Roberto Rockmann*
A CP (Consulta Pública) 136/2022, que trata de 24 concessões de transmissão de energia elétrica cujos prazos de outorga irão expirar entre 2025 e 2032, começou a trazer questionamentos iniciais entre especialistas do setor elétrico.
A proposta parte da premissa de que a relicitação será a regra aplicada sobre essas 24 concessões que abrangem 8,9 mil quilômetros de linhas e envolvem empresas como Taesa, Alupar e Eletrobras. Na preparação preliminar da consulta pública, dois pontos chamaram a atenção dos pesquisadores do FGV Ceri, que irão analisá-los com mais profundidade.
Tratamento jurídico
Primeiro ponto: existiria comando legal para basear a relicitação dessas linhas, que são formadas por projetos oriundos de privatização nos anos 1990 e licitações feitas entre 2000 e 2002? O tratamento jurídico a ser criado a partir da CP é inédito.
A portaria, como regime regulatório para tratar desse ponto, seria o melhor instrumento ou apresenta fragilidade jurídica? A princípio, não haveria, o que pode mostrar uma invasão de competência do legislador.
Segundo ponto: existem estudos que demonstrem que a licitação das concessões, principalmente das 21 licitadas, é a melhor alternativa? Há estudos sobre o custo de valor de indenização dos ativos não amortizados? A princípio também não. A nota técnica que trata desse ponto não estaria embasada em estudos.
Sem avaliação desses pontos, como então orientar a melhor decisão sobre esse tema, ainda mais que os recursos da licitação poderão concorrer com os que poderão ser usados para a expansão do sistema? A licitação poderia ser até a melhor resposta em alguns casos, mas se aplicaria a todos? Como avaliar sem estudos?
Consulta pública
Aberta por portaria do Ministério de Minas e Energia em 23 de setembro e com prazo de contribuições aberto até 22 de outubro, ela se refere a 8,9 mil quilômetros de linhas e envolve empresas como Taesa, Alupar e Eletrobras. A maioria se refere a 21 empreendimentos licitados entre 2000 e 2002, fim do segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. Outras três linhas se referem à privatização da Light, Escelsa e da Coelba nos anos 1990.
Além das empresas envolvidas diretamente na questão, o setor acompanha de perto seu desenrolar. Especialistas de outras consultorias apontam que as diretrizes do Ministério de Minas e Energia poderiam trazer parâmetros de qualidade para contribuir para a inserção da transmissão em um novo patamar.
Nas regiões Sul e Sudeste, há um envelhecimento do parque, com muitas linhas acima de 40 anos, o que abre oportunidade de modernização de subestações. Em paralelo, o avanço das fontes renováveis cria desafios não apenas para o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Há questões de qualidade de frequência e variação de voltagem.
O fluxo de energia será cada vez menos linear. Será uma rede neural, com consumidor que é gerador, geradores que exportam, geradores intermitentes, distribuidoras com minirredes. Não há mais um centro de decisão e intercâmbio.
O avanço das renováveis na geração de energia cria inequações. Primeiro, tem um problema de qualidade de frequência, variação de voltagem. Em alguns momentos, há excesso de oferta de carga e não é fácil regular, não se consegue baixar uma térmica ou modular uma hidrelétrica. O uso de bateria, de armazenamento, passa a ser essencial.
Quem percorre o livro “Concessões no setor elétrico brasileiro: evolução e perspectivas”, organizado por Mario Engler e Joisa Dutra, vê que o país está diante de uma oportunidade, que poderia acelerar a modernização de suas redes, ponto nevrálgico da transição energética que ganhará escala e terá um ambiente de negócios fluido sem um centro. A discussão sobre o que fazer com essas concessões de transmissões está inserida em um contexto mais amplo.
85 concessões perto do fim
O setor de transmissão puxa a fila de outras concessões que irão expirar: 85 contratos de usinas hidrelétricas vencerão até 2031, o que representa cerca de 29 GW instalados; e 20 contratos de concessão de distribuição de eletricidade vencem até 2031, afetando aproximadamente 60% do número de clientes. Adotar uma visão holística e sistêmica é o grande desafio para que essas oportunidades se configurem em ganha-ganha para consumidores e empresas.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.