Custos com transmissão e encargos subiram muito acima da inflação e pressionaram tarifas, diz Volt

Roberto Rockmann*

Entre 2013 e 2022, as tarifas subiram acima da inflação em razão de uma alta significativa dos custos, que também tiveram altas superiores ao IPCA do período. A parcela de compra de energia, mesmo com os leilões, teve alta de 14 pp (pontos percentuais) acima da inflação em dez anos.

Já a fatia de transmissão elevou-se em 180 pp acima do IPCA entre 2013 e 2022, e os encargos aumentaram 134 pp, enquanto o custo com a  distribuição subiu sete pp acima da inflação no mesmo período. Isso é o que aponta um estudo inédito da Volt Robotics, que será apresentado essa semana no Enase (Encontro Nacional os Agentes do Setor Elétrico), que ocorre nos dias 21 e 22 de junho.

O estudo aponta que a conta de luz de uma residência que consome 200 kWh por mês subiu 25 pontos percentuais acima da inflação de 85% acumulada entre 2013 e 2022. Em 2022, uma residência pagou R$ 1.700 reais por ano de energia, cerca de R$ 300 a mais do que se a conta fosse corrigida apenas pelo IPCA.

Já a conta de luz de uma média indústria com consumo de 500 kWh mensais teve alta de 27 pontos percentuais acima da inflação, com o industrial desembolsando R$ 938.501, em 2022, quase R$ 200 mil reais acima dos preços corrigidos apenas pela inflação.

A elevação das tarifas nos últimos dez anos e pressões de custos nos próximos anos sobre o mercado regulado – das térmicas inflexíveis a serem contratadas pela capitalização da Eletrobras à equalização da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – exigem mudanças urgentes no modelo atual do setor. Será preciso eliminar descontos nos encargos e no fio aos novos consumidores, independentemente da fonte e promover uma reforma emergencial no processo de formação de preços, de acordo com o estudo.

“O modelo atual é insustentável e exigirá mudanças urgentes”, diz Donato da Silva Filho, sócio da Volt Robotics. O documento, que analisou 26 distribuidoras que representam 90% do mercado cativo do país, aponta que as pressões sobre os custos não serão nulas nos próximos anos, principalmente em razão dos encargos setoriais e contratação de energia mais cara.  

A energia da usina nuclear de Angra 3 pode ser contratada a R$ 700 o MWh no ambiente regulado. A contratação de 8 GW de térmicas com 70% de inflexibilidade, permitidas pela capitalização da Eletrobras, poderá onerar os encargos de energia térmica. Já a prorrogação do Proinfra pode fazer com que contratos de R$ 800 MWh continuem pesando nos encargos.

Há a ainda a Lei 13.760/2016, que estabelece que, a partir de 1º de janeiro de 2030, o rateio das cotas anuais da CDE deverá ser proporcional ao mercado consumidor de energia elétrica atendido pelos concessionários e pelos permissionários de distribuição e de transmissão. “Esse é outro ponto que terá impacto nos encargos e nos custos do setor”, diz.

Em São Paulo, a maior cidade do país, a tarifa que soma a parcela de uso do sistema de distribuição e a parcela de energia poderá subir de quase R$ 670 em 2022 para R$ 800 em 2030. Em Pernambuco, deve subir de R$ 650 para R$ 770. “O custo da energia continuará pressionado.”

Na visão do sócio da Volt, criou-se um ciclo vicioso: a tarifa é carregada de subsídios e encargos e sobe bem acima da inflação. Nada no horizonte aponta que o quadro mudará. Ao contrário. Resultado: os consumidores então buscam se proteger saindo do mercado cativo. A base de consumidores pagantes diminui. Os custos para quem fica aumentam, as tarifas pesam ainda mais sobre os bolsos.

Geração Distribuída
Para fugir dos aumentos, os consumidores investem em GD (Geração Distribuída Solar), migram para o mercado livre, vão para a autoprodução, se enquadram como consumidores de baixa renda. “Cada um abre a porta que tem a chave”, diz. O consumo do cliente baixa renda, cujos custos são pagos por encargos setoriais, dobrou de 2015 para janeiro de 2023, chegando a 3 mil MW médios. A GD solar, cuja geração em junho de 2019 mal chegava a 500 MW médios, superou 4 mil MW médios em fevereiro.

Esse cenário coincide com a sobra de energia, com uma economia que tem andado de lado desde 2014 e reservatórios no nível mais elevado em 16 anos. O PLD (Preço Líquido de Diferenças), referência do mercado livre, está no piso desde o início do ano. “Preço baixo é tudo de bom, mas desse jeito não parece sustentável”, diz o sócio da Volt. Por quê? Porque o mercado cativo não captura essa queda, por existir uma lógica que privilegia arbitragens regulatórias para alguns bolsos e deixa grande parte dos custos sobre deixa o mercado regulado.

Donato destaca que a sobra estrutural é resultado que usinas estão sendo construídas para atender a segmentos que buscam evitar os custos crescentes do mercado cativo: mercado livre, autoprodução, GD solar.

Isso ocorre por cinco motivos: 1) a tecnologia de algumas fontes evoluiu, reduzindo seus custos diretos; 2) os custos e benefícios indiretos das fontes não são precificados; 3) não há pagamento de custos de rede e de encargos para alguns “tipos” de consumidores, como autoprodução e GD; 4) esses “não pagamentos” são alocados aos demais consumidores; 5) os demais consumidores fogem desses custos, alimentando a construção de usinas.

Com esse cenário, é indispensável mudar pontos do modelo, diz o sócio da Volt Robotics, de olho em quatro pontos. Primeiro, seria preciso estabelecer a liberdade de escolha dos fornecedores de energia para todos os consumidores, incluindo os de baixa tensão e baixa renda. “A abertura completa não é um fim em si mesma, não pode ser apenas uma forma de trazer energia mais barata, mas propiciar eficiência para todos os elos, porque, se não, o desequilíbrio se manterá. Pode ser que o encargo a ser cobrado para lidar com os contratos legados possa ser mais barato que as distorções atuais”, diz Donato.

Segundo: eliminar os descontos nos encargos e no fio aos novos consumidores, independentemente da fonte. Em terceiro lugar, seria preciso estabelecer um plano emergencial para redução dos encargos setoriais, transferindo a TFSEE (Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica) para o Tesouro, substituindo massivamente a geração a diesel dos sistemas isolados, não renovando o Proinfra e cancelando as Térmicas Inflexíveis da Lei da Eletrobrás.

Por fim, seria preciso promover uma reforma emergencial no processo de formação de preços, iniciando pelas bases de dados e modelagens do processo atual, migrando para o preço por oferta e a existência de um mercado de serviços ancilares.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.


 

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