As mudanças climáticas exigem infraestruturas resilientes: desafios físicos e financeiros para PPPs e concessões de transportes

Francisco Gildemir Ferreira da Silva* e Alexandre Cunha Costa**

Uma infraestrutura provida por recursos privados, públicos ou em um misto dos dois tipos deve ter qualidade e suporte financeiro, com ganhos de eficiência e operação continuada. O caso da concessão de infraestruturas em geral, mas em particular em transportes, ter um modelo de negócio bem pensado e um projeto de engenharia com as melhores práticas poderiam ser os fatores relevantes para o sucesso.

O que ocorre é que a oferta dos serviços concedidos ou não devem ser suportadas por um arranjo financeiro com as receitas equilibrando os custos intertemporalmente, mantendo o valor presente do empreendimento lucrativo e as taxas de retorno positivas, mesmo que com oscilações negativas do fluxo de caixa. Infelizmente, não há linearidade e determinismo nos fluxos financeiros associados a operação, pois existem outros aspectos a considerar.

Vários trabalhos do Banco Mundial[1] apontam que contratos de parcerias entre público e privado devem ser blindado ou pelo menos ter flexibilidade para fatores como: ciclo eleitoral, corrupção, choques de demanda e de oferta, riscos regulatórios etc., recentemente descritos em um ótimo livro[2] de Saussier e De Brux (2018).

Há também trabalhos variados que relatam aspectos operacionais que apontam ganhos de eficiência, fatores regionais, aspectos ambientais e características financeiras para o caso brasileiro, ou seja, há um alinhamento das evidências internacionais com as observadas nacionalmente e que geram sucessos em concessões e parcerias público-privadas, havendo também casos de reversão de concessões, mesmo com as boas práticas[3].

Ainda assim, não há garantias, pois em momentos de riscos sistêmicos de mercado com betas financeiros, matrizes de risco e outras ferramentas econômico-financeira, a situação piora, não somente no fluxo financeiro observável pensado por um grupo de excelentes técnicos que entendem muito bem dos aspectos econômico-financeiros, mas sem a adequada mensuração dos riscos que se configuram com as mudanças climáticas, pois esses são novos no toolkit de projetos.

Observa-se com mais frequência a interrupção de operações em rodovias e ferrovias, comprometendo a continuidade do serviço por eventos extremos em decorrência das mudanças climáticas[4]. Se analisarmos o acumulado desses eventos temos efeitos comparáveis a grandes desastres.

O aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos – como tempestades, enchentes, ondas de calor e secas – pode causar danos significativos às infraestruturas de transporte. Por exemplo, enchentes e deslizamentos de terra podem erodir as bases de rodovias e ferrovias, interrompendo o tráfego e exigindo reparos emergenciais.

Da mesma forma, a elevação do nível do mar representa uma ameaça direta aos portos, podendo danificar cais e estruturas de armazenamento, além de interferir nas operações logísticas. Aeroportos, por sua vez, podem ter suas pistas inundadas ou ficarem inoperantes devido a tempestades severas, afetando não apenas a mobilidade regional, mas também a conectividade global.

Em hidrovias, as secas nas hidrovias podem afetar a navegabilidade e o transporte de produtos agrícolas. Esses aspectos aumentam os custos associados à adaptação e recuperação de infraestruturas danificadas e podem comprometer a equação outrora delimitada no modelo do negócio e na estrutura econômico-financeira da concessão/PPP que podem enfrentar aumentos significativos em seguros e uma pressão para investir em melhorias de resiliência, o que pode levar a tarifas mais altas para os usuários finais.

O impacto econômico indireto decorrente da interrupção de serviços e da redução da eficiência logística pode afetar negativamente a cadeia de suprimentos, o comércio e, em última análise, a economia como um todo. O que não se relatou anteriormente e bem mais grave é que mudanças climáticas podem ocasionar mortes em grandes proporções o que exige ainda mais cuidado.

Nesse contexto há a necessidade de proposição de soluções para tornar as infraestruturas mais resilientes às mudanças climáticas, com destaque na incorporação de análises de riscos climáticos no planejamento e desenvolvimento de novas infraestruturas, bem como na modernização das existentes. Isso inclui a adoção de materiais mais resistentes, o redesenho de estruturas para suportar eventos extremos e a implementação de sistemas de alerta precoce para minimizar os impactos operacionais[5].

A adaptação das infraestruturas de transporte em regime de concessão aos efeitos das mudanças climáticas requer uma abordagem multifacetada, havendo a necessidade do governo e as empresas concessionárias trabalhem juntos para avaliar vulnerabilidades, financiar estudos de resiliência e aplicar tecnologias inovadoras que minimizem os riscos físicos e financeiros associados.

A colaboração com organizações internacionais pode oferecer acesso a conhecimentos, tecnologias e práticas recomendadas que já estão sendo implementadas globalmente.

As mudanças climáticas apresentam desafios significativos para as infraestruturas de transporte em regime de concessão no Brasil, tanto do ponto de vista físico quanto financeiro. A resiliência dessas infraestruturas é fundamental para garantir a continuidade e a eficiência dos serviços de transporte.

Investir em infraestruturas resilientes não é apenas uma necessidade para mitigar os impactos dos eventos climáticos extremos, mas também uma oportunidade para modernizar o setor de transporte, tornando-o mais sustentável e preparado para o futuro.

