Decisão do TCU sobre relicitação de aeroporto acende alerta no governo

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O Ministério da Infraestrutura está se articulando para tentar reverter a decisão do ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Aroldo Cedraz de suspender o processo de relicitação do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), tomada no mês passado. Recursos já foram apresentados ao órgão pedindo a revisão.

Se mantida nos termos em que está, há temor de que o procedimento de relicitação de ativos de infraestrutura previstos na Lei 13.448/2017 fique na prática inviabilizado.

Conforme informou a Agência iNFRA, Cedraz acatou pedido da SeinfraRodoviaAeroportos do órgão, que analisa a proposta de relicitação apresentada pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), para suspender o processo até que sejam apresentados os números que indiquem os valores reais a serem indenizados à concessionária pelos chamados ativos não amortizados.

Fechar essa conta na etapa do que é chamado parte incontroversa entre a concessionária e a agência é considerado pelas fontes ouvidas pela Agência iNFRA como uma decisão correta do tribunal, visto que não haveria como de fato fazer uma análise de viabilidade dos estudos, o que é o trabalho do órgão, sem a informação definitiva.

Os números enviados pela ANAC para o órgão foram estimativos, baseados numa atualização monetária de valores declarados pela concessionária. Há um processo específico na agência para validar esses números e chegar ao valor incontroverso, mas eles não foram concluídos.

Os auditores do TCU acompanham esse processo de validação da ANAC, que a agência informou que será concluído antes da publicação do edital, mas o entendimento é que não seria possível aceitar seguir com a avaliação sem essa conta final. 

Controverso e Incontroverso
Mas o problema apontado pelos especialistas está em outra parte da decisão de Cedraz, a que indica que um procedimento criado pelo governo para esse processo não seria legal. O procedimento posto em dúvida é a separação da apuração dos chamados haveres e deveres em itens controverso e incontroverso.

Artigo do colunista da Agência iNFRA Adalberto Vasconcelos, ex-secretário especial do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), indica que a Lei 13.448/2017 não permite esse tipo de separação, apontando que é necessário para a segurança jurídica do processo que a indenização pelos ativos não amortizados seja totalmente concluída para que o novo concessionário pague ao que está saindo. O artigo está neste link.

O despacho com a decisão do ministro Aroldo Cedraz vai em direção semelhante. Cita ainda que seria necessária a conclusão dos procedimentos de arbitragem abertos sobre o tema para que se tenha segurança sobre essa indenização e relembra que, se a indenização do vencedor não for suficiente, será preciso prever no orçamento da União o valor que o governo tem a pagar para a saída do concessionário.

Um agente do setor privado com conhecimento do tema, sob anonimato, critica o formato adotado pelo governo para as relicitações, dizendo que por pressa tentou-se criar um atalho ao se iniciar a relicitação antes de concluídas as arbitragens, o que, na prática, é ilegal.

Processo “impossível”
Uma fonte que ajudou a elaborar a divisão entre os itens controverso e incontroverso, no entanto, aponta que sem essa divisão é praticamente impossível realizar uma licitação nos prazos previstos na lei e no decreto regulamentador.

Os processos de arbitragem, muito mais curtos que a média de tempo dos processos judiciais, têm prazos de um a dois anos para que se tenha uma sentença arbitral sobre quem tem razão na discussão. Há outros prazos posteriores a essa decisão para se chegar ao valor a ser indenizado, por exemplo.

E quando a proposta de relicitação é qualificada no PPI, começa a contar um prazo de dois anos para a relicitação, que é prorrogável por mais uma vez. O problema é que nem sempre há apenas uma arbitragem numa concessão, já que pode haver procedimentos por inadimplência, multas e outros.

“Na prática, vai ser impossível”, disse um agente público, sob anonimato.

Dificuldade para acordo
Letícia Queiroz de Andrade, sócia do Queiroz Maluf Advogados, concorda que será inviável realizar a relicitação no prazo previsto em lei e nos aditivos. Ela lembra ainda que o cálculo da indenização é dinâmico e dificilmente não haverá discussão nesse momento final de fechamento.

“Algo de controverso sempre haverá e impede a separação do que é controverso ou não. Isso dificulta muito o acordo entre as partes, que é a base da devolução”, disse a advogada.

Maurício Portugal Ribeiro, sócio da Portugal Ribeiro Advogados, afirmou que de fato é necessário para que o TCU faça o trabalho de avaliação dos estudos que se tenha pelo menos o valor a ser indenizado pelo futuro concessionário e se saiba se haverá a necessidade de o governo entrar com recursos orçamentários para cobrir um possível déficit.

Mas, para ele, esperar que todo o processo de arbitragem possa ser concluído antes de fazer o processo de relicitação será, na prática, contra o que prega a lei, já que haverá prejuízo aos usuários com a demora para o novo concessionário assumir e iniciar investimentos, por exemplo.

Críticas na audiência
Na audiência pública realizada na última segunda-feira (13) para debater a relicitação de outro ativo, o Aeroporto de Viracopos (SP), o advogado Eduardo Carvalhaes, da Lafosse Advogados, disse que a decisão do TCU traz preocupação para o processo de Viracopos.

Para ele, a decisão subverte a lógica do processo de relicitação. A forma como a agência elaborou os editais dos dois contratos “dá segurança jurídica” para os interessados participarem das relicitações. O superintendente de Regulação Econômica de Aeroportos da ANAC, Adriano Miranda, afirmou que a agência tem uma “preocupação grande” com a decisão do TCU, que pode levar ao “desuso do instituto da relicitação”. 

Para ele, a proposta de separar as partes em controversa e incontroversa atende aos requisitos do TCU e é a melhor forma para fazer funcionar a lei, já que terminar os processos de haveres e deveres para apresentar um valor final seria inviável e o valor ficaria defasado rapidamente até a data do pagamento.

“Se a gente imaginar um procedimento que se chegue ao valor [de indenização] paralisando o procedimento para depois começar o trâmite no TCU, publicação de edital, teria um valor calculado no tempo cada vez mais distante da realidade”, explicou o superintendente.

Ricardo Fonseca, diretor da Secretaria de Aviação Civil, também presente à audiência, reiterou que o cálculo a ser feito não afeta a valoração do ativo nem o risco para quem vai entrar no leilão.

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