Ferrovias privadas têm maioria das autorizações para empresas novas, sem garantia de carga

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

A maioria das autorizações para implementação de ferrovias privadas autorizadas no país é para companhias que não têm garantia de carga e ainda não operam no setor. Além de ter a maior extensão, esse tipo de empresa também obteve autorização para as linhas mais extensas e que formariam novos corredores ferroviários.

Dos 13,1 mil quilômetros já autorizados pelo governo em 42 projetos, 6,94 mil quilômetros são para ferrovias desses novos empreendedores (53% do total), sendo que 6,3 mil têm características de novos corredores. São 15 projetos desse tipo. 

Os dados são da A&M Infra, consultoria especializada em infraestrutura, que avaliou as 42 autorizações feitas até julho deste ano. Até o momento, há pouco mais de 100 pedidos de ferrovias, parte deles ainda em processo de análise pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

Para Rafael Marchi, diretor-executivo da A&M, e David Goldberg, diretor, esses números indicam as dificuldades que o modelo deverá seguir enfrentando para que as ferrovias sejam efetivamente implantadas. 

“O capex para uma ferrovia dessa é alto, o risco é elevado”, lembra Goldberg, indicando que a média da extensão dos novos corredores pedidos por esse tipo de empreendedor chega aos 700 quilômetros. 

Dois anos depois da MP (Medida Provisória) 1.065, de 30 de agosto de 2021, que criou o modelo e caducou, mas acelerou a tramitação da Lei 14.237/2021, há poucos sinais de que o modelo privado terá início breve da implementação de algum dos projetos autorizados.

Esse tipo de empreendedor com projeto autorizado, mas sem garantia de carga, é avaliado pelos sócios da consultoria como de maior dificuldade para executar obras. Isso porque ter carga garantida é considerado essencial para o financiamento. Sem garantia de carga e com a possibilidade de competição com outras ferrovias e modais, eles avaliam que é bem mais difícil para os empreendedores tirarem suas ferrovias do papel, mais ainda em corredores novos e extensos.

Nuno Ramos é sócio da GPM (Grão-Pará Multimodal), uma das primeiras empresas a pedir autorização ferroviária, para construir um ligação ferroviária entre um terminal portuário privado autorizado para a empresa em Alcântara (MA) e as ferrovias EFC (Estrada de Ferro Carajás) e FNS (Ferrovia Norte-Sul).

O projeto tem juntado apoios para sua concretização e teve recentemente apoio do governo alemão, com uma carta de intenção do KFW, o banco de financiamento do país, para financiar o projeto, além de ter a estatal ferroviária DB como uma das sócias.

Entusiasmo inicial
Como novo empreendedor no setor, ele lembra que a MP gerou um entusiasmo inicial pelo aparecimento de novos players e novas soluções logísticas que, anteriormente, condicionadas ao modelo público, pareciam pouco prováveis devido à concentração de mercado do setor no país. 

Ele aponta três fatores críticos para o andamento dos projetos de autorização nesses dois anos: o desenvolvimento dos projetos de engenharia, o licenciamento ambiental moroso e, como consequência dos dois primeiros, a falta de fundings assegurados por contratos de carga, que não conseguem ser gerados pela falta de licenças que garantam que o projeto será realizado.

“Todos querem que os projetos aconteçam, mas não se criaram os mecanismos para isso”, disse Nuno.

De acordo com a avaliação da A&M sobre as autorizações permitidas, as companhias que já operam ferrovias no Brasil se concentraram em pedir trechos para expandir seus próprios corredores ou criar ramais para eles, o que corresponde a 47% de toda a extensão solicitada em 18 projetos aprovados.

Outra categoria criada pelo levantamento, a de usuários, ou seja, empresas que têm carga garantida e querem passar a operar no sistema ferroviário, representa 4% da extensão dos pedidos de ferrovias, com oito projetos aprovados até agora. Nos dois casos, a avaliação é que ter o conhecimento da operação e ter a carga ampliam as chances de que o projeto possa sair do papel.

Vetos e regulações
Eles alertam, no entanto, que a garantia de carga ainda não se tornou condição suficiente para que as empresas viabilizem um projeto. Para os diretores, a falta de regulamentação da lei, que nem sequer teve seus vetos avaliados pelo Congresso e ainda depende de diversas regulamentações infralegais, é um entrave para a implantação das ferrovias.

David e Rafael lembram que o modelo de autorização está no cerne de todas as questões atuais que envolvem o setor, inclusive os processos de novas concessões e renovações antecipadas. Segundo eles, as empresas interessadas nos processos de concessão devem enfrentar um dilema de entrar ou não num processo de concessão visto que podem vir a sofrer a concorrência de um modelo privado.

“O país vai continuar dependendo de concessão nesse setor. Autorização não se presta a grandes eixos, são mais para alimentadores e projetos específicos”, disse Marchi.

Política de Estado
Eles citaram como um dos exemplos o corredor Fico-Fiol (Ferrovia de Integração Centro-Oeste-Ferrovia de Integração Oeste-Leste), que tem pedidos de autorização concorrentes para todos os trechos que o governo colocou no Novo PAC para fazer concessão ou PPP (Parceria Público-Privada), o que para eles vai criar incertezas para o processo. Na visão dos sócios, o governo deveria ter a postura de vetar os pedidos que fossem ter conflito com as concessões.

Para o advogado Leonardo Toledo, sócio do escritório Toledo & Marchetti, o modelo ferroviário de autorização ainda não tem um ferramental jurídico necessário à sua real implementação. Segundo ele, será preciso que sejam tomados cuidados para não se replicar o que aconteceu no setor portuário, no qual os dois modelos, público e privado, operam com elevadas assimetrias.

Outro fator que, para o advogado, será essencial, é cuidar para que a política do setor seja “de Estado”, para que permaneça por longo prazo, sem grandes variações, o que é essencial para que projetos do nível de investimentos requerido pelas ferrovias possam ficar de pé.

Dificuldade de consenso
Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, que participa do comitê para discutir o setor ferroviário na FGV Direito Rio, conta que ainda vê distante a possibilidade dos diferentes grupos de interesse que operam ferrovias chegarem a um consenso sobre como viabilizar um novo modelo para o setor.

Segundo ele, sem regras elementares sobre como será o direito de passagem e como vão conviver os dois modelos, será muito difícil que os projetos saiam do papel e mudem de fato o perfil das ferrovias brasileiras, voltadas ao setor exportador e com pouco uso para o transporte interno de mercadorias.

“Tem muitos fatores a clarificar e isso só vai acontecer quando todos estiverem na mesma página”, disse Quintella.

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