“Espaço é nova fronteira de negócios da humanidade”

Geocracia

Em entrevista exclusiva que marca as comemorações de um ano do portal Geocracia, o presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira), coronel engenheiro Carlos Augusto de Moura, disse que o Brasil tem trabalhado fortemente para integrar suas capacidades nas cadeias mundiais de valor e participar da nova exploração do espaço – a “nova fronteira que alavanca negócios para a humanidade”. Apesar de o Brasil ter uma “participação, em termos de mercado, ainda muito tímida”, Moura revela que a ideia é repetir no setor geoespacial “o sucesso que alcançamos na indústria aeronáutica”.

Engenheiro aeronáutico e Mestre em Ciências pelo ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), ele reconhece que o país precisa aprimorar a organização e a exploração dos instrumentos estratégicos de geoinformação, “essenciais para a sociedade brasileira”.

Sobre a necessidade de criação uma agência reguladora para a infraestrutura de dados espaciais, o presidente da AEB cita o grupo técnico voltado para estudar o assunto, criado há algumas semanas, no âmbito do Comitê para o Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro: “Nessa vastidão de demandas nacionais e de potenciais tecnológicos que temos, não seria razoável que desperdiçássemos recursos valiosos em atividades desconexas. Temos que buscar sinergias”

Acompanhe, abaixo, a entrevista na íntegra.

O mundo vive, atualmente, uma nova corrida espacial, não só para chegar a novos destinos, como Marte, por exemplo, mas pela melhor observação da própria Terra. Como o Brasil está posicionado nesse mercado que tem atraído cada vez mais empresas privadas?

O espaço, sem dúvida, é uma nova fronteira que alavanca negócios para a humanidade. Não se trata mais apenas de pesquisa. Não se trata apenas de investimentos governamentais. Mundo afora, investidores e empreendedores privados somam-se às áreas científicas e tecnológicas para explorar não apenas as órbitas terrestres, mas toda a vastidão do espaço profundo.

Para além da curiosidade natural do ser humano, há objetivos de negócios: materiais raros, energia, novos assentamentos, posicionamentos estratégicos para serviços e desafios que ainda temos dificuldades de aquilatar. É o “new space” valendo-se da miniaturização de equipamentos, dos avanços em materiais, de tudo que a tecnologia permite, promovendo novos arranjos para a exploração espacial.

A AEB vem, nesses três últimos anos, trabalhando fortemente para integrar as capacidades brasileiras nas cadeias de valor mundiais. Nossa participação, em termos de mercado, ainda é muito tímida. Por diversos canais, temos disseminado a imprescindibilidade de nos inserirmos melhor, repetindo o sucesso que alcançamos na indústria aeronáutica.

Do olhar para as startups espaciais no atendimento às nossas demandas nacionais até a nossa participação no Programa Artemis (a volta da humanidade à Lua, liderada pela NASA), há diversas possibilidades para que o setor espacial brasileiro cresça e floresça. Alguns reflexos já se podem observar: empresa brasileira exportando painéis solares e abrindo filial no exterior. Startup fazendo um pocket sat e viabilizando o lançamento com recursos próprios. Dez projetos de nanossatélites em andamento no Brasil, alguns com potencial de emprego comercial. A Constelação Catarina, inicialmente criada com foco em aplicações de Defesa Civil, e agora atraindo interesse de outros setores, como o de energia. É uma nova era no setor espacial brasileiro!

Na recente cerimônia de aniversário de 28 anos da AEB, disse que o Brasil não pode se tornar um mero espectador da qualidade dos projetos geospaciais estrangeiros. No entanto, lançamentos importantes como o Amazonia 1 foram lançados de bases estrangeiras. Como estão os projetos de uso da Base de Alcântara por nós e por outros países, tendo em vista a grande vantagem competitiva do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) por seu posicionamento geográfico?

Nosso Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, o Astronauta Marcos Pontes, tem enfatizado que a realização mais relevante nesses últimos anos será a inserção do Espaçoporto de Alcântara no mercado de transporte espacial.

De fato, diversas ações foram tomadas os últimos anos, destacando: a celebração do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os EUA; a melhoria dos meios operacionais e logísticos do Centro de Lançamento (p. ex., a transformação do aeródromo em aeroporto com capacidade para operações internacionais e a instalação da micro-rede para incorporação de energias renováveis); a parceria da AEB com a FAA (Federal Aviation Administration), entidade que mais licencia atividades espaciais comerciais no mundo; a coordenação interministerial para as melhorias das condições do município e da região, via o Programa de Desenvolvimento Integrado para o Centro Espacial de Alcântara (PDI-CEA).

Hoje, há empresas licenciadas pela AEB discutindo os contratos de prestação de serviços com a Aeronáutica. Temos a expectativa de que, em breve, teremos a definição das primeiras empresas a, efetivamente, lançarem satélites a partir de Alcântara. Temos, portanto, condições de nos inserirmos no mercado internacional, principalmente a partir do nicho de nanossatélites, órbita baixa e lançamentos dedicados.

Uma das principais repercussões da exploração espacial é a obtenção de dados para cidades inteligentes, controle de incêndios, carros autônomos e outros. Como é possível estimular startups tecnológicas no Brasil, tendo em vista o enorme boom que se vê lá fora na indústria espacial? Alcântara não poderia sediar um hub tecnológico para esse fim?

Somos, sem dúvida, um dos poucos países que podem atuar em todos os segmentos do setor espacial. Para além do segmento de transporte, temos como projetar e produzir veículos lançadores, satélites, infraestrutura de solo, aplicações. E temos um enorme mercado, tanto em nível individual, como de grandes setores econômicos.

O Espaçoporto de Alcântara tem vocação não apenas para lançamentos espaciais, mas [para] ensaios de motores e componentes; produção de artefatos espaciais; turismo espacial, entre outros.

O mercado espacial global tem crescido a taxas elevadas e de forma consistente. Prevê-se que passe da casa do trilhão de dólares a partir da virada desta década. A grande fatia desse mercado está no chamado downstream, ou seja, o que se faz com os dados e informações que obtemos a partir de sistemas espaciais. No campo ou na cidade, na imensidão de nossas florestas e fronteiras, ou de nossos mares e seu potencial eólico, há muito espaço para a produção de serviços inovadores. As startups são, sem dúvida, um rico manancial de ideias e de possíveis resultados vencedores.

Em articulação com diversas entidades, como MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Parque Tecnológico de S. José dos Campos, Institutos Senai de Inovação e Federação das Indústrias do Maranhão, apenas para citar algumas, temos discutido formas de apresentar desafios e incentivar nossos empreendedores.

Acabamos de apoiar o lançamento de um edital para foguetes de capacitação. Em breve, esperamos lançar outras oportunidades de apoio. Há, portanto, perspectiva de fazermos crescer e consolidar o mercado espacial brasileiro, seja nos polos tradicionais, como no Vale do Paraíba ou no sul do País, seja no Maranhão. Sabemos do poder indutor das atividades espaciais, e queremos repetir o sucesso da região do Kennedy Space Center e do Centro Espacial Guianês.

O Espaçoporto de Alcântara tem vocação não apenas para lançamentos espaciais. Como resultado de uma avaliação internacional, temos identificadas outras possibilidades interessantes no cenário internacional: ensaios de motores e componentes; produção de artefatos espaciais; turismo espacial, entre outros.

Em 2021, tivemos dois eventos marcantes relacionados ao segmento de transporte: o primeiro ensaio a quente do motor a propulsão sólida S-50 (o maior já projetado e construído no Brasil); e o lançamento de um experimento de hipervelocidade. São desenvolvimentos centrados no Vale do Paraíba, SP, mas que repercutem no futuro da utilização em Alcântara, no MA. Com os desdobramentos positivos que já vemos na região – cito, engajamento do setor industrial e das Universidades e do Instituto Federal –, poderemos formar profissionais de alta qualificação e desenvolver negócios entrelaçados com todo o potencial logístico do Arco Norte brasileiro, centrado entre Alcântara e São Luís.

Nesse sentido, como se insere o recente acordo entre a AEB e a Amazon, que prevê iniciativas educacionais, econômicas e políticas para desenvolver o setor aeroespacial brasileiro, inclusive a disponibilização de créditos, treinamento técnico e suporte comercial a startups brasileiras de tecnologia?

A Amazon Web Services (AWS) é uma gigante de serviços de computação em nuvem. Já de algum tempo, esses recursos têm permitido novas formas de se montar estruturas profissionais para desenvolvimento de negócios. A parceria com a AWS vai permitir que desde jovens empreendedores até estruturas governamentais possam se inserir nessa nova dinâmica, conhecendo os ferramentais disponibilizados pela AWS.

