02/06/2025 | 08h00  •  Atualização: 03/06/2025 | 08h14

ANTT elabora novo índice de saturação de ferrovias e sugere gatilho para concessão propor plano de ação

Amanda Pupo, da Agência iNFRA

A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) quer publicar até setembro deste ano uma nova norma para padronizar o cálculo do ISF (Índice de Saturação de Ferrovias) em malhas concedidas, que deve ser mantido em nível inferior a 90%. Pela proposta de IN (Instrução Normativa) que entrou em consulta pública há uma semana, a concessionária precisará apresentar um plano de ação sempre que o indicador atingir o patamar de 80%. 

O tema tem implicações importantes para o setor por representar um gatilho de quando novos investimentos precisam ser feitos a fim de aumentar a capacidade da ferrovia administrada. O índice ainda é relevante para usuários e operadores ferroviários que têm interesse em acessar o ativo de uma concessionária. 

Outro ponto que deu tração à discussão é a repactuação das ferrovias da Vale. No aditivo assinado com a mineradora no fim do ano passado, a ANTT definiu uma nova fórmula em que o NSSF (Nível de Saturação dos Segmentos Ferroviários). Ele é calculado pelo quociente entre a média simples da capacidade utilizada para os 12 meses do ano de apuração e a capacidade instalada para o ano de apuração.

Após assinar com a Vale, o órgão entendeu que precisaria ajustar esse ponto nos demais contratos regulados para evitar conflitos e diferenciações entre as concessionárias. Com isso, no fim do ano passado, a diretoria da ANTT determinou que a Sufer (Superintendência de Transportes Ferroviários) teria de apresentar uma proposta de novas disposições contratuais sobre o ISF até 17 de outubro deste ano. Assim, a agência começou a encaminhar a IN que vai padronizar o cálculo do indicador. 

A obrigação de novos investimentos quando uma ferrovia atinge seu nível de saturação foi reforçada pela Lei das Ferrovias de 2021 (Lei 14.273). Pelo fato de essa exigência mexer no bolso das concessionárias, a proposta da ANTT que está em consulta propõe que outorgas livres possam ser usadas como fonte de financiamento para os investimentos em expansão de capacidade. A aplicação precisará estar em conformidade com as exigências regulatórias específicas e não comprometer as obrigações contratuais assumidas, diz a minuta. 

“Os recursos oriundos da outorga livre deverão ser aplicados exclusivamente para os fins previstos nesta Instrução Normativa e estarão sujeitos à fiscalização e às medidas administrativas cabíveis, conforme previsto no contrato de concessão”, afirma.

Essa alternativa de financiamento é pensada, em parte, para incentivar as concessionárias a não operar limitando capacidade para não chegar ao limite da saturação e ter que fazer os investimentos que, em alguns casos, podem ter retornos longos. Outro incentivo é admitir a participação de usuário investidor em projetos de ampliação mediante celebração de contrato específico com a operadora.

Cálculo proposto
Pela minuta, o ISF será apurado com base no NSSF, que, por sua vez, vai ser calculado com o quociente entre a média simples da capacidade utilizada, levantado no ano de apuração, e a capacidade instalada no mesmo período.

Segundo nota técnica da Gerência de Regulação Ferroviária da ANTT, o método atual para medir o ISF não contempla de forma adequada variáveis sazonais, oscilações de mercado e eventos atípicos. A situação pode resultar em distorções significativas na análise da operação ferroviária, avaliou a agência.

Entre os principais avanços na fórmula proposta, na visão da área responsável, estão o estabelecimento de definições técnicas padronizadas para as variáveis envolvidas no cálculo da capacidade instalada, com destaque para a metodologia de medição do tempo de percurso entre pátios. Sem elas, a avaliação é que poderia haver distorções de entendimento e gerar insegurança sobre o alcance do índice.

“A norma estabelece que esse tempo deve corresponder exclusivamente ao deslocamento entre o ponto final do pátio anterior e o ponto inicial do pátio subsequente, com o objetivo de evitar interpretações divergentes, como aquelas baseadas em pontos médios ou em trechos totais de estações”, explica a nota.

Além disso, o primeiro capítulo da proposta traz definições inéditas no âmbito regulatório da ANTT. Termos técnicos como outorga livre, sentido de tráfego crescente e decrescente, tempo de licenciamento, segmento ferroviário, entre outros, vão passar a ter conceituação padronizada.

Já em relação à capacidade utilizada, a minuta propõe que o cálculo adote a média simples dos valores observados no ano de apuração. Segundo a ANTT, a alteração visa evitar distorções decorrentes de picos operacionais pontuais, que, via de regra, não representam a realidade predominante da operação ferroviária ao longo do tempo. Com isso, haveria ainda um alinhamento ao padrão já adotado nos aditivos contratuais recentes da EFC (Estrada de Ferro Carajás) e da EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas), da Vale.

Novo pacote regulatório
A padronização do ISF é elaborada no mesmo momento em que a ANTT estrutura uma transformação regulatória para as ferrovias. A exemplo do que foi feito no setor rodoviário – um processo de mais de cinco anos –, a agência quer uniformizar e trazer mais clareza às regras para operação de trens no Brasil. 

A ideia da agência reguladora é uniformizar regras que mexem diretamente com o uso das ferrovias, hoje voltadas majoritariamente para cargas. Mas, no futuro, o desejo é de que a padronização também ajude a impulsionar o transporte ferroviário de passageiros, modalidade ainda tímida no Brasil. 

Nesse sentido, a agência também quer avançar no desenvolvimento de modelos que separem a administração da concessão de um operador de passageiros. Respeitados os atuais contratos, a avaliação é de que essa cisão pode ajudar a viabilizar o transporte de passageiros por trilhos.

O fluxo de passagem nas ferrovias – seja de carga ou passageiros – é complexo e historicamente rendeu discussões sobre interoperabilidade e direito de acesso entre operadores e usuários, temas que perpassam pela segurança operacional. A demanda por clareza nas regras de tráfego também ganhou mais peso depois de o Congresso aprovar, em 2021, o novo marco legal do setor (Lei 14.273/2021), prevendo a possibilidade de empresas construírem ferrovias privadas (autorizadas). 

Nas chamadas short lines, o acesso a um tronco ferroviário é um aspecto relevante a depender da localização do projeto. A passagem é importante ainda para empreendimentos de revitalização de trechos devolvidos por concessionárias. 

Além do eixo sobre serviços, a estruturação das regras de transporte ferroviário contará com outros quatro pilares, um sobre regras gerais de outorgas, outro sobre bens e obras, um terceiro sobre equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, e um quarto sobre devolução e cisão de trechos. A nota técnica explicando como será o desenvolvimento do processo está neste link.

Uma análise feita dentro da agência é de que o atual momento das concessionárias pode ajudar a ANTT a chegar num padrão regulatório com mais facilidade do que quando tentou algo parecido no passado. Hoje, as empresas que detêm concessões ferroviárias no Brasil têm lançado mão cada vez mais da interoperabilidade – ou seja, um mercado menos arredio a regras mais claras sobre o acesso a malha de terceiros e por novos entrantes.

Tags: