Sheyla Santos, da Agência iNFRA
A ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) foi criticada na última sexta-feira (28) pela maioria dos participantes da AP (Audiência Pública) a respeito da revisão do RBAC (Regulamento Brasileiro da Aviação Civil) 117, que trata do risco de gerenciamento de fadiga na aviação comercial.
Os representantes dos trabalhadores disseram, na audiência, haver falta de embasamento científico por parte da agência, que estuda ampliar a jornada de trabalho de tripulantes brasileiros, a exemplo de experiências internacionais.
Maurício Pontes, representante da Abrapac (Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil) e da CNFH (Comissão Nacional da Fadiga Humana), defendeu a manutenção de limites atuais de jornada, tanto tripulação simples como composta ou de revezamento. Ele também apresentou imagens de acidentes que tiveram a fadiga como fator contribuinte.
“Não é recomendado simplesmente copiar limites de jornada e tempo de voo de outras regulações, por razões evidentes: países diferentes têm atmosferas e ambientes operacionais diferentes, infraestruturas diferentes. Então, a carga de trabalho é diferente”, ressaltou.
‘Fadigômetro’
Tanto Pontes como outros participantes da sessão mencionaram dados do projeto de pesquisa “Fadigômetro”, apoiado por Asagol (Associação dos Aeronautas da Gol), ATL (Associação dos Tripulantes da Latam Brasil) e USP (Universidade de São Paulo). Porta-voz do projeto que coleta dados sobre fadiga de funcionários de operadoras, Túlio Rodrigues disse que o Fadigômetro propõe, como mitigação da fadiga e da sonolência, jornadas limitadas a 44 horas e etapas de voo abaixo de 16 horas. Para ele, a proposta da ANAC é um “balão de ensaio” sem experiência operacional e embasamento científico.
A professora da área de saúde do trabalhador da USP, Frida Fischer, destacou haver diferenças de condições de tráfego aéreo e meteorológicas entre os países. “A regulação não deve ser copiada. Isso é um erro.” Já a procuradora Cirlene Zimmermann, do Ministério Público do Trabalho, alertou para a possibilidade de demissão ou discriminação caso um tripulante reporte fadiga e criticou a proposta de descanso fracionado.
“No momento em que vocês [ANAC] apontam, por exemplo, uma situação de que se trabalhar até 14 horas precisa de 16 horas de descanso, a gente não cumpre sequer o descanso mínimo previsto na CLT para a jornada de 12 horas, que são 36 horas”, disse, acrescentando que a conduta da ANAC extrapola sua atuação, em via inconstitucional.
Apoio à proposta
Camilo Coelho, da área de Relações Institucionais da Azul Linhas Aéreas, que chegou a ter sua fala brevemente interrompida pelos presentes ao afirmar que operadoras dispõem de estrutura interna de mitigação de fadiga, defendeu a mudança no regulamento. Para Coelho, a adoção de uma tabela similar à americana permite às empresas brasileiras ter acesso às melhores práticas.
“A gente precisa considerar que, acima do RBAC, existe a Lei do Aeronauta, que já estabelece um limite máximo de 12 horas de jornada, 12 [horas] mínimas de descanso, limite esse que só poderá ser substituído com a ampla aprovação da categoria através de um Acordo Coletivo de Trabalho”, disse. O comandante Aristides Lapenda, também da Azul, defendeu, por sua vez, “deixar ideologias e preconceitos de lado” a respeito do RBAC 137. Ícaro Scudeler, comandante da Azul, também defendeu a proposta.
Representante da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) na sessão, Raul de Souza disse que a proposta da ANAC permite crescimento da aviação com geração de empregos. “As restrições hoje colocadas pela regulação atual deixam claramente a indústria e os tripulantes brasileiros em posição de desvantagem”, afirmou.
Posição da ANAC
Segundo a ANAC, que considera o tema como “complexo”, outros parâmetros também são relevantes e podem ser avaliados no cálculo do risco de fadiga. A agência destaca o tipo de tripulação, número de etapas voadas, tipo de aeronave, horário de início da jornada e a aclimatação do tripulante em relação ao fuso horário. As acomodações oferecidas a bordo e em solo, assim como os tempos de deslocamento do tripulante, suas folgas, além de atrasos e alterações na execução de escalas também compõem a discussão.
Bruno Del Bel, superintendente de Padrões Operacionais da ANAC, afirmou que a agência observa aspectos concorrenciais e de fomento no setor, sem desconsiderar a segurança. Ele disse que o gerenciamento de fadiga é tema relativamente novo e que a agência tem ouvido o setor na discussão em andamento.
O superintendente ressaltou que, caso ocorram mudanças nas escalas, uma série de requisitos e monitoramentos terão de ser implementados, tendo como base um ACT (Acordo Coletivo de Trabalho). “Por exemplo, para jornada acima de 12 horas, a própria Lei do Aeronauta é bem específica e traz que é requerido um ACT, que é o de acordo de todos os envolvidos, dos tripulantes representados pelo sindicato”, afirmou
Sobre possível extrapolação de atuação, ele disse que a ANAC vai regular, atuar e fiscalizar aspectos diretamente ligados à segurança operacional, conforme destacado na emenda do RBAC 117, apêndice A, publicada na semana passada.
A agência receberá contribuições sobre o tema até 12 de agosto. Leia aqui os documentos relativos ao tema, que envolve limite máximo de jornada, horas de voo e período mínimo de repouso dos tripulantes.