como são diretrizes, as entidades reguladoras locais precisam inserir esse tipo de previsão nos contratos.

A avaliação é que as consequências do não reajuste nos prazos previstos nos contratos prejudicam a prestação do serviço, com redução dos investimentos por parte das concessionárias, piora na qualidade e custos mais elevados para o consumidor quando os contratos são ajustados.

O superintendente afirma que é importante acompanhar com atenção o desdobramento do caso no STJ, que poderá, segundo ele, oferecer uma definição mais clara sobre o alcance das cláusulas de reajuste nos contratos de concessão para serviços de água e esgoto. 

Segurança jurídica
Felipe Sande, pesquisador do Centro de Estudos Público-Privado, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), disse que o processo levanta discussão sobre a segurança jurídica e o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Recentemente, ele publicou uma nota técnica sobre o caso, na qual repudia a interpretação adotada pelo TJ-SP, afirmando que a decisão confunde os institutos do reajuste e da revisão contratual.

Para o pesquisador, houve um entendimento equivocado da maioria do TJ-SP, que impõe uma “exigência incompatível com a lógica dos reajustes”, enfraquecendo a estabilidade regulatória e pondo em risco a atratividade de investimentos no setor. “O que a gente [neste caso] vê contraria todas as boas práticas”, disse em entrevista.

Prefeitura não retornou
Em nota enviada à Agência iNFRA, o STJ informou que foi apresentado um recurso interno nesse processo e que o caso deverá ser julgado na Primeira Turma do STJ, em data ainda não definida. O TJ-SP, por sua vez, disse não se manifestar sobre questões jurisdicionais.

À Agência iNFRA, a concessionária Sanear afirmou, por meio de nota, estar comprometida com o respeito às normas legais e contratuais, acreditando que os prejuízos decorrentes do descumprimento contratual serão adequadamente reconhecidos e reparados. 

 “Em relação ao processo judicial em curso, a empresa destaca que a ausência de aplicação dos reajustes previstos contratualmente por um período de nove anos e dos prejuízos decorrentes são fatos incontroversos, reconhecidos por diferentes instâncias judiciais”, disse, acrescentando que o respeito aos contratos e à segurança jurídica é fundamental para a atratividade dos investimentos no setor.

A Prefeitura de Araçatuba não retornou à reportagem. (Colaborou: Dimmi Amora)

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