A partir do instrumento guarda-chuva que assinamos, poderemos lançar iniciativas bem estruturadas para apoiar nichos como startups que queiram desenvolver soluções utilizando computação em nuvem e ferramentas de inteligência artificial, sem necessariamente, terem de investir fortemente nessa infraestrutura. Poderemos apoiar iniciativas referentes a dados abertos, algo que, de certa forma, já praticamos com nossos imageadores orbitais.

Cabe, portanto, à AEB e à AWS, definirem, nos próximos meses, as iniciativas pioneiras que poderão facilitar o ingresso e o crescimento dessa promissora fatia do downstream do mercado espacial brasileiro.

A Indonésia conseguiu elevar o preço de suas commodities no mercado internacional por ter conseguido padronizar sua política espacial e geoinformacional, de maneira a reverter, com argumentação baseada em dados, a pressão internacional para proteger suas florestas. Como o Brasil, com toda a questão da Amazônia e a importância estratégica do agronegócio, poderia apostar na indústria geoespacial para usar a mesma tática?

Na AEB, temos procurado mapear nossos projetos e iniciativas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Observamos, também, que a busca de sustentabilidade, dentro da tônica ESG (tradução do inglês dos termos ambiental, social e governança), tem sido marcante para diversos setores e atores econômicos. Há, de certo, uma oportunidade forte para que o Brasil se valha de seus potenciais naturais de forma sustentável. Empregando os melhores recursos tecnológicos, como os providos por sistemas espaciais, podemos ser mais eficientes, respeitando limites da natureza e entregando resultados positivos:  nossa matriz energética, por exemplo, é das mais renováveis. Podemos avançar mais em termos de produção de energias renováveis, de óleo e gás, de agricultura, manejo hídrico, prevenção de desastres naturais. Nossa recém lançada Constelação Catarina vai nessa direção.

As aplicações em produção de alimentos são muito marcantes:  há como aumentar a produtividade fazendo uso mais racional – com base nas informações do solo, do tempo, do clima, da saúde das plantações – de todos os insumos empregados, tais como água, fertilizantes e defensivos. E esse tipo de abordagem demanda, por sua vez, mão de obra mais qualificada. Temos, assim, uma espiral positiva de desenvolvimento.

Ou seja, sistemas espaciais são uma infraestrutura que pode permear diversas atividades do ser humano, alcançando resultados seguros e eficientes, com desdobramentos positivos para qualidade de vida de forma mais ampla.

Desde a Constituição de 1988 espera-se a regulamentação do artigo 21, inciso XV, que trata da Geografia e da Cartografia oficial no país. Recentemente, o Zimbábue anunciou a criação da sua agência espacial dentro de um modelo que verticaliza a indústria espacial e sua produção de geoinformação. Essa saída poderia ser adotada pelo Brasil, fazendo a AEB funcionar como a agência reguladora para a Infraestrutura de Dados Espaciais?

É fato que precisamos aprimorar como organizar e explorar, da forma mais eficiente e segura, esses instrumentos estratégicos, essenciais para a sociedade brasileira. Recentemente, foi criado um Grupo Técnico, no âmbito do Comitê para o Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, focado nessa questão. Nessa vastidão de demandas nacionais e de potenciais tecnológicos que temos, não seria razoável que desperdiçássemos recursos valiosos em atividades desconexas. Temos que buscar sinergias.

A AEB, como coordenadora da política e do programa espacial, vem empregando seus melhores conhecimentos e capacidade de articulação para que, no âmbito federal, possamos atuar de forma sistêmica. Há pouco tempo, fizemos um estudo pioneiro de levantamento de demandas nacionais. Essas informações têm sido atualizadas e são insumo essencial para que possamos direcionar nossos investimentos, principalmente em prol de políticas públicas mais eficientes.

Em paralelo, temos todo um mercado privado que pode e deve seguir desenvolvendo tecnologias e serviços atualizados, competitivos. Isso é bom para nossa economia e imprescindível para que possamos atuar internacionalmente. É por isso que declarei, na cerimônia dos 28 anos da AEB: não podemos nos acomodar sendo meros consumidores de produtos e serviços vindos de fora do País. Primeiro, porque se trata de elevada vulnerabilidade estratégica. Segundo, porque deixaríamos de fomentar negócios e empregos de alto valor agregado aqui, algo tão necessário para esta e futuras gerações de brasileiros.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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