Marisa Wanzeller e Geraldo Campos Jr., da Agência iNFRA
O cenário de sobrecontratação (excesso de energia contratada) das distribuidoras elétricas dos últimos anos está sendo revertido. Segundo fontes do governo, 25 delas já estão subcontratadas (contratos insuficientes para honrar o seu mercado) e apenas 13 estão contratadas acima de 105%.
Mateus Cavaliere, head em Inteligência de Mercado na PSR, avalia que muitas empresas já “trabalhavam com cenários de estresse” em que poderiam estar subcontratadas no fim de 2024. Isso se deve, principalmente, ao aumento de carga abrupto decorrente das altas temperaturas em algumas regiões do país no último ano.
A PSR projeta um déficit para o ACR (Ambiente de Contratação Regulada) a partir de 2027. Na avaliação de Cavaliere, esse cenário poderia ser solucionado com leilões de energia existente e de curto prazo.
O MME (Ministério de Minas e Energia) preparou para este ano um leilão de energia nova A-5, modelo que tem entrega dos empreendimentos em cinco anos após o certame. Uma portaria normativa com as diretrizes prevê a realização do leilão no dia 25 de julho e apenas PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) poderão participar, segundo as regras divulgadas.
Demanda futura
O MME trabalha com a possibilidade de crescimento do mercado regulado, mesmo que pequeno. Segundo fontes do governo, mesmo que esse crescimento nos próximos cinco anos seja de somente 1%, ou seja, 0,15% ao ano, já demandaria uma contratação de 400 MW (megawatts) médios anuais.
Enquanto o governo projeta um aumento da subcontratação das distribuidoras e crescimento do consumo para justificar a necessidade do leilão, há quem avalie que o cenário até 2030 não indica expansão do mercado regulado de energia.
Segundo avaliam fontes, fatores como a prometida abertura de mercado para o segmento de baixa tensão e o crescimento da MMGD (Micro e Minigeração Distribuída) devem manter a maior parte das distribuidoras sobrecontratadas. Há também questionamentos sobre se um leilão do tamanho de um A-5 seria necessário para suprir uma demanda residual.
Para Mateus Cavaliere, da PSR, mesmo que a tendência seja de que o ACR continue crescendo, “realizar uma contratação de longo prazo, com uma entrega tão distante e com preços possivelmente acima do preço médio do seu portfólio pode ser visto por algumas distribuidoras como um grande risco – em especial se considerarmos a potencial abertura do mercado livre para a baixa tensão”.
O último leilão A-5 foi realizado em outubro de 2022 e apresentou baixa demanda pelas distribuidoras. Na ocasião, foram habilitados pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) mais de 80 GW em projetos de geração para participação, mas foram contratados apenas 176,8 MW.
“Muito provavelmente a estratégia das distribuidoras deve ser repartir essa necessidade de contratação e investir mais em contratos de curto prazo, geralmente associados à energia existente”, avaliou o especialista da PSR.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já afirmou que a sua proposta de reforma do setor elétrico incluirá a abertura total do mercado de energia até 2028. Neste cenário, as distribuidoras veriam uma fuga de clientes para o mercado livre e sobraria ainda mais energia no ambiente regulado.
Hidrelétricas
O certame previsto para julho será exclusivo para contratação de PCHs. Ainda não há estimativa do montante de energia que deve ser contratado no leilão.
Conforme a portaria, as distribuidoras terão de 3 a 10 de fevereiro para apresentar declaração de necessidade visando o suprimento dos seus mercados a partir de 2030. Já os empreendimentos de geração interessados devem se cadastrar na EPE até 7 de fevereiro. Os contratos terão duração de 20 anos.
A Lei 14.182/2021, que permitiu a desestatização da Eletrobras, já garantia uma reserva de 50% da demanda dos leilões A-5, A-6 e A-7 para PCHs. Já a destinação dos outros 50% para a mesma matriz neste leilão teria sido motivada tanto por flexibilidade operativa da rede quanto por incentivo ao “conteúdo local”, avaliam fontes.
“PCH é 100% nacional, e é uma indústria que está acabando, tem várias fábricas fechando. Ela tem uma capacidade de modulação. Ela pode gerar mais no período da ponta e deslocar a necessidade do despacho térmico”, disse um especialista à Agência iNFRA.