Dimmi Amora, da Agência iNFRA
De São Paulo
O novo diretor-presidente da Rumo, Beto Abreu, assumiu uma companhia que – para ele – fez um caso de estudo acadêmico de recuperação nos últimos cinco anos, período que ele chama de primeiro capítulo de uma trilogia.
“Não é opinião, é dado. É um turnaround que trouxe a companhia para outro nível”, disse Abreu, que veio de outra empresa do Grupo Cosan, a Raízen.
O livro que ele tem a escrever agora, segundo o executivo, é o de ampliar os investimentos, o que já começa com a aquisição da Ferrovia Norte-Sul, comprada nos últimos dias da gestão de seu antecessor, o executivo Júlio Fontana, o que para ele traz uma nova estratégia para o mercado de grãos e de contêineres.
“Descem por dia dali mil caminhões. Tem as duas coisas”, afirmou o diretor-presidente na conversa com a Agência iNFRA na última sexta-feira (31), na sede da companhia, em São Paulo.
Para Abreu, o capítulo essencial do livro que ele assume é a renovação da Malha Paulista, um jogo que, na visão dele, está “perto do final”, que a Rumo está vencendo, “mas não tem goleada”. Ele acredita que o processo vai se encerrar de forma a garantir mais investimentos e uma melhoria para a logística do país.
“A gente acaba confiando e apostando que as coisas vão acontecer. Temos projetos que convergem interesses do estado, da companhia, do acionista, da sociedade”, disse Abreu na primeira entrevista exclusiva à imprensa após assumir a companhia.
Agência iNFRA – Vocês venceram recentemente o leilão da Ferrovia Norte-Sul. Valeu entrar em um negócio de tanto risco?
Beto Abreu – O mérito é todo do Júlio [Fontana, ex-diretor presidente da companhia e agora integrante do conselho]. Foi o finalzinho de março e eu entrei no início de abril. Montamos para esse processo um conselho operacional e o Júlio vai ter uma responsabilidade grande, usando toda a experiência dele, para colocar a Norte-Sul de pé. Quando você vê a importância da Norte-Sul dentro da malha ferroviária brasileira, nossa expectativa é que tenhamos nos próximos anos um volume importante. Vamos ter muita oportunidade. Temos ali a conexão com a nossa Malha Paulista, com todo esse volume chegando ao Porto de Santos. A gente pode dizer que tem uma sinergia grande. E não estamos falando só de volume de granel. Estamos falando também de contêineres.
Essa compra é mais estratégica para a Brado do que para a Rumo?
Acho que é para os dois. O Brasil carece muito de transporte no mercado interno de longa distância e temos uma solução mais eficiente. Estamos falando ali de 1,6 mil km. Tem um volume grande dali. Descem por dia dali mil caminhões. Tem as duas coisas. Tem oportunidade de mercado para a Rumo, na parte de granel, com a sinergia com o Porto de Santos. Esse é o racional estratégico para esse movimento. Tem muito desafio pela frente.
Qual desafio?
O Júlio de fato que vai liderar isso, mas temos que terminar uma série de investimentos em infraestrutura, algumas pontes a serem construídas. Vamos precisar de um tempo ali ainda para ficar com ela totalmente operacional.
Vocês já avaliaram se já é possível operar o trecho de Porto Nacional a Anápolis?
Estamos exatamente nesta fase. Num estudo técnico profundo, avaliando cada um dos trechos. É muito recente. Estamos nessa due diligence de engenharia muito forte para fazer esse diagnóstico de forma clara.
No Cosan Day, foi apresentado um plano de investimentos. Vocês vão precisar de mais recursos para a Norte-Sul?
Apresentamos um plano de investimentos da ordem de R$ 13 a R$ 15 bilhões para os próximos cinco anos. Isso considera os investimentos no nosso capex recorrente, para manter o negócio, e o capex de expansão, para a gente investir em material rodante, via, duplicação de pátio, o investimento da Malha Paulista. O que não está nesse valor é a Norte-Sul, para a qual também não temos orçamento.
