Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O Ministério dos Transportes pagou, nos cinco primeiros meses do ano, 7% do orçamento previsto para 2023 para a execução de obras de infraestrutura de transportes realizadas neste ano.
O orçamento do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), o principal órgão de execução da pasta para obras, foi dotado pelos parlamentares de R$ 16,5 bilhões para pagar em 2023 pelos serviços prestados pelas empresas. Até maio, o valor desembolsado (liquidado) de obras feitas neste ano foi de R$ 1,2 bilhão, o que representa 7% da dotação. (O orçamento total do órgão passa dos R$ 18,5 bilhões, mas estão incluídos aí gastos com pessoal e administrativos.)
O ministro dos Transportes, Renan Filho, vem anunciando recordes de desembolsos mensais. Segundo ele, até maio, foram R$ 4,5 bilhões pagos, maior valor histórico. No entanto, a maior parte do valor pago do orçamento, cerca de R$ 3 bilhões, é para os chamados restos a pagar, ou seja, execuções de anos anteriores que não haviam sido quitadas. De obras executadas em 2023, foi esse R$ 1,2 bilhão totalmente pago pelo órgão até maio.
De acordo com os dados oficiais do orçamento levantados pela Agência iNFRA, das 129 ações orçamentárias de obras previstas para este ano, em 90 não houve pagamento algum até maio. Até mesmo para a ação mais importante e imediata, a manutenção das vias (ação 219Z – Conservação e Recuperação de Ativos), que tem R$ 8 bilhões previstos para serem gastos neste ano, foram liquidados até maio R$ 851 milhões do que começou em 2023.
A dificuldade de execução de obras pode levar o governo a não conseguir gastar tudo o que o Congresso destinou para a pasta em 2023, de acordo com diversos especialistas do mercado e do próprio governo com quem a Agência iNFRA conversou, sob a condição de anonimato, nas últimas semanas.
É natural que o segundo semestre tenha uma execução maior que a do primeiro, o que deve acelerar o número. Mas, descontado do valor previsto no orçamento o que foi pago deste ano e os restos a pagar quitados dos anos anteriores, ainda há mais de R$ 10 bilhões a executar em obras entre junho e dezembro, sete meses.
DNIT quer acelerar empresas
Em entrevista à Agência iNFRA, o diretor-geral do DNIT, Fabrício Galvão, disse que o órgão vai empenhar neste mês, ou seja, garantir às empresas o pagamento futuro, de todo o orçamento disponível do ano, como forma de dar previsibilidade para as contratadas e, assim, permitir que elas acelerem as obras e o órgão possa fazer mais pagamentos. Ainda segundo ele, por motivo de planejamento, uma parte do orçamento não será paga neste ano (leia mais aqui).
Quando o que está previsto no orçamento do ano para ser gasto não é pago no ano, o dinheiro não fica para o ano seguinte. Caso a pasta autorize que as empresas executem obras, mas não consiga pagar com o dinheiro previsto no orçamento de 2023, a obra terá que ser paga com o dinheiro disponibilizado de 2024, nesse modelo de restos a pagar. E isso reduz a quantidade de obras novas que podem ser feitas no ano seguinte.
Dificuldades pela depressão orçamentária
As dificuldades para que o DNIT execute o orçamento de 2023, de R$ 18,5 bilhões, que é mais que o triplo de 2022, remontam a problemas não solucionados que se arrastam há anos. Mas o principal deles, apontado por esses especialistas, foi a profunda depressão orçamentária dos últimos quatro anos, período em que o órgão teve seus piores orçamentos na história.
Fazer uma obra de implantação ou manutenção de rodovias é um serviço complexo, que exige que as empresas tenham expertise e capital para que essa execução tenha o ritmo previsto em contrato. E, por outro lado, exige que o órgão público tenha um planejamento de pagamento adequado e seguro para que as contratadas mantenham esse ritmo. E isso deixou de acontecer nos últimos anos.
Com o baixo orçamento, a gestão anterior “picava” o dinheiro em pequenos pagamentos ao longo do ano, tentando evitar que as obras fossem paralisadas oficialmente pelas empresas ou, pior ainda, que os contratos de manutenção não fossem executados ao menos para fazer o chamado “tapa buracos”.
Sem previsibilidade e pouco orçamento, as empresas contratavam o mínimo possível, apenas para não paralisar totalmente o empreendimento e assim perder o contrato. Com isso, se adequavam ao orçamento que tinham, mas as obras andavam em ritmo lento.
Sem capital
O modelo gerou consequências para as empresas que devem ser sentidas agora. As companhias contratadas para fazer as obras precisam de um volume considerável de capital próprio ou de empréstimos para iniciar um projeto. Isso porque, na prática, o que ela gasta num mês, se tudo correr bem na burocracia estatal e houver recursos disponíveis, o órgão público vai pagar entre quatro e seis meses depois.
A depreciação dos investimentos ao longo dos anos fez com que as empresas fossem diminuindo de tamanho, o que faz com que elas tenham mais dificuldade para mobilizar recursos para iniciar uma empreitada e receber nesse tempo depois. Além disso, nos últimos anos, os bancos são cada vez mais restritivos a dar crédito para elas. Mais recentemente, as taxas de juros têm tornado os financiamentos cada vez mais proibitivos.
Os problemas não param na obtenção de capital. As companhias indicam que a remobilização para grandes empreendimentos pode demorar por falta de mão de obra qualificada, equipamentos adequados, obtenção de insumos entre outros itens que também se depreciaram ao longo dos últimos anos.
O volume de obras a serem executadas também cresceu nos governos subnacionais e no mercado privado, com concessões realizadas ao longo dos últimos anos, que entram agora na fase de execução. Algumas concessionárias apontam que estão enfrentando escassez para determinados tipos de insumos e já levaram a preocupação ao governo.
Problemas com o custo
As construtoras que fazem obras para o governo indicam ainda que, ao longo do tempo, o DNIT não solucionou problemas históricos para a contratação e execução das obras. O de maior impacto no momento é a defasagem entre a tabela de referência para o custo dos insumos e os preços reais praticados.
Essa tabela de referência, chamada Sicro (Sistema de Custos Referenciais de Obras), estaria, de acordo com representantes de empresas, com valores de remuneração abaixo dos custos reais (o diretor-geral do DNIT diz que avalia itens pontuais, mas lembra que há poucas licitações desertas no órgão, indicando que os preços estariam adequados). Por isso, algumas empresas deixaram de entrar em concorrências no DNIT.
Os contratos com valores defasados geraram pedidos de reequilíbrio ao longo do tempo que não foram decididos na maior parte dos casos, de acordo com o próprio órgão, que prometeu, em encontros com as empresas, dar uma decisão se considera ou não haver desequilíbrios nos contratos.
Deixar de executar um percentual elevado do orçamento pode também trazer um problema político para o governo, que tem brigado para manter orçamentos mais altos para a infraestrutura, mesmo que isso leve a União a não ter superávits primários. Sem o gasto completo do que foi programado, ganha força o discurso de que o governo não tem capacidade de executar e que o orçamento deve ser reduzido para o setor.