Em resumo tem-se que as alterações nos padrões climáticos, como o aumento da frequência e intensidade de eventos extremos (secas, inundações, deslizamentos de terra), podem causar diversos impactos físicos e financeiros nesses sistemas, tais como:

Impactos físicos:

  • Aeroportos: interrompimento da operação por danos a pistas, pátios, terminais, torres de controle e sistemas de navegação;
  • Rodovias: bloqueamento ou danificação de rodovias, deterioração do pavimento, interrompendo o fluxo de veículos e causando congestionamentos e atrasos exigindo mais manutenções e custos mais altos;
  • Ferrovias: mudanças na estabilidade das ferrovias, aumentando o risco de descarrilamentos, erosão do solo e ao alagamento de túneis e pontes, comprometendo a segurança e a eficiência do transporte ferroviário;
  • Hidrovias: a navegabilidade pode ficar comprometida com as secas recorrentes;
  • Portos: inundação de áreas de armazenamento e danificação de equipamentos com comprometimento dos canais de acesso ao porto.

Impactos financeiros:

  • Custos de reparo e reconstrução: exigência de investimentos significativos em reparos e reconstrução;
  • Perdas de receita: perda de receita para as empresas concessionárias em decorrência das interrupções mais frequentes;
  • Aumento dos custos de seguro: aumento dos prêmios de seguro para as infraestruturas de transporte;
  • Redução do valor dos ativos: redução do valor dos ativos das empresas concessionárias, impactando negativamente seu desempenho financeiro.

Limitações operacionais e outras:

  • Redução da capacidade de carga: As rodovias e ferrovias podem precisar ter sua capacidade de carga reduzida em áreas com maior risco de deslizamentos de terra ou inundações;
  • Interrupções no serviço: Eventos climáticos extremos podem levar à interrupção do serviço de transporte, como o fechamento de aeroportos e rodovias, ou comprometera navegabilidade de hidrovias ou em canais de acesso a portos;
  • Aumento dos custos de operação: As empresas concessionárias podem ter que investir em medidas para adaptar suas operações às mudanças climáticas, como a compra de equipamentos mais resistentes.

Os estudos do Banco Mundial e outros países apresentam soluções que minimizem os impactos físicos e financeiros desses eventos, indicando algumas medidas que podem ser tomadas:

  • Investir em infraestrutura verde: Implementar soluções que utilizem a natureza para reduzir os impactos das mudanças climáticas, como a construção de parques e áreas verdes para absorver água e reduzir o risco de inundações.
  • Utilizar materiais mais resistentes: Adotar materiais mais duráveis e resilientes na construção de infraestruturas, como concreto de alta resistência e aço inoxidável.
  • Melhorar os sistemas de drenagem: Implementar sistemas de drenagem mais eficientes para escoar a água da chuva e reduzir o risco de inundações.
  • Implementar medidas de adaptação climática: Adotar medidas para adaptar as infraestruturas existentes aos impactos das mudanças climáticas, como a construção de diques para proteger áreas costeiras do aumento do nível do mar.

O problema se apresenta, a solução exige um olhar público e privado para garantir o provimento de infraestruturas com sustentabilidade econômica e desenvolvimento contínuo, porém o custo aumenta conforme o risco aumenta, o quanto antes os agentes que podem propor soluções forem instados para resolvê-lo, menor será o impacto para a sociedade.


[1] Destaque para as seguintes referências:
GUASCH, J. LUIS. 2004. Granting and Renegotiating Infrastructure Concessions: Doing it Right. WBI Development Studies; Washington, DC: World Bank. © World Bank. License: CC BY 3.0 IGO, disponível neste link.
ENGEL, E.; FISCHER, R.; GALETOVIC, A. (2006) Renegotiation Without Holdup: Anticipating Spending in Infrastructure Concessions. Cowles Foundation Discussion Paper, v. 1567, 2006.
___. Public-Private Partnerships: When and How. p. 78, 2008.

[2] SAUSSIER, STEPHANE & BRUX, JULIE. (2018). The Economics of Public-Private Partnerships: Theoretical and Empirical Developments. 10.1007/978-3-319-68050-7.

[3] Conforme os seguintes artigos:
“Os aprendizados com a devolução dos aeroportos de Viracopos e Galeão – mais uma evidência para modelos alternativos de PPPs e concessões”, disponível neste link; e
“Quase 30 anos de concessões ferroviárias – o que aprendemos e como as renegociações podem ser excelentes oportunidades”, disponível neste link.

[4] Conforme as seguintes referências:
“Kenyan youth strengthen urban resilience through innovative public works pilot”, disponível neste link;
“Global Facility for Disaster Reduction and Recovery”, disponível neste link;
“Série de vídeos mostra como a mudança no clima já afeta o Brasil”, disponível neste link; e
“Building Beyond Tomorrow”, disponível neste link.

[5] Conforme as seguintes referências:
“Al menos 11 muertos y 30 personas heridas por derrumbe en la vía Medellín-Quibdó, Chocó, Colombia”, disponível neste link; e
“Desenvolvimento de um sistema de alerta de deslizamentos de terra em escala municipal: monitoramento, gatilhos e previsão meteorológica”, disponível neste link.

*Francisco Gildemir Ferreira da Silva é professor da UFC (Universidade Federal do Ceará) e da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisador do CAEN/UFC (Programa de Pós-Graduação em Economia da UFC).
**Alexandre Cunha Costa é professor da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Energia e Ambiente da instituição.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto

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