Para o que vocês precisam fazer lá já está estudado como vai ser a captação?
Vamos ver primeiro o tamanho do investimento. Tem uma previsão, uma ordem de grandeza, mas temos que finalizar isso. Mas a companhia tem um nível de alavancagem muito saudável. Uma companhia em que nos últimos quatro anos foi feito um trabalho brilhante. Colocamos a empresa de um nível robusto de balanço. Nossa alavancagem é de dois e pretendemos manter esse nível. Temos um plano de crescimento ambicioso nos próximos cinco anos. Quando você coloca na agenda um plano como o nosso, ele traz resultados que suportam mais investimentos de forma a manter a alavancagem.
Você falou de uma reprogramação financeira, mas a companhia também tinha outros tipos de passivos de toda ordem. Como você recebeu esses passivos e qual a sua avaliação?
A maior parte desse trabalho foi feita. Quando você pega hoje o nível de investimento dos últimos anos, foi muito investimento em melhoria de via, das instalações, compra de material rodante, milhares de quilômetros de vias trocados. Quando a gente diz aqui que a companhia quase que fecha um ciclo de turnaround, eu digo que a Rumo tem um caso acadêmico a ser estudado quando você vê o que foi feito aqui nos últimos anos. Não é opinião, é dado. É um turnaround que trouxe a companhia para outro nível. E isso inclui o tratamento de vários passivos que a companhia tinha. Agora estamos colocando um marco que eu digo que é uma trilogia. O primeiro livro foi o turnaround, o segundo agora nos próximos cinco anos é de crescimento e com certeza em 2023 vamos lançar um terceiro livro da trilogia.
Esse segundo livro tem um capítulo essencial que é a renovação da Malha Paulista. Como você está vendo o processo que começou em 2015?
Isso envolve muitas etapas e eu estou vendo com confiança. Nós estamos, eu diria, num jogo de 90 minutos, bem avançados no segundo tempo.
Estão ganhando?
Estamos ganhando. Não tem goleada nesses jogos. Mas estamos ganhando e confiantes. Tem uma etapa final agora no TCU e temos a confiança de nos próximos meses, nas últimas etapas, ter elas vencidas.
Foi um processo novo, com muita participação e a Rumo foi uma espécie de cobaia para o sistema ferroviário. Como você vê os custos impostos ao longo do processo e se vale ainda a pena seguir com esse caminho?
Acho que ainda faltam ajustes finais que são parte do processo. A verdade é que você tem, sim, num país que a gente acredita que vai crescer, que tem muito mercado a ser explorado principalmente na área agrícola, que tem aptidões que precisam do transporte para colocar o país de forma competitiva na cadeia de valor. Você tem no Mato Grosso, por exemplo, um estado que vai dobrar a produção nos próximos anos. Que tem produtividade crescendo, terra arável, um potencial gigante e precisa de infraestrutura para que os produtores consigam colocar nos seus destinos os seus produtos de forma competitiva. Nessa visão de longo prazo que a gente aposta. E, completando seu ponto, a gente também está num momento positivo do ponto de vista do país. A principal interface da companhia é com o Ministério da Infraestrutura que, na nossa visão, está fazendo um trabalho brilhante, super atuante, supercompetente e super sério para fazer as coisas acontecerem de forma diligente e célere. A gente acaba confiando e apostando que as coisas vão acontecer. Temos projetos que convergem interesses do estado, da companhia, do acionista, da sociedade. São uma grande convergência de interesses, os projetos grandes de infraestrutura.
De alguma maneira você vê o processo de renovação da Malha Paulista atrapalhando o projeto que parece que toda a sociedade de São Paulo quer, que é retomar o sistema ferroviário de passageiros?
Não vejo. A gente vê no trecho entre Campinas e Jundiaí e para São Paulo, como em qualquer negócio, você tem que olhar a viabilidade econômica das coisas. Você tem Campinas, uma das maiores cidades do Brasil, em direção a São Paulo, é um trecho que a gente tem que estar estudando. Algo para ser discutido e estamos nesse debate.
Você falou do Mato Grosso, onde a Rumo tem interesse de continuar com a Ferronorte. O senhor vê possibilidade desse projeto ser feito por autorização se o projeto do Senado para isso for votado?
Nosso projeto é a extensão de uma malha que tem o modelo de concessão. Esse é o modelo que a gente está considerando. Chegamos até Rondonópolis, que é no sul. O potencial de produção está no oeste e um pouco mais ao norte e temos no nosso plano expandir a malha atual. Estamos estudando qual o melhor caminho, quais as etapas, o lugar ideal para se posicionar e isso está em estudo.
Em relação às outras malhas, especialmente na Sul, onde o índice de inutilização é grande, qual é o plano? É possível ampliar a malha usada?
A gente optou, quando olhamos as malhas, colocar, em função das diversas etapas de renovação, a concentração de esforços, também internos, porque a gente precisa desenhar uma infinidade de projetos de viabilidade, técnicas econômicas, a demanda, e o trabalho por traz de um processo desse é gigantesco. A decisão foi colocar foco na Malha Paulista. Finalizando esse processo, vamos virar as baterias para a Malha Sul. Claro que a gente tem uma ideia das grandes iniciativas. Mas esse trabalho profundo e detalhado da Malha Paulista também será desenvolvido na Malha Sul no momento adequado.
Há críticas de que o sistema ferroviário é monopolista. É possível atender mais e a uma gama maior de clientes?
Sim. E tem outro detalhe: nosso negócio é um modal. Quanto mais a Rumo cresce, mais ela gera frete rodoviário. A carga precisa chegar nos nossos terminais e ela chega nos nossos terminais de caminhão. Então, a gente cresce, cresce também o do modal rodoviário dos nossos terminais. A Rumo é grande contratante de frete rodoviário, também para chegar o contêiner ao nosso terminal. Na verdade, como no mundo, os modais precisam conviver de forma complementar. Agora, a ferrovia em si, não dá para construir uma e colocar outra do lado. Os investimentos são muito relevantes e de muito longo prazo. É um consumo de capital extremante elevado, para colocar os projetos de pé e para manter os ativos em condições de manter as operações com produtividade e segurança. E não falamos só de via e material rodante. Precisamos também de terminais para receber carga, para fazer a elevação aos portos. É um sistema que demanda nível de investimento grande. A gente enxerga dessa forma. É um negócio que tem potencial enorme de trazer eficiência para os produtos do Brasil. Mas não vemos concorrência com a rodovia, vemos complementariedade para colocar o produto brasileiro no mercado da melhor forma possível. Tem um produtor americano também querendo colocar soja na China.
Qual a sua expectativa sobre o sistema ferroviário para daqui a cinco ano?
Eu vou falar do nosso.
Do terceiro livro?
Vamos estar como uma malha mais extensa, com maior nível de eficiência, segurança e produtividade. Para que tudo isso ocorra, temos que garantir que o porto de destino acompanhe o processo de evolução. Estou falando de uma Malha Paulista, uma Norte-Sul e, no final das contas, tudo isso cai lá no Porto de Santos.
Como está a Portofer?
Estamos trabalhando a quatro, seis mãos, com a agência envolvida, para ter uma visão de longo prazo no porto, detalhando os investimentos, fomentando a licitação de terminais e tentando colocar no papel projetos que eliminam gargalos e aumentam a produtividade. Temos que retornar com velocidade e para isso temos que ter projetos dentro do porto para que essa eficiência ocorra. Acho que nesse terceiro livro estou vendo é esse sistema funcionando de forma mais ampla, de uma maneira mais eficiente, produtiva e integrada.
E quem é o vilão do livro?
Acho que não tem vilão. Acho que tem um monte de gente alinhada. São projetos grandes, sempre com um nível de complexidade. Tem um monte de gente que pode trabalhar junto, de forma integrada, cada um com a sua expertise e sua competência. Vejo muito mais aliados que vilões nos próximos anos.